A gente costuma associar a vida a uma
estrada... Há aqueles jargões cansativos que toda hora nos acomete do tipo: na
estrada da vida. E é, sem dúvida alguma, algo útil para nós, pensar que a vida
é alguma coisa que se assemelha a uma estrada.
No caminho de Deus que a gente anda, não
existe uma estrada fixa, de modo algum. Na mente da gente, na maioria das
vezes, quando se pensa em andar com Deus, o que se apresenta é uma idéia de uma
estrada fixa. Aí alguém chega e diz assim: "Jesus é o caminho". Aí o
sujeito imagina Jesus como sendo a BR-1 de Deus, um caminho fixo. Então você
diz: "Como é esse caminho?". Aí te apresentam o manual de normas da
igreja.
A estrada física não muda com os
caminhantes, ela permanece a mesma. Mas a estrada espiritual é feita pelo andar
do caminhante, é produzida pelos teus pés. Por isso não se pode apenas dizer
para alguém: "Olha só, vê ali, Jesus é o caminho, anda nele". Porque
isso não vai significar absolutamente nada para pessoa, a menos que a pessoa
ande e experimente. A grande questão do caminho, é como você anda no caminho.
E aí eu queria que você pensasse comigo no
seguinte: Lembra da parábola do bom samaritano? Ela ilustra perfeitamente o que
estou querendo dizer. O que a gente tem ali é um caminho, uma estrada, que ia
de Jerusalém para Jericó... mesma estrada... está fixa lá até hoje. Você pode
fazer o caminho romano antigo dos dias de Jesus até os dias de hoje, ela esta
lá, com pedras daquele tempo, com cenários que não mudaram, uma estrada.
Aí Jesus disse que, naquela estrada
aconteceu uma coisa que envolveu cinco pessoas. Uma mesma estrada, cinco
caminhos diferentes, uma mesma estrada que foi alterada pelo caminhar dos
caminhantes. Um mesmo chão que virou chão diferente de acordo com a diferença
da caminhada de cada um.
O primeiro indivíduo que a gente encontra
naquela estrada é um homem honesto, que saiu de casa e foi trabalhar. E no
caminho para levantar o sustento para a vida, uma tragédia o acometeu. E ele
foi deixado - largado, caído, assaltado, ferido, roubado, depravado e privado
dos seus bens e do que tinha - ali abandonado. Caminho de um homem honesto
roubado e largado na estrada.
Tem um segundo homem nessa história, nessa
estrada, é aquele que encontra o honesto que vem andando, querendo levantar o
sustento para levar para casa e o assalta. Mesma estrada, um segundo caminho,
caminho de violência, de expropriação, de covardia, de aproveitamento, de
roubo, de engano. Mesma estrada, um homem honesto caído, um assaltante que se
aproveitou da vida dele, e fez o seu próprio caminho.
Aí passa uma terceira figura, um
sacerdote, mesma estrada um terceiro caminho. O sacerdote vem e olha o homem,
passa de largo, segue o seu caminho, caminho da indiferença, o caminho da
incapacidade de se solidarizar, o caminho daquele que tem a sua agenda tão
definida, que não tem espaço para qualquer parada. Esse é, sobretudo, o
indivíduo que achava que a finalidade de cultuar a Deus num lugar sagrado,
cumprindo uma liturgia, lhe era mais importante do que a parada para exercer a
misericórdia com aquele que estava ali deitado, ele é indiferente à vida. Uma
mesma estrada, um outro caminho.
Aí tem um quarto indivíduo que passa na
mesma estrada, um levita. Ele viu o sacerdote passar e não fazer nada, e não
fez nada também. Assumiu o caminho da omissão homicida, largou o indivíduo, fez
que não viu, alienou-se, ligou o botão do auto-engano e se foi, insensível e
impermeável. Ele sempre olha para quem ele acha que lhe é superior na
hierarquia, e diz: "Se ele não fez, porque que eu tenho que fazer".
Aí vem um quinto indivíduo. Mesma estrada, um quinto caminho. Era um samaritano
considerado herege pelos judeus, abominado pelo sacerdote e pelo levita. Mas
ele passa e ele olha, e ele vê e ele se abaixa, ele socorre, ele cuida, ele
pensa as feridas, trata delas, derrama sobre elas óleo e vinho. Cuida do
indivíduo e o leva e o coloca numa estalagem e diz para o estalajadeiro:
"Eu estou deixando aqui dinheiro, e se não for o suficiente, bota tudo na
minha conta, porque quando eu passar de volta eu vou quitar tudo".
Há um aqui, para quem o caminho é o lugar
de misericórdia, é o lugar onde a graça pode se manifestar e aonde o amor de
Deus pode ser encarnado. Uma única estrada com caminhos diferentes. Isso nos
ajuda entender e a discernir uma coisa fundamental para nós hoje: O caminho é
chamado à existência pelo modo como eu ando.
A estrada vira caminho de vida também,
quando eu levo em mim a consciência da mutualidade como mandamento da jornada.
O Salmo 84:7 diz: "Vão indo de força em força, cada um deles aparece diante
de Deus em Sião". É um ajudando o outro. Nesse caminho, infelizmente, o
que a gente mais encontra é um passando a perna no outro, julgando o outro,
medindo o outro, avaliando o outro, por isso que não é caminho, é só estrada. O
que a gente precisa admitir é que a maioria de nós não está no caminho, a gente
está na estrada da religião, e na estrada da religião é assim olho aberto.
Conforme Jesus disse: símplices como as pombas e prudentes como as serpentes,
porque tem fariseu na estrada.
Agora nós estamos falando de caminho, e no
caminho “um ao outro ajudou e ao seu próximo disse: Sê forte!” No caminho um
levanta o outro. No caminho a gente não quer saber quem é o indivíduo caído, a
gente só quer saber que ele está caído. No caminho o samaritano é o herói da
história do amor fraternal. E ele não faz perguntas. No caminho não existe
discussão religiosa, no caminho ninguém diz: "Você aceita Jesus, antes de
eu lhe fazer este bem?". No caminho ninguém diz: "Os assaltantes o
assaltaram, porque você não estava com o anjo do Senhor, acampado ao seu
redor".
No caminho ninguém diz: "Olha se você
fizesse a confissão positiva e dissesse: Eu declaro bandido, tu estás amarrado.
Ele não teria te assaltado". No caminho a gente levanta, a gente se dobra,
a gente cuida, a gente não faz perguntas, a gente carrega, a gente leva. No
caminho não tem proselitismo, não tem prosa, não tem conversa fiada, tem ação,
tem amor, tem misericórdia, tem graça, tem vida, tem gesto.
É só quando nos dermos conta disso, que
temos alguma chance de ser salvo da estrada, para poder, no chão da vida, ver o
caminho mudar debaixo de nossos pés. Porque eu não quero ser um indivíduo, da
estrada religião que é física e é fixa. Eu quero caminhar no caminho da vida e
da verdade em Jesus.