sábado, 14 de fevereiro de 2015

Os dons do Espírito Santo são para hoje? Uma resposta aos cessionistas

Nos últimos 100 anos houve no Brasil e no mundo inteiro uma efervescência especial em função da redescoberta dos dons do Espírito Santo. Textos como o de I Coríntios 12, empoeirados, tamanho era o desuso, e assuntos teológicos relacionados ao Espírito Santo e a milagres até então considerados obsoletos e esclerosados ─ verdadeiros apêndices da teologia, portanto desnecessários aos olhos dos teólogos ─ ganharam vida e poder de provocar a fé de milhões de pessoas na Igreja de Cristo em todo o mundo. Assim, teve início um dos mais importantes movimentos na história da fé cristã. Isso aconteceu quando as pessoas começaram a indagar: “Por quê? Por que estas coisas estão registradas nas Escrituras? Por que não se dá ênfase a elas? Por que não são usadas na prática evangelizadora da Igreja? Por que não são ensinadas? Por que não são ministradas ao povo de Deus?” E quando tudo isto começou a acontecer, surgiu o que hoje conhecemos no mundo inteiro como o Movimento Pentecostal, que no Brasil chegou no início do século XX, começando um trabalho que já perfaz milhões de membros, sendo sem dúvida a maior representação evangélica do país.

Meu primeiro ponto é o seguinte: há, em nossos dias, os que afirmam que toda essa movimentação acerca do Espírito Santo é falsa. Eles apresentam três tipos de argumentação para provar que ela não faz sentido. Dizem, por exemplo, que os dons espirituais não são contemporâneos; que esses fenômenos carismáticos cessaram no fim da era apostólica e nada de legítimo há neles.

ARGUMENTOS CONTESTADORES À MOVIMENTAÇÃO ACERCA DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO

Primeiro Argumento: Chamo a isto de “tensão entre os meios de graça e os dons espirituais”. É o que alguns irmãos de teologia reformada colocam como primeiro obstáculo para que se admita a vigência dos dons carismáticos. Eles dizem: “Nós temos a Palavra, meio de graça por excelência, também a oração e os sacramentos, como a Ceia do Senhor, meios de graça esses que devem edificar todo o povo de Deus.
Como podemos então admitir que alguns possuam um dom especial, como o de línguas? Que diz o Novo Testamento? Que ele edifica aquele que o usa. Portanto, se outros não o possuem, isto significa que essas pessoas têm uma espécie de adicional de edificação que outros não têm. Cria-se dessa maneira uma incongruência, uma espécie de privilégio, de prerrogativa entre o povo de Deus”.

Mas que resposta se pode dar a essa colocação? A resposta é a seguinte: tal tensão nunca existiu na mente de Paulo, pois ele afirmou a Palavra como meio de graça por excelência no tempo em que os dons espirituais vigoravam. Em II Timóteo 3:16, O apóstolo diz que: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado pra toda boa obra”. Acontece que no tempo em que Paulo disse isso os dons espirituais existiam; esta era uma declaração contemporânea à manifestação do dom de línguas. Paulo afirma a Palavra como meio de graça, apta para aperfeiçoar e edificar a nossa vida, mas simplesmente não crê que as coisas sejam auto-excludentes. Posto que o dom, como o de línguas, é uma espécie de ajuda para quem está precisando de edificação adicional, e não para aquele que a tem de sobra. Pois não é para sobrar. O Espírito concede a cada um como lhe apraz, justamente porque alguns carecem desse adicional, andam tropeçando, necessitando de reforço em sua vida íntima e espiritual.

 Com isso não estou dizendo que a Palavra é insuficiente para edificar, mas que ela não é um livro, é a Verdade. Verdade essa que tem um conteúdo. Conteúdo esse que inclui a realidade dos dons espirituais. Assim, os dons só seriam competidores da Palavra se ela não os mencionasse. Mas é justamente o contrário que acontece é que a Palavra que os menciona. Daí serem eles parte da ministração da Palavra como meio de graça. Quando ela menciona algo de Deus para a nossa vida, tal coisa passa a ser a própria Palavra em ação.

Segundo Argumento: O texto de I Coríntios 13:8-10 diz que “quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado”. Com base nisto, aqueles não aceitam a contemporaneidade dos dons espirituais argumentam: “Ora, o que é perfeito e que estava sendo aguardado já veio. “Trata-se do cânon sagrado, da arrumação da Bíblia na ordem definitiva em que ela se encontra hoje; portanto os dons cessaram”.
Este segundo argumento contra a contemporaneidade dos dons espirituais gira em torno de interpretações de I Coríntios 13:8-10 e a presumível cessação dos dons. Que resposta se deve dar a esse problema?

