sexta-feira, 10 de junho de 2016

O reinado do espinheiro

O texto que segue aqui transcrito é chamado de Apólogo de Jotão. Quem desejar pode lê-lo no livro de Juízes, na Bíblia. O espírito do texto é claro. Tão claro que prescinde da própria história que o antecede. Ou seja: em si mesmo é uma parábola de aplicação universal, sempre que as circunstâncias se repetem. Ele fala de como os seres qualificados, quase sempre, evadem-se de suas responsabilidades, de tal modo que é o espinheiro quem domina sobre a vida. Leia o Apólogo de Jotão.

“Ouvi-me a mim, cidadãos de Siquém, para que Deus vos ouça a vós outros. Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à Oliveira: Reina tu sobre nós. Mas a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu o meu azeite, que Deus e os homens em mim prezam, para ir balouçar sobre as árvores? Então disseram as árvores à Figueira: Vem tu, e reina sobre nós. Mas a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, para ir balouçar sobre as árvores? Disseram então as árvores à Videira: Vem tu, e reina sobre nós. Mas a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, para ir balouçar sobre as árvores? Então todas as árvores disseram ao Espinheiro: Vem tu, e reina sobre nós”. Juizes 9:7-12.

O Espinheiro aceitou a tarefa, pois ele nunca perde tal oportunidade. Afinal, se não houver “limpeza”, a vocação dos espinheiros é abraçar a terra toda, e engolir as plantas, as quais passarão a existir contidas pelo abraço vegetal e pontiagudo do Espinheiro. A Oliveira, a Figueira e a Videira não reclamaram desse reino na hora da decisão. As demais árvores da floresta também não. Porém, a tirania do Espinheiro se manifestou pela sua própria natureza. O Espinheiro machuca mesmo quando não quer machucar: ele abraça com espinhos. Pode-se colher uvas de Espinheiros e figos de Abrolhos?
 
No meio cristão encontro muitos pastores frustrados. Sentem-se mal com a dominação da fé que hoje é determinada pelo Espinheiro. No curso da história se angustiavam pelo destino das Árvores da Floresta procuraram a Oliveira, com sua unção de azeite; buscaram a Figueira, com sua unção de doçura; e pediram o socorro da Videira, com sua unção de alegria — mas todas elas acharam que o povo saberia a diferença entre o Espinheiro e as árvores frutíferas. Engano deles. O povo só sabe a diferença quando o abraço do Espinheiro já se fez poder e controle. Mas a Oliveira, a Figueira e a Videira dos pastores do Brasil disseram ao povo: Nós não! Deixemos que o Espinheiro reine sobre nós! Os espinhos que hoje nos ferem — e que incomodam as Oliveiras, as Figueiras e as Videiras — são os mesmos que já existiam antes.
 
 Hoje o Espinheiro é o nosso líder. E seus espinhos são o nosso contato. Quem encosta, sai ferido. Quem reclama, que reclame para si mesmo. Sim, ante tanta evidência, tantos testemunhos internos que revelavam as malas de dinheiro, tantas demonstrações públicas e televisivas, tanto despudor na prática do engano, tantas criações de um “evangelho-emacumbado”, tantas brincadeiras com o nome de Deus, tanto dinheiro lavado, tanta gente que sabia, tanta demonstração de que se nos calássemos, nunca mais seríamos os mesmos — por que somente agora é que dizem ver? Essas “malas de dinheiro” são mais velhas que o tempo.
 
Agora, para os “evangélicos”, honestamente, ficou tarde. O Espinheiro e seus filhotes são os “donos da sigla”. Foi-lhes entregue pelos “Esaús” (uma espécie daninha que faz ‘trocas circunstanciais’), que por dinheiro, chances na televisão, medo, “excitamento fenomenológico”, ou simplesmente porque já estavam contaminados pelas mesmas práticas e pelo mesmo espírito, entregaram tudo ao Espinheiro.
 
Então, quem quiser andar no caminho do Evangelho, que faça a jornada conforme a Palavra. Que o Senhor nos livre da tirania do Espinheiro. Que o Senhor desperte as Oliveiras de sua arrogância, as Figueiras de seu narcisismo, e as Videiras de sua alegria auto-centrada. Que reinem sobre nós os frutos da unção, da doçura e da alegria. Que o Espinheiro volte para o seu lugar. Salva o teu povo, ó Senhor! Nele, em Quem sei que na hora o Espinheiro será de todo removido pela Sua própria mão.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Subsídio para EBD - A tolerância cristã

 
Hoje, como nos tempos em que Paulo escreveu sua Carta aos Romanos, existem crentes fracos na fé, que têm consciência limitada em relação à sua liberdade cristã. Diante disso, e a partir das instruções que nos dá o Apóstolo, precisamos de discernimento espiritual para sermos tolerantes para com eles a fim de que não venham a ser destruídos, mas edificados em amor. Ao mesmo tempo em que devemos ser instrumentos de Deus para a maturidade dos crentes mais débeis na fé.

