Brasília depois de Fachin
Depois do choque do bombardeio, a primeira coisa a fazer é avaliar o estrago. Às vezes, quarteirões inteiros viram pó. Noutras, prédios ficam com janelas quebradas, a estrutura é abalada, mas resistem. Sempre surge algum sinal de vida, o som de alguém que ficou soterrado e quer sair do meio dos escombros. Apenas o tempo define o que resistiu e o que está irremediavelmente perdido.
Assim será com os danos causados pela delação da Odebrecht na Operação Lava Jato, cujos detalhes começaram a ficar mais claros ontem, após a divulgação das respostas do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), aos 320 pedidos da Procuradoria-Geral da República para abertura de inquérito, arquivamento ou encaminhamento a instâncias inferiores.
Os despachos, revelados em primeira mão pelo jornal O Estado de S.Paulo e publicados em edição extra do Diário da Justiça Eletrônico, atingem tantos políticos, de tantos partidos, que a primeira sensação ao lê-los é uma mistura de incredulidade, perplexidade, horror e asco. Eles corroboram o pior cenário que se tinha sobre a extensão das práticas ilegais de corrupção, caixa dois e quejandos.
O mais grave nem está nos nomes dos alvos de inquérito (a maioria já conhecidos), nem mesmo nos casos de corrupção (boa parte já revelados por meio de vazamentos ou dos processos da Lava Jato). O pior é a desfaçatez com que a classe política continua a dar de ombros para as acusações, como se nada tivesse a ver com o assunto.
Quem se der ao trabalho de ler as negativas de ministros, governadores, senadores, deputados, ex-presidentes ou ex-quaisquer-cargos (mas não ex-corruptos) terá a sensação de estar diante de um catálogo de revestimento de madeira. Tem pra todos os gostos: cumaru, pau-marfim, mogno, cedro, cerejeira, ipê, jatobá, sucupira – e um suprimento ilimitado de peroba. Parece pedir demais dos nossos políticos que assumam a responsabilidade por seus crimes e paguem o preço pelos erros. Só a pressão da condenação costuma levá-los à delação.
É provável que os próximos dias deixem mais clara a qualidade das provas que levaram Fachin a abrir os 76 inquéritos contra 108 alvos. Os depoimentos dos delatores virão à tona e permitirão separar as acusações graves e consistentes das mais fracas ou menos relevantes. Mas o primeiro impacto será sentido imediatamente: ficou mais difícil tentar melar a Lava Jato. A esta altura, impossível “estancar a sangria”, para repetir as imortais palavras do co-campeão de inquéritos no torneio Odebrecht (cinco), senador Romero Jucá (ao lado do também senador Aécio Neves).
Não há clima para pizza. Se algum deputado ou senador investigado ainda tiver o desplante de tentar manter o privilégio de ser julgado no STF pelo voto em lista fechada ou de operar por algum tipo de anistia coletiva, o fará com as letras O-D-E-B-R-E-C-H-T gravadas na testa.
O segundo impacto imediato se dará no governo do presidente Michel Temer. Com oito ministros investigados – alguns, como Eliseu Padilha ou Moreira Franco, com vasta profusão de provas e detalhes das ilegalidades –, é impossível que o gabinete fique ileso. Ministros cairão pelo menos motivo que as árvores podres: pela lei da gravidade.
Temer afirmou que suspenderá temporariamente os denunciados e demitirá apenas quem se tornar réu. É ilusão acreditar nisso. Na prática, à medida que emergirem as acusações dos delatores e o governo estiver às voltas com uma crise por dia, será impossível manter no cargo os bombardeados pelas maiores evidências. Se tiverem um mínimo de juízo – já que caráter seria pedir demais –, esses devem pedir o boné, até para se preservar. Do contrário, dependerão da boa vontade de Temer.
Em contrapartida, a agenda de reformas do governo deverá deslanchar. Não por competência, lógico. É que tanto o Executivo quanto o Legislativo terão interesse em mudar de assunto. Precisam mostrar serviço em qualquer área que mantenha as palavras “Lava Jato” e “Odebrecht” longe das manchetes. As reformas da Previdência e trabalhista podem ganhar um fôlego inesperado. Não necessriamente o governo conseguirá aprová-las como quer. Mas será necessário que Brasília consiga mostrar algum outro serviço ao país, além da roubalheira generalizada.