Antes de mais nada, em momento nenhum, em I Coríntios 13:8-10, ou sequer no N.T., menciona-se que e a formação do cânon sagrado faria cesar os dons do Espírito. Acontece que nesse texto, não se diz qualquer coisa relacionada à formação do cânon sagrado, ou algo semelhante. Tampouco o N.T., apóia essa teologia. Sabemos que o que é perfeito ─ referência feita em I Coríntios 13 ─ não é apenas a Palavra, conquanto seja ela também perfeita. Além dela há muitas outras coisas perfeitas no mundo de Deus. A Palavra é perfeita, exata, fiel, mas o texto de I Coríntios parece deixar claro que se trata de uma perfeita-era, um perfeito-estado, não exclusivamente de uma coisa perfeita.

Cumpre-nos perguntar: quando Paulo fala do que é perfeito teria ele qualquer possibilidade de pensar em algo como um cânon sagrado? Será então que ao declarar que quando viesse o que é perfeito (supondo que fosse a formação do cânon sagrado), dons e tudo que é em parte seriam aniquilados? Estaria ele pensando realmente no cânon sagrado?

Na mente de Paulo ─ sem a menor sombra de dúvida ─ o que era perfeito, o que viria, era a parousia, ou seja, a segunda vinda de Cristo. Ele se referia à consumação geral de todas as coisas. A prova de que em I Coríntios 13:8-10 o que é perfeito não é o cânon sagrado, e sim a vinda do Senhor, está no próprio texto. Ele fala por si mesmo através de algumas das metáforas que usa. E quais são elas? A primeira metáfora é a que se refere ao desenvolvimento do ser humano. Diz o texto: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino (...)”. (v.11) Em II Coríntios 3:18 Paulo se refere mais uma vez ao crescimento humano em Cristo: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. E assim se ensina que o homem-em-Cristo vai se desenvolvendo, atingindo estatura, sendo transformado, ganhando varonilidade e absorvendo a imagem adulta da própria divindade. Em ambos os textos (I Co. 13:8 e II Co. 3:18), o mesmo ponto de perfeição é apontado: a realização humana final em Cristo, na sua volta.

A segunda metáfora que Paulo usa é a contemplação no espelho. Ele diz que hoje nós estamos contemplando o Senhor como por espelho, opaca e obscuramente, mas um dia iremos vê-lo plenamente. Outra vez o texto de II Coríntios 3:18 será para nós muito esclarecedor. Nele Paulo usa de novo essa mesma metáfora, e diz o que tal figura significa. Estamos vendo hoje indiretamente a face do Senhor, através da Palavra e da reflexão da fé, como por espelho; mas estamos indo de glória em glória, sendo diariamente mudados pela ação do Espírito, que faz nosso caráter se conformar ao de Cristo. Tal processo durará até aquele dia, quando o Senhor voltar. Teremos então a nossa substância-essencial glorificada; seremos semelhantes à sua imagem. Essa será à glorificação da nossa própria vida no Senhor, quando absorvermos a totalidade da natureza essencial de Deus.

Portanto, o que é perfeito em I Coríntios 13 não é o cânon sagrado ─ ainda que a Palavra seja perfeita e impoluta. Aquilo a que Paulo se refere é a paraousia, a consumação geral, a glorificação dos cristãos, quando então seremos semelhantes ao Senhor ─ perfeitos,em comunhão íntima, vendo-o face a face, quando poderemos abrir mão da fé, porque já não haverá necessidade de crer naquilo que não vemos; a esperança de nada servirá, pois teremos alcançado tudo quando hoje esperamos; e ficará tão somente o amor, porquanto tudo quanto se vive diante do Deus que é amor, é amor. Dessa forma Paulo está ali se referindo à consumação geral, no dia eterno em Cristo Jesus. Esse é o perfeito que aniquilará todas as coisas temporárias.

