terça-feira, 17 de janeiro de 2012

‘Comportadas’, grifes evangélicas lucram com público segmentado








Em meio ao competitivo mercado da moda, a confecção de Fabrício Guimarães Pais tem visto sua produção crescer cerca de 20% a cada ano. O segredo do empresário foi encontrar o público certo.
“Depois que mudamos para moda evangélica, nosso faturamento aumentou de forma considerável”, diz Pais, diretor da Kauly Moda Evangélica, instalada no Brás, tradicional centro de compras da capital paulista, e que hoje fabrica 30 mil peças por mês e lança de 100 a 200 modelos diferentes em cada coleção.
Assim como Pais, empresários do ramo de confecção têm investido cada vez mais na moda evangélica, atendendo à mulher que antes tinha de procurar em lojas não especializadas roupas que correspondessem ao estilo exigido pela maioria das igrejas: mais comportado, porém, não menos sofisticado.
"A gente conseguiu achar esse mercado, que é um mercado inovador, que muita gente procurava essa moda, mas que quase ninguém fabricava. Um pouco, acho, por medo. (...) Todo mundo tem um pouco de medo de fazer um foco só, direcionado, e a roupa não vender. No nosso caso, poderia ter dado tudo errado”, conta Pais.
Nas mãos dessas confecções brasileiras, o que poderia ser encarado como limitação se transforma em estímulo para criar peças cada vez mais modernas, sem deixar de obedecer às regras de vestimenta dos evangélicos, que, embora tenham algumas variações, dependendo da igreja, vetam calças, decotes e transparências. De acordo com os dados mais recentes do IBGE, com base no Censo de 2000, a população de evangélicos do país era de 26,18 milhões.
Outros empresários viram na necessidade da própria família uma oportunidade de negócio. Sabendo que a principal queixa das mulheres era encontrar roupas adequadas às exigências, mas com estilo, Laerte de Oliveira Tolentino entrou no ramo de moda evangélica e viu sua equipe crescer de 20 para 250 funcionários diretos e indiretos em dez anos. Dono das grifes de moda evangélica Applausos e Via Toletino, de Maringá, no interior do Paraná, o empresário agora tem planos de expandir seus negócios, melhorando seus pontos de venda, que hoje estão mais concentrados nas regiões Sul e Sudeste, e na qualidade dos produtos.
"A necessidade de segmentação vem se intensificando nos últimos anos. As mulheres evangélicas tinham muita dificuldade para conseguir roupas no estilo que precisavam e desejavam, porque a mulher evangélica também quer ficar bonita, na moda, quer frequentar os cultos bem vestidas. Ser vaidosa não é negativo”, diz Selma Felerico, coordenadora da pós-graduação na área de Comunicação da ESPM, especializada em estudos sobre o público feminino.
Cantora Damares (Foto: Divulgação)
A cantora Damares é um exemplo de evangélica que gosta de se vestir bem e estar na moda. "Meu estilo é clássico, mas diferente, com um toque pessoal. No meu caso, compro as roupas prontas ou mando fazer, dependendo da ocasião. Já até recebi umas propostas para lançar uma marca de roupas evangélicas e sapatos", conta.
Diante da dificuldade de encontrar roupas em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, a auxiliar de SAC Leila Silva Fonseca, 28 anos, se desloca para São Paulo atrás de roupas que atendam a seu gosto. “Por ser pastora de uma igreja evangélica, tenho que estar sempre bem vestida e elegante, e as lojas que existem hoje em dia não estão adequadas a este perfil. Por isso, quando vou comprar, vou até São Paulo para comprar roupas de grife. Já comprei roupas de outros tipos de marca, mas há aproximadamente um ano, só compro roupas e sapatos de marca [evangélica]”. Para Leila, a vantagem dessas roupas está na confecção e no acabamento, “deixando a roupa mais confortável e elegante".
Ivove Gonçalves é dona da Raje, uma das mais antigas confecções de moda evangélica em São Paulo (Foto: Anay Cury/G1)
Na Raje Jeans, o carro chefe são as saias, que custam de R$ 39 a R$ 45 e recebem no tecido aplicações de muitos detalhes. “A moda evangélica não proíbe nada de acabamento que não seja escandaloso. Hoje, as moças evangélicas querem sempre estar dentro da moda. Podem estar discretas, mas com a cor da moda, por exemplo. Qualquer tipo de roupa que esteja sendo usada, que é lançado por estilista famoso, que está na mídia, pode ser usada, sem problema nenhum. Tudo é permitido desde que [ela] não esteja usando uma roupa muito curta, uma calça comprida, uma roupa sem manga e decotada”.
Hoje, os três principais canais de venda das confecções evangélicas são lojas físicas, revenda e internet, cuja procura tem sido cada vez maior. “Pela internet, economizo tempo e adquiro peças que geralmente não encontro por aqui. Nem sempre os tamanhos dão certo, mas, no meu caso, sempre encontro alguém em que caiba e nunca devolvi nenhuma peça”, disse a policial civil Maria de Fátima Costa da Silva, 51 anos, de Natal (RN).
Do total de clientes que Thais Cristina Barbosa, de Osasco, São Paulo – ela não revelou o número – 10% não são evangélicas. E é esse filão que muitas empresas também querem atingir. “São mulheres que trabalham em banco, escritório, por exemplo, e que querem roupas bonitas, mas mais discretas, na altura do joelho.” “É muito difícil achar coisas que sejam discretas, mas de bom gosto. Eu mesmo passei por isso no início. Agora não, uso as roupas que gosto e faço até marketing”, conta.
Como as roupas costumam cobrir ombros e pernas, muitas mulheres que usam tamanhos grandes e que, independentemente de serem evangélicas ou não, não gostam de mostrar os braços, por exemplo, têm recorrido aos modelos desse tipo de moda. “Às vezes, as clientes entram aqui, se apaixonam por um vestido e só quando vão pagar é que veem que a loja é de moda evangélica”, afirmou Fabrício Pais.
Tamanho aumento da quantidade de confecções que estão sendo abertas – ainda não há dados oficiais -, muitas empresas chegam a se queixar e até começam a reduzir a produção neste início de ano. É o caso da Clara Rosa Moda Evangélica, de Cianorte, no interior do Paraná. “A procura é grande no setor, mas nós não crescemos de 2010 para 2011. Mantivemos o faturamento, porque houve um reajuste de preços, mas não crescemos”, afirma o diretor Aparecido Martins de Lima.
RiscosAntes de abrir um negócios, por mais interessante que possa parecer, é preciso antes de tudo estudar o público alvo e desenvolver um plano de negócios, principalmente em moda, de acordo com Ivan Bismara, coordenador do curso de Moda da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).Para os próximos anos, a coordenadora da pós em Comunicação da ESPM afirma que o universo infantil deverá ganhar mais atenção da moda evangélica. “Era uma coisa muito necessária [a moda evangélica]. Cresceu e vai continuar crescendo”, diz Selma.
Fonte: Anay Cury, no G1



