quarta-feira, 22 de junho de 2022

A prisão dos pastores e a pergunta que fica: pastores políticos o que você acha?

Acompanha com tristeza a prisão dos pastores Milton Ribeiro, Gilmar Santos e outros no dia de hoje. Há 12 anos atrás postei uma postagem que na verdade é um texto que não é meu foi escrito em 2004. Leia: 

"Esse de eleições, tem bispo evangélico se tornando coordenador da campanha da Dilma, enquanto cantores gospel, pastores de igreja e evangelistas itinerantes se lançam como candidatos a deputado federal, estadual e senador.


O texto abaixo foi escrito em 08 de julho de 2004, portanto há 18 anos atrás, mas nem por isso, deixa de ser tão atual no momento em que vivemos. Nele há sérias denúncias de coisas que já estavam acontecendo nos bastidores da política eclesiástica brasileira. Uma pessoa faz uma pergunta e o Pr. Caio Fábio responde em seu site. Leia o texto:

Pergunta:
Estamos nos aproximando de mais um ano de eleições, e como é de se esperar, vários Pastores se candidatam a cargos políticos. Na Igreja onde congrego, estão lançando um Pastor como candidato para um cargo político. O que o senhor acha de Pastores ocuparem cargos Políticos?
O Pastor como sacerdote pode se submeter a concorrer cargos políticos? Porque na maioria dos casos ou em todos eles somente os Pastores podem se candidatar e não uma pessoa de confiança deles? (algum membro ou obreiro) Creio que precisamos de pessoas comprometidas com Deus para serem luz, sal no governo, mas somente Pastores? Porque somente eles? Que Deus continue abençoando o Senhor ricamente em nome de Jesus.

Resposta:
Meu amigo e irmão: Jesus Reina! O reino de Deus não é deste mundo e não está entre nós com visível aparência, visto que está em nós. Faz anos que tenho deixado a minha posição clara e pública a respeito do assunto.

Inicialmente gostaria de dizer que o pastor não é um sacerdote como a palavra era entendida no Velho Testamento—e que atualmente, por ignorância do povo, e má intenção de muitos pastores, está sendo ressuscitada, contra a Palavra e seu ensino—, mas apenas um sacerdote como qualquer outro irmão em Cristo.

O que passar disso é falácia, é o velho catolicismo seduzindo a consciência reformada para a adesão à velha ordem, é que no caso dos pastores é mais que conveniente, pois lhes dá poder autoritativo, e, portanto, manipulador, como a gente vê acontecendo em quase todos os lugares.

Em segundo lugar eu quero dizer que a "igreja" já perdeu há muito sequer a desculpa de que "nós precisamos da presença-sal e da presença-luz da igreja no cenário político". Dizer isso, hoje, só se for para produzir gargalhada. Esse era o discurso nas décadas de sessenta e setenta. De lá pra cá já vimos o que os evangélicos podem fazer na política, e o que temos visto é feio, é muito feio, é horrível mesmo.

Portanto, não dá nem mais para se ter o auto-engano de que a presença evangélica em qualquer coisa possa significar um salto de qualidade. A terceira coisa que quero dizer é que se o sal evangélico tivesse sabor, o melhor lugar para senti-lo seria na própria comunhão da igreja, onde, de fato, o gosto não é de sal, mas de absinto; e a luz não é nada além de luz negra. Ao contrário, na maioria dos casos, os evangélicos já provaram que são tão ou mais corrompidos que os demais, sem falar que em geral são uns malandros burros, oportunistas, despachantes de pequenos interesses, moralistas, e sem qualquer qualidade ética e de consciência.

No atual quadro político não nos faltam evangélicos em todas as instancias do poder, e a presença deles nada significou além de vergonha, despreparo, ufania, e incapacidade de se enxergarem e oferecerem um mínimo de lucidez a qualquer coisa.

Portanto, respondendo a sua pergunta, eu digo o seguinte: 

1. Nenhum pastor deve se candidatar como pastor, e muito menos em nome de Deus. Quem desejar pleitear um cargo desses, deve fazê-lo em nome de sua própria consciência como indivíduo, e nunca em nome da igreja e muito menos em nome de Deus. Fazer isto é ideologizar a Deus e a igreja, e o fim é sempre blasfemo e corrompido.

2. A maioria dos pastores que se candidatam acabam sendo apenas aqueles oportunistas que concluíram que a igreja é o melhor curral eleitoral que pode existir. São uns lobos explorando a ingenuidade do rebanho.