Se supusermos que a formação com o consequente encerramento do cânon sagrado, aniquilou os dons, então esse entendimento vai destruir a própria teologia, pois não apenas as línguas e profecias cessariam, mas também ciência passaria. Em I Coríntios 13:10, Paulo diz: “Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado”, Lembre que ele disse: “...havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará” O que estou querendo dizer é que esta hermenêutica e esta exegese ─ que diz que o que é perfeito é o cânon sagrado ─ reside no fato de que o cânon foi formado e as Escrituras estão aqui, completas, perfeitas. Em razão disso profecias desapareceram, dons passaram; mas nesse caso não só línguas e profecias teriam passado, mas a própria teologia, pois o texto é claro quando diz: “... havendo ciência passada”. A ciência aí referida não é, entretanto, a secular. Esta não passou, cresce a cada dia. A referência é à ciência do contexto antecedente, que é precisamente a espiritual, referida antes (I Co. 12:9), e de cuja sabedoria a teologia depende fundamentalmente. Então a própria teologia acabaria quando da formação do cânon sagrado. Por isso é que eu digo que se trata de uma tremenda contradição, essa de, em nome da teologia reformada e do cânon sagrado, acabar-se com os dons espirituais como línguas e profecia, e não fazer tal interpretação cair também sobre o dom de ciência. Assim, em nome da teologia, acabar-se-ia com a teologia. 

Se os que não crêem na contemporaneidade dos dons espirituais pelos menos fizessem uma exegese imparcial, sem pretender apenas forçar e arbitrar em cima da cessação de alguma coisa, sem perceber as implicações amplas do texto, então eu me sentiria satisfeito. Mas como tal raciocínio acabaria com a própria teologia, como acabaria a ciência do pensar teológico, eles optam então por fazer sua exegese terminar com as línguas e profecias, nas não com a ciência teológica. Além do que, mesmo que tais teólogos fossem suficientemente honestos para levar os resultados de sua teologia às últimas conseqüências, isso também se chocaria com Daniel 12:4, que nos diz o contrário ─ que nos últimos tempos a ciência teológica estaria em pleno desenvolvimento, ou seja, no tempo do fim, o Livro Santo teria esquadrinhado e o saber sobre ele se multiplicaria imensamente.

Terceiro Argumento: Neste ponto o discurso é o seguinte: “A História da Igreja não registra, entre  400 e 1700, relatos de legítimas manifestações de dons espirituais. Se tais dons fossem de fato bíblicos e para hoje a Igreja não nos teria desprezado”.

Admitindo que não possamos acreditar no que dizem alguns biógrafos sobre a prática dos dons espirituais na vida de Lutero e outros importantes homens de Deus do passado, ainda assim esse argumento não prova nada além do seguinte: que a vida espiritual da Igreja praticamente morreu nesse período; que nesse tempo havia total ignorância das Escrituras e que, em vista disso, a ênfase dos reformadores se dirigia às questões soteriológicas, ou seja, às questões relacionadas à doutrina da salvação, pois era nesse campo da teologia que residiam as polêmicas daqueles dias.

Argumentar que na história da Igreja não houve manifestação dos dons, e que isso prova que eles cessaram não evidencia nada, pois entre os anos 400 e 1500 também não houve nenhuma ênfase na doutrina da justificação, pela fé, o que não significa que Deus parou de salvar. Além do que, usar a história como meio de provar que os dons cessaram não faz sentido com o melhor da nossa hermenêutica reformada, que nos ensina que não é a História que julga a Palavra, mas a Palavra que julga a História.


O QUE ACONTECEU AOS DONS ESPIRITUAIS ENTRE OS ANOS 400 E 1700

Faço, no entanto, uma pergunta: O que aconteceu aos dons espirituais entre os anos 400 e 1700? Sugiro quatro respostas a esta questão.
Primeira Resposta: A ignorância espiritual e bíblica que o Catolicismo Romano infundiu no povo impediu o florescimento dos dons durante esse tempo. Do ano 400 até a Reforma, e pouco além, como os reformadores tinham preocupações de caráter mais soteriológico do que carismático e escatológico ─ assuntos em que raramente tocam em seus escritos ─, não houve quase nenhuma reflexão teológica a respeito dos dons. O fato é que a Igreja Católica se encarregou de infundir uma ignorância espiritual absoluta na mente das pessoas.
Segunda Resposta: Os pré-reformadores ─ levantados por Deus antes da Reforma ─ ergueram sua voz falando em nome de Deus, sem quase mencionar o assunto dos dons. A verdade é que eles tinham outros temas a tratar ─ mais importantes e perigosos para o Evangelho ─, e que os preocupavam muito mais, como: o poder do papado, a salvação pelas obras, a bruxaria na Igreja, e inclusive a venda de indulgências.

Terceira Resposta: A mesma preocupação soteriológica dos pré-reformadores também envolveu a mente dos reformadores. Dizer que os dons não são vigentes porque estes não falaram neles deveria levar-nos pelo menos às seguintes decisões extremadas:
1 - Jogar fora o livro de Tiago, porque Lutero não o entendia, e era de opinião que não devia fazer parte do cânon sagrado.

