sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O ANTÍDOTO PARA O DESÂNIMO PÓS-MODERNO

Minha intuição, entretanto, me diz que há caminhos alternativos que podem suavizar a desesperança que se espalhou.
É possível abandonar a lógica dos grandes projetos, das megalomanias, dos messianismos. As antigas propostas globais de mudança precisam ser redimensionadas para pequenas iniciativas. Antes de querer mudar o planeta, devemos cuidar dos quintais. Para enfrentar o aquecimento global, mudar hábitos cotidianos, como poupar água com banhos rápidos, não abusar do automóvel e, sempre que possível, usar transporte público e até bicicleta. Na política, participar dos conselhos de bairro, envolver-se no chamado Terceiro Setor e nas pequenas ações de desenvolvimento comunitário.
Há uma historinha interessante, bastante conhecida. Um homem caminhava e ao mesmo tempo devolvia para o mar peixes que a maré baixa deixou agonizando na praia. Alguém o repreendeu ao afirmar que seu esforço era inútil e tolo; não faria a menor diferença salvar tão poucos peixes. Ao que respondeu: “Realmente, mas para os que se salvaram, fiz toda diferença do mundo”. Oskar Schindler não acabou com o holocausto, mas fez toda diferença para aqueles que resgatou dos fornos crematórios; Martin Luther King não viu o fim do racismo, mas deu dignidade para os que se inspiraram em sua vida e morte; Madre Teresa de Calcutá não resolveu a miséria da Índia, mas todos que morreram em sua clínica se sentiram amados.
O antídoto para o desânimo pós-moderno é concentrar os esforços nas pessoas e não nos empreendimentos. Os projetos devem servir homens e mulheres, nunca o contrário. As pessoas não podem ser consumidas no fortalecimento das instituições. No caso das igrejas, nenhuma programação, nenhum evento, pode tornar-se um fim em si mesmo. Eles estão a serviço dos indivíduos e só adquirem qualquer sentido quando promovem a vida.
Jesus de Nazaré amou pessoas, viveu numa pequena vila e não diluiu seus esforços com mega eventos. Ele se deu integralmente a doze homens, acolheu os excluídos e nunca se impressionou com o aceno do estrelato. Sua morte transformou-se no mais contundente triunfo. Assim, antes de terminar os dias desiludido, cínico, sem alma; antes de sentir-se derrotado pelo constante avanço da maldade e onipresente perversidade humana, todos precisam aprender a contentar-se com atos singelos, com iniciativas despretensiosas, com feitos simples.