Meu Comentário: O público evangélico é um segmento de mercado extremamente atraente com seus hábitos de consumo diferenciados. Excelente mercado para explorar. Depois da classe C, os evangélicos são o novo hit do momento.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A entrevista de Caio Fábio com Edir Macedo

Essa entrevista não é recente, nem foi feita em nenhuma revista, tv, rádio ou site. Foi uma entrevista, concedida pelo Macedo ao Caio em abril de 1991, um mês antes da fundação da AEVB (Associação Evangélica Brasileira). Ela está publicada no livro “Confissões do Pastor”, lançado em 1996 pela editora Record. Muitas águas já rolaram nos últimos 16 anos, no Brasil, no mundo, e entre o movimento evangélico, inclusive com o próprio Caio Fábio, que na época era um conhecido líder evangélico, sendo o presidente da AEVB. Mas eu vou postar esse trecho do livro porque, apesar de mostrar um momento histórico, ajuda a entender a formação da igreja, e o modo de pensar de um dos "pais" (talvez o maior) do movimento neopentecostal brasileiro. É bom que se diga também que Macedo, jamais negou tal encontro com Caio Fábio. Abaixo, o trecho transcrito do livro onde o Caio narra, como foi aquele encontro ou entrevista:




“No dia 17 de maio de 1991 a Associação Evangélica Brasileira foi criada em São Paulo, com a presença de representantes dos setenta principais grupos evangélicos nacionais, e eu fui eleito seu primeiro presidente.
Eentretanto, havia o imenso preconceito da mídia e dos formadores de opinião pública quanto a quem eram os evangélicos, pois o estereótipo relacionado aos pastores nos colocava a todos no plano dos aproveitadores, picaretas, estelionatários, fanáticos, alienados, truculentos, intolerantes e oportunistas.
Entre 1990 e 1991 era difícil você se apresentar como pastor. A sensação que dava era a de que a categoria estava em pé de igualdade com bicheiros, traficantes e os piores políticos e policiais. E quanto mais próximo da classe média se andasse, mais forte era o clima de rejeição que se experimentava. Não havia apedrejamento, nem qualquer violência, como houve quando da chegada protestante ao Brasil. Entretanto, levei muita pedrada de olhares e sofri muito enforcamento psicológico em lugares sofisticados.




Nunca botei a culpa daquilo no diabo ou em qualquer tipo de conspiração católica contra nós. Desde cedo percebi que nosso problema tinha a ver, sobretudo, com as coisas erradas que alguns ditos evangélicos faziam e que se tornavam a referência a partir da qual todo o grupo era julgado.
E a única forma possível de enfrentar a situação exigia uma ação com duas faces: alguém ou alguns teriam de correr o risco de denunciar aquele modelo pseudo-evangélico e, ao mesmo tempo, perder a discrição e deixar a sociedade ver as coisas boas que os evangélicos faziam. Mas como eu na prática não sabia o modo de iniciar aquela guerrilha de redenção da nossa imagem, resolvi apenas orar e pedir que Deus levantasse alguém para fazer aquilo.