2 - Jogar fora também o livro do Apocalipse, porque Calvino o julgava complicado demais, e afirmava não o compreender muito bem. Para Lutero, havia uma divergência quase inconciliável entre a teologia de Paulo e a de Tiago. Para Calvino ─ como já disse ─ o Apocalipse era inextrincável. Nem por isso desprezamos Tiago, ou queimamos o Apocalipse.
3 - Os dons se manifestaram em algumas ocasiões, e de maneira descontrolada, o que levou os líderes a temê-los pelo que aconteceu: falta de educação no seu uso. Do ano 400 para cá verificaram-se manifestações, mas tão loucas, que as lideranças ficaram simplesmente apavoradas. Além disso, do terceiro para o quarto século houve os problemas com os montanistas, grupo carismático fanático que se levantou e influenciou tremendamente alguns segmentos da igreja, os quais viviam profetizando sobre a vinda do Senhor. Eles criaram um alvoroço tão grande na Igreja, que as lideranças ficaram apavoradas com tudo que dizia respeito a manifestações carismáticas. 


Continua na próxima postagem... 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Augustus Nicodemus fala sobre cessacionismo e continuísmo - os dons espirituais cessaram ou não?

Recentemente acompanhei as postagens do Gutierres Siqueira (blog Teologia Pentecostal), fazendo uma replíca muito bem elaborada ao vídeo do Yago Martins (blog Voltemos ao Evangelho), com relação às línguas estranhas, onde o Yago tentava explicar que as mesmas à luz de pesquisas feitas por alguns pesquisadores na área da linguística a cerca de 40 anos atrás. Yago, que é membro da Igreja Batista, depois de uma passagem pela igreja Assembléia de Deus, hoje é um defensor da teologia reformada, chega inclusive a afirmar nos vídeos que já falou em línguas, mas hoje olha para a experiência como algo do tipo, "tempo da imaturidade", "erro". Yago e Felipe Cruz, além do blog, possuem um canal de vídeo no youtube com o nome "Dois dedos de teologia", que alías é muito visitado por pessoas de todas as idades, chamando a atenção a quantidade de jovens que comenta no mesmo. Eu admiro o trabalho que os jovens Gutierres, Yago, Felipe desenvolvem na internet, e fico feliz que eles representam uma geração jovem pensante em termos de teologia que está surgindo no nosso país, e isso é extremamente positivo, independente se a linha teológica é reformada ou pentecostal. 

Por outro lado, me preocupo como alguns aspectos da doutrina do Espírito Santo, notadamente o que diz respeito aos dons espirituais, vem sendo criticados e muitas vezes da parte dos pentecostais ficamos devendo respostas a tais questionamentos. O ensino do cessacionismo parece que vem ganhando alguns terrenos, justamente porque falta respostas, o que não foi o caso do Gutierres que fez postagens maravilhosas.

Yago Cruz tem alguns mentores, aos quais tem grande admiração, sendo um deles o Rev. Augustus Nicodemus da igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), ex-chanceler da Universidade do Mackenzie (SP). Particularmente, o considero um dos grandes pensadores evangélicos do Brasil, também admiro seu trabalho escrito ou audio-visual, mas pensamos diferente no que concerne a atualidade dos dons espirituais. Vou postar na íntegra abaixo sua entrevista sobre o assunto, onde ele diz que não é cessacionista, mas depois afirma que alguns dons cessaram junto com a era apostólica. Depois para não ficar uma postagem enorme, vou publicar dois post em seguida, com a minha opinião que é discordante da apresentada pelo Rev. Nicodemus. Faço isso intuito não de polemizar, mas sim contribuir ao tentar apresentar o outro lada da questão. Abaixo, a entrevista do Rev. Nicodemus e na próxima postagem minha resposta a mesma: 

Pastor Augustus, os dons espirituais cessaram?
Primeiro é necessário definir a que dons nos referimos. Acredito que o Espírito continua até hoje a conceder à Igreja a maioria dos dons mencionados na Bíblia. Mas, tenho a impressão que outros dons foram concedidos somente por um tempo a determinadas pessoas, para atender aos propósitos de Deus para aquela época. Estes não estariam mais disponíveis hoje. Por isto, é necessário, antes de qualquer coisa, esclarecer a que dons estamos nos referindo quando dizemos que os dons cessaram ou que continuam.

Outra coisa a ser levada em consideração é que, de acordo com a história bíblica, Deus não agiu sempre da mesma maneira em todas as épocas. Há muitas ações miraculosas e sobrenaturais que ocorreram somente uma vez ou durante um tempo específico e não foram repetidas. Portanto, por princípio, devemos admitir que Deus é soberano para agir de diferentes maneiras através da história, e que dentro desta ação, ele concede diferentes dons a diferentes pessoas em diferentes épocas. Assim, não podemos nem restringir a ocorrência de determinados dons somente a um período da história e nem requerer que todos os dons terão necessariamente de ocorrer em todos estes períodos.