3. Se eu tiver que atribuir responsabilidade ao presente momento de corrupção da igreja, eu diria que 30% vem do envolvimento da igreja com a mais sórdida forma de fazer política—tem pastor mandando matar irmão para ficar com o cargo; e não são apenas dois casos; mas vários—, usando e abusando do nome de Deus de modo nauseante e asqueroso.

Além disso, eu atribuo mais uns 40% da presente caotização da fé às igrejas neo-pentecostais, e que são casas de comercio da fé, e verdadeiros covis de salteadores, exploradores, e lobos vestidos de pele de ovelha. O que eles querem é poder, e seu espírito é pior do que o do incrédulo.

E o que sobra de responsabilidade, tenha certeza, ponha na conta dos apóstolos da maldição hereditária, da confissão positiva, da neuro-lingüistica cristã, da teologia da prosperidade, na ênfase ao crescimento numérico à qualquer preço, e ao espírito de marketing e empresariado que entrou na igreja e lhe corrompeu a alma.

4. Para eu votar num crente, apenas se ele não se apresentar como crente, mas apenas como um cidadão, e isto vai depender das boas idéias e da capacidade dele (a) mostrar coerência como parte de sua decisão de ingressar na carreira política. Portanto, não sou contra cristãos na política, porém sou veementemente contrário à utilização da igreja para essa finalidade.

5. Hoje tudo não passa de um grande nojo. Se Jesus entrasse nessas igrejas o faria com azorrague e de lá expulsaria esses cambistas da corrupção".

O culto cristão na pós-modernidade: parte 1 - Introdução

 

A atmosfera já mudou: o crescimento das Redes Carismáticas Independentes

O culto cristão na pós-modernidade: parte 1 — Introdução

Lembro-me de quando entrei pela porta da igreja, e me deparei com as cores escuras do templo: tons de azul, roxo, e as paredes negras. Esperei que iluminassem o templo para que eu pudesse ler um pouco a Bíblia antes do culto, mas, para frustração de minhas expectativas, as luzes roxas tomaram o lugar da tradicional luz branca. Sendo assim, comecei a ler alguns textos para a escola dominical no celular, enquanto esperava a pessoa que me convidou aparecer na igreja para que pudéssemos estar lado a lado no culto: parecia ser um tradicional culto jovem de sábado.

Chegada minha companhia para o culto, comecei a encher-lhe de perguntas: estava perdido com tantas músicas que não conhecia, mas que pareciam iguais, uma ênfase constante nos sentidos (fome, sede, abraços, visões, sussurros…), músicas com refrãos repetidos ad aeternum, aquele contingente de meninas dançando com pedaços enormes de tecido, inúmeros flashes de luz roxa e as repetidas menções a termos como mudar atmosfera, destinoprofético, sobrenatural, autenticidade e afins, tudo isso feito por líderes jovens uniformizados na última moda do streetwear. A resposta que tive foi que aquilo era “uma libertação da religiosidade” que chamavam de adoração espontânea, e que alguns apelidaram, mais tarde, de chapação — componentes de um amplo movimento em favor da adoração profética. Foi assim que, há poucos anos, conheci a adoração profética, e depois de passar por mais alguns cultos por aí, percebi que a coisa passou a ser um padrão (se não nas igrejas, pelo menos nos cultos jovens).

Você provavelmente conhece alguma igreja assim. Talvez até frequente uma. Mas se o surgimento de novos segmentos não são novidade entre evangélicos, porque deveríamos nos preocupar com a adoração profética?

Por que falar disso agora?

Cosmovisão é uma palavra que definitivamente virou moda nos arraiais evangélicos. Uma frase que resumiria a tendência recente de usar o conceito é conhecida por muitos: você enxerga o mundo pelos óculos da sua cosmovisão. Embora haja bastante confusão em saber a autoria da frase (já foi atribuída a João Calvino, John Frame, 

, até Agostinho…) sua intenção é anunciar que não somos neutros, isto é, estamos sempre usando conceitos para entender o mundo ao nosso redor, sejamos conscientes disso ou não.