Fonte: www.ricardogondim.com.br

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

INTIMIDADE E INTEGRIDADE

"Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo". I Cor. 11:3. A palavra da moda hoje é, intimidade. Todos querem ser íntimos de Deus, do cônjuge, da namorada ou do amigo. Os programas de televisão e de rádio de maior audiência são aqueles que exploram a intimidade dos outros. As revistas de maior vendagem são aquelas que fofocam e comentam a intimidade de pessoas famosas. É comum ouvir nas ruas comentários sobre a vida íntima das celebridades, sobre suas casas, plásticas e relacionamentos, como se fossem velhas conhecidas. O sucesso do Big Brother está exatamente em expor a intimidade dos outros. Casais expõem-se na televisão. Todos querem mostrar o que são e o que pensam. Querem mostrar o corpo e a alma. Vivemos a era de Narciso.
Nas igrejas não é diferente. Boa parte das músicas que cantamos buscam promover uma adoração mais individual. É preciso “sentir” a presença de Deus, repetir estrofes até que provoquem algum tipo de êxtase. Nas orações predominam os pronomes da primeira pessoa: meu, para mim. Certa vez ouvi alguém dizer que quando louva a Deus é como se estivesse “dançando com o rosto coladinho em Jesus”.
Tenho me preocupado com o modelo de espiritualidade intimista que vem sendo proposto, que, de certa forma, é uma versão religiosa do individualismo narcisista da cultura pós-moderna, uma versão religiosa do “ficar”. Ela só existe naquele momento, com aquelas sensações. É um modelo de intimidade e espiritualidade que não contempla a riqueza dinâmica da vida da fé. Seguir a Cristo no caminho do discipulado nos envolve numa espiritualidade cuja intimidade se dá num processo dinâmico de relacionamento, em que a confissão “Aba-Pai” acontece ao lado da confissão “Kyrios-Cristo”. Ambas dão o equilíbrio necessário a uma espiritualidade que é integral e pessoal, pública e privada, missionária e contemplativa.
A intimidade que Cristo nos propõe acontece num caminho e envolve todas as estações da vida. Ele nos chama para orar, mas também para lavar os pés uns dos outros. Ele nos chama para viver numa comunhão amorosa e segura com o Pai, mas também para confrontar os poderes que aprisionam e oprimem o ser humano. Ele nos chama para o silêncio e solitude, mas também para a proclamação profética e libertadora. É uma espiritualidade que precisa estar presente na economia e na política, na igreja e no quarto. O intimismo intoxica, a intimidade liberta. O intimismo é narcisista e exclusivista, a intimidade é pessoal e comunitária. A imitação de Cristo é o caminho mais seguro para uma intimidade libertadora.
Talvez a maior crise do cristianismo ocidental contemporâneo seja a crise da integridade, a incapacidade de integrar aquilo que cremos com a realidade e a forma como vivemos. Parece que existe entre nós uma falsa premissa de que, se temos uma boa música, temos uma boa adoração; se temos uma boa doutrina, temos uma boa espiritualidade; se temos um bom programa eclesiástico, temos uma missão, e por aí vai. Porém uma coisa não implica necessariamente a outra.
Essa presunção tem nos levado a criar uma brutal distância entre o que afirmamos crer e a integração de nossas crenças à realidade; conscientemente ou não, temos dado à mera aparência uma forma de realidade. Muitos pensam que ser cristão é ter a doutrina certa, cantar as boas e animadas músicas nos cultos, de preferência com os olhos fechados e as mãos levantadas, e ter algum grau de compromisso e envolvimento com as atividades da igreja. Embora nada disso seja necessariamente errado, o chamado de Cristo é para que sejamos seus discípulos, seus seguidores, ou, como o apóstolo Paulo prefere, seus imitadores. E não é isso que acontece entre nós. Somos crentes, cremos nas doutrinas certas, cantamos nos cultos, participamos dos programas da igreja, mas não somos imitadores de Cristo. É raro encontrar entre nós verdadeiros discípulos de Cristo, que seguem seu caminho e são comprometidos em fazer outros seguidores de Cristo.
Se cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus, deveríamos deixar que ela, além de revelar as doutrinas certas, molde nossa cosmovisão, a forma como vemos e interpretamos a realidade. Mas não é isso que acontece. Não tem sido a Bíblia, mas a mídia e a cultura em geral que têm moldado nossa leitura da realidade. Se cremos que Jesus é o Filho de Deus encarnado, nossa humanidade deveria refletir a verdadeira humanidade de Cristo com sua compaixão, misericórdia, bondade e amor. Mas também não é isso que vemos entre nós. Se somos verdadeiros adoradores, deveríamos, além de cantar inspirados no domingo, também viver para agradar a Cristo e em obediência a ele durante toda a semana. Mas nem sempre é isso que acontece. Se cremos na ressurreição e na vida eterna, certamente seríamos menos materialistas e consumistas, menos apegados às coisas deste mundo, ansiando mais o reino de Deus do que o sucesso e a estabilidade neste mundo. Mas não é isso que vemos. Existe uma forte discrepância entre o que afirmamos crer e a forma como vivemos; não há uma integridade entre o conteúdo e a forma, entre a fé e a realidade.
Precisamos voltar a considerar o chamado de Cristo para segui-lo. É claro que crer nas doutrinas certas é fundamental, mas é igualmente fundamental que elas sejam integradas à realidade de nossas vidas e igrejas. Certa vez Jesus advertiu seus discípulos dizendo: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus”. Minha impressão é que alguns conhecem as Escrituras, mas não conhecem o poder de Deus; e outros conhecem o poder de Deus, mas não conhecem as Escrituras. Conhecer as Escrituras e o poder de Deus é integrar as verdades bíblicas e a vida de forma que o testemunho de Cristo seja poderosamente afirmado nos atos de misericórdia, compaixão, serviço e proclamação.
Precisamos buscar uma espiritualidade que encontre nos evangelhos, na pessoa de Cristo e na presença do reino de Deus sua forma e seu conteúdo. O convite corajoso e sincero de Paulo — “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo” — é um testemunho poderoso de uma vida e ministério integrados com a vida e o ministério de Cristo. Para Paulo, precisamos da sã doutrina para nos tornar sábios para a salvação, e não para simplesmente ter o discurso correto. Nosso chamado é para sermos seguidores, imitadores de Cristo, e não apenas ter convicções corretas sobre ele. O descrédito que o cristianismo vem sofrendo nos últimos anos tem a ver com a falta de integridade no meio cristão, com a necessidade de uma espiritualidade evangélica, encarnada, vivida no poder do Espírito Santo, que revele nas palavras e nos atos o testemunho de Cristo.