Então, você não se definiria como um cessacionista?
Se por cessacionista você quer dizer uma pessoa que não acredita que o Espírito Santo conceda dons espirituais à sua Igreja nos dias de hoje, é claro que não sou cessacionista. Se, por outro lado, um continuísta seria alguém que acredita que todos os dons espirituais mencionados na Bíblia estão disponíveis hoje à Igreja, bastando ter fé para recebê-los, é claro que também não sou um continuísta. Creio num caminho intermediário para o qual ainda não achei um nome. Não posso ser chamado de cessacionista e nem de continuísta, pois creio que alguns dons continuam como eram no Novo Testamento, outros cessaram e outros continuam apenas em parte.

Bem, a discussão moderna gira mais em torno dos dons chamados sobrenaturais, como curas, línguas, profecias... se Deus é o mesmo hoje, ontem e eternamente, estes dons não estariam disponíveis hoje, como estavam na época dos apóstolos?
Poderíamos perfeitamente aplicar a estes dons e outros o princípio acima, de que Deus age de maneiras diferentes em épocas diferentes. Não podemos confundir a imutabilidade de Deus - que significa que ele não muda em seu ser e seus atributos - com a “mesmice” de Deus, que significa que ele sempre age da mesma forma. Teoricamente, ele poderia ter concedido os dons relacionados com curas, línguas e profecias a algumas pessoas durante o período apostólico e uma vez cessado aquele período, suspendido a atuação dos mesmos. Não vejo em que admitir isto afeta a imutabilidade de Deus ou diminui o seu poder e sua glória. Querer que Deus sempre atue da mesma maneira, isto sim, engessa Deus num padrão rígido e não admite que Ele tenha maneiras diferentes de agir em épocas diferentes para atingir seus propósitos.

Mas o que havia de tão especial no período apostólico para Deus conceder estes dons sobrenaturais?
Foi o período de transição entre a antiga e a nova alianças. Teve a ver com a vinda de Jesus Cristo ao mundo e o cumprimento de todas as promessas que Deus havia feito a seu povo pelos profetas de Israel. Foi a inauguração dos últimos dias, do fim dos séculos, da última hora e do fim dos tempos. Foi a época em que o Espirito prometido foi derramado. Deus levantou os Doze e Paulo para através deles explicar e registrar estes fatos no Novo Testamento. Era necessário, portanto, que o período mais importante da história da redenção fosse marcado por sinais, prodígios e maravilhas feitos por pessoas extraordinárias como os apóstolos e seus associados. Era preciso deixar claro que era Deus quem estava por detrás daqueles acontecimentos e da mudança da aliança. Uma parte dos dons mencionados no Novo Testamento está relacionada diretamente com este período e com os apóstolos, como o dom de curar e fazer milagres e a profecia como veículo de novas revelações. O dom de línguas, aparentemente, estava também associado àquela época, como sinal externo da chegada do Espírito Santo aos diferentes grupos que compunham a Igreja em seu início (judeus, samaritanos, gentios e discípulos de João Batista). Mas, parece que ele servia a outros propósitos além deste mencionado. 

A questão é que estes dons aparecem em algumas das listas de dons espirituais do Novo Testamento como ferramentas do Espírito dadas a todos os crentes para edificar a igreja de Cristo. E agora?
Não vejo dificuldades. Estas listas aparecem em Efésios 4, Romanos 12, 1Coríntios 12 (2 listas) e 1Pedro 4. O que precisamos é definir com mais precisão o que significam cada um destes dons. O que significa, por exemplo, o dom de profetizar, que aparece nestas listas? Os crentes que tinham o dom de profetizar nas igrejas cristãs eram profetas iguais a Isaías e Jeremias, que foram capazes de predizer o futuro de Israel e das nações com incrível precisão? Ou será que os profetas cristãos se limitavam a edificar, exortar, consolar e instruir as igrejas, como Paulo diz em 1Coríntios 11:3 e 31? E o que significa o dom de curar e de realizar milagres? Por que só encontramos este dom associado ao ministério dos apóstolos? E por falar nisto, o que significa “apóstolo” na lista de Efésios 4? O termo pode significar tão somente enviados, missionários, sem qualquer relação com os Doze e Paulo. Infelizmente as pessoas não levam em conta que existem determinados aspectos da função do profeta, do ofício do apóstolo e mesmo do dom de línguas, os quais parecem estar relacionados somente àquela época. Se levarmos em conta estas coisas, podemos até dizer que todos os dons continuam hoje, mas que alguns aspectos ou atributos deles cessaram após o período dos apóstolos.