Ao conversar com amigos sobre o tema da adoração profética, percebi o quanto o assunto parecia, de certo modo, familiar. Afinal, existe bastante material falando sobre a questão da dança e do teatro no culto, sobre desaprovação ao sentimentalismo das igrejas contemporâneas, e críticas ao modelo da mega-igreja. Minha intenção não é fazer uma lista exaustiva desses materiais, mas gostaria de citar os que mais me marcaram: um vídeo famoso do Augustus Nicodemus sobre dança, um vídeo recente do Yago Martins sobre o sentimentalismo no culto, e um podcast do Lado a Lado sobre igreja e pós-modernidade.

A questão é que ao ter contato com esse tipo de material, percebi que eram limitados. Neste caso, não entenda “limitação” como “falta de qualidade”. Sendo materiais de introdução ou estudos mais aprofundados, são, em geral, estudos de ótima qualidade. O que quero dizer é que a diferença entre o presente estudo e aqueles é o grau, e não a qualidade.

Já que falamos de grau, voltemos à analogia dos “óculos da cosmovisão”. Percebo que, em geral, essas pesquisas falam sobre como uma pessoa vê o mundo com os óculos da igreja atual. Minha intenção é entender como esses óculos foram fabricados, que material usaram, e como desenharam o modelo. Parte dos estudos que vi são limitados porque tinham um objetivo diferente do proposto para este texto, e é natural que seja desse jeito. Assim, procuro somar àquilo que já foi dito sobre o assunto, uma vez que dependi destes materiais para começar essa pesquisa.

Tendo dito isto, tento esclarecer outro ponto: visto que a maior parte do que já foi feito sobre adoração é de teor exegético, este texto não terá essa intenção. Não só pela quantidade de material produzido com essa abordagem, mas porque existem muitas outras pessoas mais capacitadas para interpretar os textos originais da Bíblia que eu. É claro que, na medida do possível, tentarei apresentar como os movimentos de adoração que citarei ao longo desta série interpretaram textos bíblicos centrais para seus argumentos, mas não é minha intenção refutá-los exegeticamente. Nesse caso, recomendo que você faça como eu ao ler esses materiais: abra sua Bíblia, ao lado de um bom comentário bíblico e um bom dicionário de grego e hebraico; e leia, ore, e medite sobre os argumentos apresentados acerca da interpretação correta dos textos.

Há outro motivo pelo qual não escolhi a abordagem exegética. Exatamente por sua preocupação com a interpretação correta dos textos bíblicos em seu contexto histórico e sua aplicação hoje, acaba-se ocupando grande parte do esforço que seria necessário em tentar perceber as mudanças do nosso próprio contexto. Por exemplo: cresci frequentando a Assembleia de Deus, e, quando o tema da adoração profética era mencionado, se queria dizer que existiam pessoas que acreditavam intensificar seu relacionamento com Deus por meio de referências à cultura judaica no culto. Bandeiras de Israel, candelabros, “cortinas do templo” e arcas da aliança decoravam as igrejas, pastores e líderes de louvor usavam recorrentemente palavras do hebraico no culto, e mesmo a música tentava reproduzir algo que soasse como Oriente Próximo. Contudo, por mais que se possa argumentar que essa definição do início dos anos 2000 tenha influenciado o que é adoração profética hoje, o movimento que é alvo deste estudo tem outra origem e outras pretensões, por mais que use as mesmas palavras do movimento da década passada para definir-se. E porque os tempos mudam, é preciso evitar o risco de não perceber que nossa análise do estado da igreja não comunique com a real situação da igreja na atualidade. É como medicar um paciente com analgésicos quando seu quadro já piorou faz tempo.

Tabela com dados da World Christian Database comparando as taxas de crescimento entre 1970 e 2010, entre segmentos do Protestantismo nos Estados Unidos.

E qual é o estado em que a igreja se encontra hoje? Bem, alguns diriam que o Pentecostalismo vai muito bem, obrigado. Enquanto outras correntes mais tradicionais do Protestantismo perdem seus membros em ritmo crescente, igrejas ligadas ao Pentecostalismo tem um crescimento aproximado de 9% ao ano no mundo todo¹ (só na América Latina, 65% da população evangélica se identifica como pentecostal²). Entretanto, se aumentarmos o zoom do nosso microscópio sobre a amostra do Pentecostalismo, perceberemos que a situação é mais complicada. Debaixo do guarda-chuva pentecostal (também chamado de movimentos de renovação), existem três grupos: (1) fiéis ligados a denominações pentecostais tradicionais, (2) fiéis ligados a denominações “tradicionais renovadas”, e (3) fiéis ligados a um novo tipo de igreja: as “carismáticas independentes”. Destes 3 tipos, os pentecostais tradicionais e os tradicionais renovados têm crescimento estagnado em aproximadamente 2% ao ano³, enquanto os carismáticos independentes crescem em torno de 3,6% mundialmente.