I – TIPOS DE CRISTÃOS
Os fracos na fé em Roma, pelo que podemos depreender contexto, eram os cristãos judeus, cuja fraqueza cultural (não moral), os deixava duvidosos quanto ao que fazer ou deixar de fazer em suas consciências, e por conseguinte, em suas práticas. Pelo que depreendemos do contexto, eles permaneciam comprometidos com as regras judaicas, especialmente, no que tange às dietas e a guarda de dias religiosos (Rm. 14.14.20). Paulo, ao longo de sua exposição, se põe ao lado dos fortes na fé, ele, inclusive, se apresenta como um dos fortes (Rm. 15.1). Contudo, por causa do amor, e talvez, considerando a decisão do Concílio de Jerusalém (At. 15.19), ensina aos fortes a serem tolerantes para os cristãos mais fracos. A recomendação de Paulo é que coisas como seguir uma determinada dieta e a escolha de dias religiosos, contanto que não comprometam a doutrina da salvação pela graça, por meio da fé em Cristo (Ef. 2.8,9; Gl. 1.8,9), devem ser postos como assuntos secundários e não devem ser motivo para alguém vir a julgar seu irmão (Rm. 14.3,4). Não recebemos do Senhor a incumbência para ser juízes dos nossos irmãos, tal somente pertence ao Supremo Juiz, por isso, Paulo cita Is. 45.23. Não sirvamos, portanto, de pedra de tropeço para os nossos irmãos, antes os encaminhemos, em amor, à maturidade.

II – VIVENDO A VERDADEIRA LIBERDADE EM CRISTO
Conforme apontamos anteriormente, Paulo se coloca a favor dos fortes, e ele mesmo se considera um dos tais. Mas, conforme escreve aos Coríntios (I Co. 6.12), embora tudo nos seja lícito, nem tudo nos convém, a fim de que os mais fracos não sejam escandalizados (literalmente, não venham a tropeçar). Nesse sentido, podemos dizer que nossa liberdade em Cristo é redimensionada pelo amor aos nossos irmãos fracos, já que, para eles, se agirem contra suas consciências, estarão pecando. Isso não quer dizer que nossa consciência seja infalível, ela pode, inclusive ser cauterizada (I Tm. 4.2), mas nós, os mais fortes, não podemos deixar de respeitar as consciências fracas dos irmãos que pecam contra seus princípios se agirem contra eles (Rm. 14.23). Por causa desses irmãos mais fracos, Lutero, lembrava que "o cristão é o mais livre senhor de todos, não sujeito a ninguém, e ao mesmo tempo, o cristão é o mais dócil servo de todos, sujeito a todos". Evidentemente, isso não quer dizer que devemos aceitar evangelhos contrários àquele revelado nas Escrituras (Gl. 1.7-9). A tolerância se dá no contexto daquilo que é secundário à doutrina cristã. A esse respeito, é válido destacar a célebre declaração de Agostinho: “nas coisas essenciais, unidade; nas não essenciais, liberdade; em tudo, a caridade”.
 
III – DEVEMOS NOS ACEITAR MUTUAMENTE
Com vistas à unidade do corpo de Cristo, precisamos cultivar o amor cristão (Rm. 12.10) a fim de que possamos desenvolver o mesmo sentimento de Cristo (Rm. 12.16). Para isso, aqueles que são mais fortes na fé não podem ser orgulhosos, mas condescendentes com os mais francos. Para esse fim, faz-se necessário que suportemos, que, em grego, dá ideia também de “sustentar” e “transportar” (Rm. 15.1). Isso remete ao que está escrito em Gl. 6.2: “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo”. Visando a harmonia da igreja, pode haver casos em que tenhamos não só que tolerar, mas também, sofrer, enfrentando pacientemente as privações. Seguindo o exemplo do que nos ensinou o Mestre em Mt. 5.40,41, mesmo libertos em Cristo, precisamos, em alguns casos, caminhar a “segunda milha”. Assim, por causa do amor a Cristo e aos nossos irmãos, nos, os mais fortes, nos tornamos servos dos mais fracos, a fim de conduzi-los ao Senhor (I Co. 8.9; 9.22). Como o Filho do Homem, não estamos aqui para sermos servidos, mas para servir (Mc. 10.45), e seguindo Seu exemplo, devemos nos compadecer das fraquezas dos outros (Hb. 4.15).

CONCLUSÃO
Os cristãos fortes, em relação aos fracos, precisam, inicialmente, suportar suas fraquezas, e, diante delas, não podemos ser egocêntricos, antes devemos buscar agradar o próximo, para o bem dele a fim de edificá-lo (Rm. 14.15). Para isso, não devemos colocar tropeços em sua vida (Rm. 14.13,20,21), nem destruí-lo (Rm. 14.20) ou prejudica-lo (Rm. 14.15). Como o objetivo é a edificação, isso inclui, também, o ensino amoroso a fim de que a fé do fraco seja fortalecida, bem como sua consciência. E, assim, o fraco também passará a ser forte, como certamente fez Paulo quando a Carta aos Romanos foi lida entre os irmãos.

BIBLIOGRAFIA
BRUCE, F. F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2002.
CABRAL, E. Comentário Bíblico Romanos. Rio de Janeiro: CPAD, 1998.