E qual seria então o critério para dizermos quais os dons que permanecem para os dias de hoje e quais os que cessaram?
Acredito que a regra de ouro é esta: todos os dons que foram veículos de novas revelações ou que estavam ligados diretamente aos instrumentos das revelações, que foram os apóstolos, cessaram com a morte deles. Ilustrando, o dom de profecia continua hoje, conforme entendo, mas somente enquanto exortação, consolo, confrontação pela Palavra. Já o aspecto revelatório da profecia que vemos, por exemplo, em João ao escrever Apocalipse, ou em Paulo e Pedro ao prever como será o futuro, a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, etc., isso certamente não faz parte da profecia hoje. Já cessou.

Da mesma forma o dom do apostolado. Se entendermos apóstolo como missionário, enviado das igrejas para pregar o Evangelho aos povos (é este o sentido básico do termo em grego), não vejo problemas em dizer que ainda hoje temos apóstolos entre nós, que são os missionários que vão desbravar campos ainda não atingidos pelo Evangelho. Mas, certamente não existem mais apóstolos no sentido dos Doze e Paulo, que viram o Senhor Jesus ressurreto, foram chamados diretamente por Ele pessoalmente ou numa aparição após a ressurreição, e que receberam não somente poderes extraordinários de curar e realizar milagres, como foram também veículos da revelação divina, tendo profetizado acerca do futuro de Deus para seu povo e o mundo. E mais, seus escritos às igrejas foram inspirados pelo Espírito Santo, de forma que são infalíveis e inerrantes, sendo a própria Palavra de Deus. Obviamente, nenhum dos que se intitulam de apóstolo hoje tem estas credenciais. Portanto, não podem ser considerados apóstolos como Pedro, Tiago, João e Paulo. Este é um dos dons que permanece hoje somente em parte.

Por este critério o dom de línguas teria cessado também?
Não necessariamente, pois, até onde eu entendo, ele não era revelacional, isto é, não era veículo de novas revelações, como a profecia. Acredito que o relato de Atos e de 1Coríntios 14 nos dão informações suficientes de que o conteúdo das línguas era o louvor a Deus (Atos 2:11; 10:46). O dom consistia na capacidade de louvar e exaltar as grandezas de Deus num idioma que a pessoa desconhecia, e que tinha de se traduzido para a edificação da igreja. Portanto, teoricamente, este dom não precisaria ter cessado pois não era revelacional. Todavia, temos indícios significativos da história da igreja de que ele cessou após o período apostólico. Na eventualidade de uma ocorrência genuína deste dom hoje, esperaríamos que fosse de acordo com as regras bíblicas de 1Coríntios 14: dois ou três falando, em sequência, e com interpretação. Como normalmente não é este o caso nas igrejas que dizem ter este dom, continuo tendo dúvidas de que o que está acontecendo nelas é a manifestação do genuíno dom de línguas. Mas, em tese, estou aberto para a ocorrência do dom genuíno.

Mas, então, isto quer dizer que os crentes que falam em línguas são mentirosos ou estão sendo influenciados pelo diabo?
Claro que não. Seria uma temeridade afirmar este tipo de coisa. Prefiro pensar que em boa parte das ocorrências são irmãos em Cristo sinceros que pensam estar de fato falando em línguas por terem sido ensinados desta forma dentro de determinados ambientes. Eles foram ensinados que falar em línguas é balbuciar palavras sem sentido num êxtase emocional. Há alguns que inclusive foram ensinados por seus pastores a como fazer isto, tipo “relaxe a língua, forme uma palavra desconhecida em sua mente e repita até que saia espontaneamente da sua boca...”

Não consigo perceber qual é o mal em se falar em línguas hoje nas igrejas. Qual o problema?
Se as línguas faladas não forem de Deus, a imitação delas deve trazer algum prejuízo ou perigo de natureza espiritual. Não posso afirmar ao certo, mas imagino que pode produzir arrogância, falsa espiritualidade, e abrir a porta para a atuação de demônios ou da natureza pecaminosa do homem. Na verdade, estes perigos estão presentes em qualquer manifestação que seja meramente humana, e não somente línguas.