As igrejas carismáticas independentes não apenas representam uma nova faceta da história do Pentecostalismo, mas do cristianismo como um todo. Ao lado de outras novas tendências, os carismáticos independentes surgiram no período que chamamos de pós-modernidade. E neste novo mundo de verdades relativas e comunidades fragmentadas, se viram diante do desafio de responder ao mundo e às igrejas do passado qual era a verdadeira identidade do cristianismo. A julgar pela sua taxa de crescimento que se expande a cada nova pesquisa, parece que sua resposta tem sido bem-vinda. Em um mundo que sofre os efeitos da Globalização e que é saturado de mídia após a Revolução Digital, sua estratégia de comunicar vida cristã pela internet provou-se eficaz. Estudos, pregações, e especialmente, a música: essa igreja do século 21 é a divulgadora por excelência da adoração profética. Ministérios como a Bethel Church, IHOP-KC e a Global Awakening, do apóstolo Randy Clark, gerenciam networks com milhares de igrejas ao redor do mundo — o que significa que você não precisa se filiar à uma nova igreja, basta fazer parte da “rede de influência”.

Gráfico sobre os movimentos de renovação, comparando os resultados de 1970 e a estimativa para 2020. Note que a pesquisa ainda mantém uma perspectiva denominacional, embora já se tenha percebido que, para os carismáticos independentes, estar alinhado com esta nova visão não implica um vínculo formal ou mudança de igreja.

Apenas por ser uma nova tendência, a igreja carismática independente e seu modelo de culto, a adoração profética, já seriam dignos de atenção. No entanto, existe um fator mais importante: sua relação com o mundo pós-moderno. Os carismáticos independentes procuram oferecer uma alternativa cristã ao espírito de nosso tempo, pregando um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, que nos capacitaria para influenciar as esferas da sociedade a favor do Reino de Deus. Embora os líderes destas igrejas revelaram realmente uma alternativa (politicamente conservadora) contra a pós-modernidade — em favor da “influência do Reino na sociedade”, apoiaram Donald Trump e Jair Bolsonaro, nomes que advogam em defesa dos “valores cristãos tradicionais” — o que estudos mais recentes têm mostrado é que sua teologia, e mais precisamente, seu culto, com um individualismo estrutural, ênfase no desejo de consumo e busca desenfreada pela autenticidade tem alimentado o espírito do nosso tempo. A adoração profética seria uma versão gospel da cultura pós-moderna.

Sendo assim, o crescimento global das igrejas carismáticas independentes seria, no fim de tudo, uma expansão global da vida pós-moderna. Isto se torna ainda mais claro se tivermos em mente que, na tentativa de responder à crise de identidade evangélica na contemporaneidade, a opção pela busca da autenticidade acabou por lançar ao mar o legado histórico da igreja. E, enquanto se busca fugir da tempestade pós-moderna, não se percebe que o problema está no próprio barco.

Apesar de serem uma novidade, os carismáticos independentes estão longe de ser o futuro da igreja. Eles já são o presente. No Brasil, a estimativa é que este grupo cresça 11,2% em 2020, isso é duas vezes maior que o crescimento de qualquer outro segmento evangélico — e apesar de aqui ainda não serem maioria, o Brasil já é o segundo país com maior número de igrejas carismáticas independentes (atrás apenas dos EUA). A nível global, a estimativa é que em 2020 os carismáticos independentes representem 44,1% de todos fiéis pentecostais da população evangélica mundial.

Depois de toda essa informação, você deve ter percebido que a questão é mais abrangente que debater a viabilidade da dança, teatro e a apresentação de determinadas músicas no culto (como era na década passada), por mais que envolva isso, de alguma maneira. É preciso entender também o que possibilitou que essa discussão surgisse. Sendo assim, gostaria de te convidar a acompanhar esta série sobre o culto cristão na pós-modernidade, para que entendamos o trajeto percorrido para que a igreja chegasse ao estado em que a encontramos hoje.

No próximo texto, retornaremos aos anos 2000, e veremos como um livro publicado na Austrália provocou uma revolução global na nossa perspectiva sobre culto e adoração.

Fonte: https://leo-cruz.medium.com/chapa%C3%A7%C3%A3o-11ab5cb5ffe0