O problema é que o nosso telhado era de vidro. “Como é que a gente vai falar de ética, se todo mundo pensa que nossa postura ética é aquela representada pela imagem pública do Edir Macedo?”, perguntei a mim mesmo inúmeras vezes.

O problema é que Macedo não queria nem ver evangélico. Tendo saído da Igreja de Nova Vida — denominação criada pelo missionário canadense Roberto MacLister —, Edir tinha criado a Igreja Universal do Reino de Deus — IURD, que era uma espécie de síntese entre várias químicas religiosas. Havia de tudo um pouco: um grito de guerra (Jesus Cristo é o Senhor!) e um fervor na ação (Vamos ganhar o mundo para Jesus!), que eram genuinamente evangélicos; combinados a uma teologia católico-medieval (Deus não faz nada de graça, sem sacrifício, e o dinheiro é a moeda de troca entre o homem e as bênçãos divinas) e a uma simbologia afro-ameríndia, com farta utilização de elementos mágicos das religiões populares, tais como sal grosso, ramo de arruda, óleo sagrado, caminhos físicos pavimentados com sal, que abençoam aqueles que por eles caminham, e o oferecimento de dezenas de outros objetos feitos santos, que iam desde o estilingue de Davi até uma lavagem das mãos com o sangue de Cristo numa bacia.

Todas essas coisas eram consideradas por eles como pontos de contato entre a pregação da Universal e a necessidade mística dos brasileiros. Do ponto de vista meramente marketeiro, era fantástico, mas visto sob o ponto de vista dos conteúdos da fé evangélica, era um escândalo de promiscuidade doutrinária.

A entrevista:

Caio Fábio - Eu não quero pensar que sei quem você pelo que a mídia diz. Eu quero conhecer você — disse. — Dá pra você me dizer como você chegou a se converter e se tornar evangélico?
Edir Macedo — Eu não sei se eu quero ser visto como evangélico. Eu prefiro ser visto como outra coisa. Fiquei muitos anos com os evangélicos e só perdi tempo — ele iniciou num tom rabugento, amargurado, quase agressivo.

Caio Fábio: - Mas me fale de sua conversão? — insisti.

Edir Macedo: — Eu vim da bruxaria e me converti na Igreja de Nova Vida. Fiquei muito tempo lá. Depois, a Nova Vida perdeu a visão. Virou quase uma Igreja Católica, fria, sem briga, sem vontade de crescer. Então procurei os líderes de lá e falei que estava saindo. “Vocês ainda vão ouvir falar de mim”, foi o que eu disse pra eles. Aí comecei o meu trabalho e cresci. Não sou uma igreja. Sou uma cruzada, um movimento de guerra contra o diabo. Mas não me dou bem com os evangélicos.
Só me perseguem. Não me entendem — desabafou.

Caio Fábio: Depois dele, foi minha vez. Contei como me tornara um cristão e quais eram os meus compromissos de vida.
— Mas por que você faz coisas tão estranhas? E por que tanto misticismo e tanta ênfase em coisas controvertidas? — perguntei a Macedo.

Edir Macedo: — Olha, cada um pesca com o que tem e como sabe. Você pesca com camarão. Fala bem, é preparado e ganha gente preparada. Outro pesca com pão. Outro com minhoca. E tem peixe que só gosta de minhoca. E tem outros que pescam como eu, com fezes. Tem gente que só gosta do que eu ofereço. O povo que eu quero não vai te ouvir. É gente que ninguém quer. Eu quero. É o pessoal que eu consigo pescar do meu jeito, com as coisas que eu ofereço — ele falou quase como se estivesse filosofando sobre algo absolutamente novo.

Caio Fábio: — Mas você não acha que dizendo que cada um dá o que tem e o que as pessoas querem, você está dizendo que o evangelho não tem conteúdo? E que a gente pode adulterar a mensagem como quiser pra atender aos gostos deste mundo? É isso que você tá dizendo? — indaguei sem querer ser rude, mas achando crucial a resposta dele. Afinal, era a primeira vez que eu ouvia um líder religioso ocidental confessar com sinceridade e honestidade que os fins justificavam os meios. Muitos agiam segundo a mesma filosofia, mas maquiavam muito bem suas ações.
Macedo, entretanto, era honesto em suas convicções e não tentava me iludir a respeito.

Edir Macedo: — Eu não tenho paciência pra filosofia. Aqui a gente não tá querendo pensar muito nessas coisas. A Nova Vida parou porque ficou com essas perguntas todas. O negócio é ganhar gente. Também não gosto desse negócio de Escola Bíblica Dominical e nem de seminário. Teologia tira a garra do obreiro. Eu não tenho essas coisas na Universal”.

Fonte: Caio Fábio, Confissões do Pastor, 1996, Editora Record, págs 199-202.