Alguns diriam que você nunca falou em línguas porque nunca foi realmente batizado com o Espírito Santo...
Hehe, eu sei, já me disseram isto na cara, num congresso de irmãos pentecostais onde estive como visitante. Bom, a minha resposta é que acordo com Paulo todos os crentes verdadeiros já foram batizados com o Espírito Santo (1Cor 12:13) mas nem todos falam em línguas (1Cor 12:30). Se não for assim, terei de dizer que os reformadores e os grandes missionários da história da igreja nunca foram batizados com o Espírito Santo, pois nunca falaram em línguas. Todavia, se formos fazer uma comparação, eles fizeram mais pelo Reino de Deus do que estes que hoje insistem em dizer que as línguas são o sinal inequívoco do batismo com o Espírito Santo...

Mudando de assunto... Deus cura hoje?
Sem dúvida alguma. Eu mesmo já fui curado por Deus. Todavia é preciso fazer a diferença entre o dom de curar e as curas que Deus faz em resposta à oração. Aqueles que tinham o dom de curar - e parece que estava restrito aos apóstolos e seus associados - nunca falhavam. Cada vez que determinavam a cura, ela acontecia. Não há caso registrado de alguém com dom de curar, como Paulo e Pedro, terem comandado a cura que ela não tenha acontecido. E estamos falando da cura de cegos, coxos, aleijados, surdos e mudos, muitos dos quais nem tinham fé. E mesmo da ressurreição de mortos. Obviamente não apareceu depois dos apóstolos ninguém na história da Igreja, até os dias de hoje, com este mesmo poder. E estou falando de homens como Agostinho, Lutero, Calvino, Wesley, Whitefield, Hudson Taylor, Spurgeon, Moody e outros homens de Deus, que não podem ser acusados de não terem fé ou de serem carnais.

Isso não quer dizer que Deus deixou de curar depois dos apóstolos. Ele cura sim, ao responder as orações por cura quando quiser. E nem sempre ele responde positivamente. Se fosse feita uma pesquisa, aposto que ela revelaria que existe proporcionalmente o mesmo número de doentes entre aqueles que dizem acreditar que o dom de curar existe hoje e aqueles que acham que já cessou. Isto é, vamos encontrar nos leitos dos hospitais proporcionalmente o mesmo número de membros doentes de igrejas que dizem ter o dom de curar e daquelas que não pensam assim.

Jesus disse certa feita que quem cresse nele faria os mesmos sinais que ele fez. Esta promessa é verdadeira ou não?
O que Jesus disse foi que eles fariam as mesmas obras. Ele não disse que fariam os mesmos sinais (ver João 14:12). Embora o termo “obras” possa se referir aos milagres dele, é mais provável que Cristo se referia à obra de evangelização e conquista de almas, que foi efetivamente a única obra que os apóstolos fizeram que era maior do que as realizadas por ele. Sobre isto, escrevi um post aqui no blog O Tempora, O Mores, dando as razões exegéticas para esta interpretação. A verdade é que nunca ninguém conseguiu superar os milagres de Jesus ao longo de dois mil anos de história do Cristianismo.

E quanto a sonhos e visões?
De acordo com o autor da carta aos Hebreus, Deus de fato se revelou de maneira extraordinária antes de Cristo, falando através dos profetas por meio de visões e sonhos, conforme encontramos no Antigo Testamento. Com a vinda do Senhor Jesus, que é a Palavra encarnada e portanto a última e maior revelação de Deus, estes modos de revelação cessaram, à medida que os apóstolos e escritores no Novo Testamento registraram de maneira infalível e definitiva esta última revelação.

Não digo que Deus não possa hoje se manifestar de maneira extraordinária a um crente. Mas, então, seria o caso de uma experiência pessoal, que não pode ter validade e utilidade pública e nem ser usada como meio para se impor alguma prática ou doutrina aos demais. A maneira geral, normal e esperada de Deus se comunicar conosco hoje é pelo Espirito falando pelas Escrituras e pela sua Providência, que é a maneira sábia pela qual Deus controla e governa os acontecimentos.

Vamos voltar ao dom de profecia. Afinal, ele existe hoje ou não?
Depende do que estamos falando. Os profetas do Antigo Testamento, como Isaías e Ezequiel por exemplo, receberam de Deus revelações quanto ao futuro de Israel, nas nações daquela época e da humanidade em geral. Estas revelações foram registradas em livros com o nome destes profetas e fazem parte da Bíblia. Além da profecia preditiva, os profetas exortavam o povo de Deus a que se arrependessem de seus pecados e voltassem à obediência da aliança. Na verdade, os livros deles trazem proporcionalmente muito mais exortações e advertências do que predições do futuro.

Os sucessores dos profetas do Antigo Testamento foram os apóstolos do Novo Testamento. Paulo, Pedro, João e os demais apóstolos também receberam revelações de Deus quanto ao futuro, a saber, a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, o novo céu e a nova terra.

Os profetas das igrejas locais no período apostólico não eram iguais aos profetas do Antigo Testamento como Isaías, Jeremias, Oséias, Joel, Amós, etc. Entendo que o dom de profecia que aparece nas listas de dons do Novo Testamento se refere à capacidade dada por Deus a determinadas pessoas para trazerem uma palavra de Deus à igreja, baseada nas Escrituras, em momentos de crise e necessidade. O profeta exortava, edificava e instruía os crentes reunidos. Não vejo qualquer base para dizermos que o dom de profetizar no Novo Testamento é o poder para revelar o que está acontecendo na vida íntima dos outros ou anunciar o futuro da vida das pessoas. Se fosse feito um registro da quantidade de profecias deste tipo que se mostraram falsas, não cumpridas ou que são tão gerais que cabe tudo nelas, já teríamos concluído de vez que o dom de profetizar não é isto.

Mas, e o caso do profeta Ágabo no livro de Atos que profetizou por duas vezes acontecimentos futuros?
Ágabo profetizou por duas vezes fatos que estavam relacionados com a vida e o ministério do apóstolo Paulo, durante o período em que as Escrituras estavam sendo feitas e no qual Paulo era o principal protagonista. Me parece claramente uma situação excepcional e bastante diferente do período atual da história da igreja.

Não acha que essa sua posição acaba por extinguir e apagar o Espírito e impedir a ação de Deus no meio de seu povo? Não é este o pecado imperdoável, a blasfêmia contra o Espírito Santo?
Acho que o maior pecado contra o Espírito é desobedecer as orientações que Ele nos deu na Bíblia para examinarmos todas as coisas. Ele orientou os escritores bíblicos a escreverem aos crentes dizendo que eles deveriam estar atentos contra manifestações espirituais que não procediam de Deus, contra a ação de falsos profetas e falsos irmãos e mesmo contra a ação de espíritos enganadores que são capazes de realizar sinais e prodígios (Apocalipse 16:14). O Espírito nos chama a discernir os espíritos, a exercitar o bom senso e usar a razão. Pecamos contra o Espírito ao aceitarmos as manifestações espirituais de maneira crédula, sem exame ou análise, renunciando às orientações bíblicas e à nossa razão. É pela omissão dos crentes que os falsos profetas entram nas igrejas e disseminam heresias perniciosas.

Qual o seu comentário final aos nossos ouvintes?
Não considero a questão da contemporaneidade dos dons como sendo uma daquelas que se acham no coração do cristianismo. Não estou negando a importância da discussão se todos os dons que aparecem na Bíblia estão disponíveis hoje ou não. A verdade é que cristãos verdadeiros que são cessacionistas ou continuístas têm o mesmo desejo, que é servir a Deus de todo coração e serem instrumentos de bênção para os outros. Por outro lado, se não tivermos uma compreensão clara de um assunto como este, poderemos não somente nos privar da verdade como também promover a mentira – em ambos os casos, mesmo que o prejuízo não seja fatal, certamente afetará a nossa vida e das pessoas ao nosso redor".

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com.br/2013/02/entrevista-sobre-cessacionismo-e.html


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O líder da próxima geração

"Dentro de todas as igrejas, negócios ou organizações sem fins lucrativos que precisam mudar, há um grupo de pessoas bem informadas, com uma consciência aguda das transformações que precisam acontecer. Elas voltam toda a noite para casa e atazanam seus cônjuges. Reúnem-se na sala do café e se queixam. Entretanto, dia após dia, vão trabalhar resignadas, acreditando que nada mudará. Estão convencidas de que a tentativa de se introduzir mudanças seria um custoso exercício de tempo, além de potencialmente arriscado. Então, permanecem caladas e ficam olhando para o relógio. Não lhes falta a percepção para descobrir o que precisa acontecer: tais pessoas simplesmente não têm coragem de fazer nada a respeito da situação.
 
O líder é alguém que tem coragem de dizer em público o que todos estão sussurrando em particular. Não é a percepção que distingue o líder da multidão. É a coragem para agir de acordo com o que ele enxerga, para falar em alto e bom som, enquanto todas as outras pessoas optam pelo silêncio. Os líderes da próxima geração são aqueles que preferem contestar as coisas que precisam de mudança - e pagar o preço por isso - a permanecer quietos e morrer por dentro".

Fonte: Andy Stanley, O Líder da Próxima Geração, pp. 50-51 Editora Vida.

No filme Coração Valente, há uma frase que William Wallace disse ao nobre Robert: “As pessoas não seguem títulos, elas seguem a coragem.”