Haverá, enfim, as investigações. Rapidamente poderão resultar em denúncias e pedidos de prisão. A PGR já dispõe de todos os depósitos em contas no exterior e da contabilidade da propina paga pela Odebrecht, provas definitivas da corrupção. Uma vez concluídos esses casos, só faltará o sinal verde de Fachin. Não fará mal nenhum se meia dúzia de deputados, senadores e políticos corruptos, desses que todos conhecemos e nos aporrinham diariamente com sua hipocrisia e cara-de-pau, forem para trás das grades fazer companhia a Dirceu, Palocci, Cunha, Cabral et caterva. E, claro, a Marcelo Odebrecht também.
Fonte: http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/brasilia-depois-de-fachin.html
Assim será com os danos causados pela delação da Odebrecht na Operação Lava Jato, cujos detalhes começaram a ficar mais claros ontem, após a divulgação das respostas do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), aos 320 pedidos da Procuradoria-Geral da República para abertura de inquérito, arquivamento ou encaminhamento a instâncias inferiores.
Os despachos, revelados em primeira mão pelo jornal O Estado de S.Paulo e publicados em edição extra do Diário da Justiça Eletrônico, atingem tantos políticos, de tantos partidos, que a primeira sensação ao lê-los é uma mistura de incredulidade, perplexidade, horror e asco. Eles corroboram o pior cenário que se tinha sobre a extensão das práticas ilegais de corrupção, caixa dois e quejandos.
O mais grave nem está nos nomes dos alvos de inquérito (a maioria já conhecidos), nem mesmo nos casos de corrupção (boa parte já revelados por meio de vazamentos ou dos processos da Lava Jato). O pior é a desfaçatez com que a classe política continua a dar de ombros para as acusações, como se nada tivesse a ver com o assunto.
Quem se der ao trabalho de ler as negativas de ministros, governadores, senadores, deputados, ex-presidentes ou ex-quaisquer-cargos (mas não ex-corruptos) terá a sensação de estar diante de um catálogo de revestimento de madeira. Tem pra todos os gostos: cumaru, pau-marfim, mogno, cedro, cerejeira, ipê, jatobá, sucupira – e um suprimento ilimitado de peroba. Parece pedir demais dos nossos políticos que assumam a responsabilidade por seus crimes e paguem o preço pelos erros. Só a pressão da condenação costuma levá-los à delação.
É provável que os próximos dias deixem mais clara a qualidade das provas que levaram Fachin a abrir os 76 inquéritos contra 108 alvos. Os depoimentos dos delatores virão à tona e permitirão separar as acusações graves e consistentes das mais fracas ou menos relevantes. Mas o primeiro impacto será sentido imediatamente: ficou mais difícil tentar melar a Lava Jato. A esta altura, impossível “estancar a sangria”, para repetir as imortais palavras do co-campeão de inquéritos no torneio Odebrecht (cinco), senador Romero Jucá (ao lado do também senador Aécio Neves).
Não há clima para pizza. Se algum deputado ou senador investigado ainda tiver o desplante de tentar manter o privilégio de ser julgado no STF pelo voto em lista fechada ou de operar por algum tipo de anistia coletiva, o fará com as letras O-D-E-B-R-E-C-H-T gravadas na testa.
O segundo impacto imediato se dará no governo do presidente Michel Temer. Com oito ministros investigados – alguns, como Eliseu Padilha ou Moreira Franco, com vasta profusão de provas e detalhes das ilegalidades –, é impossível que o gabinete fique ileso. Ministros cairão pelo menos motivo que as árvores podres: pela lei da gravidade.
Temer afirmou que suspenderá temporariamente os denunciados e demitirá apenas quem se tornar réu. É ilusão acreditar nisso. Na prática, à medida que emergirem as acusações dos delatores e o governo estiver às voltas com uma crise por dia, será impossível manter no cargo os bombardeados pelas maiores evidências. Se tiverem um mínimo de juízo – já que caráter seria pedir demais –, esses devem pedir o boné, até para se preservar. Do contrário, dependerão da boa vontade de Temer.
Em contrapartida, a agenda de reformas do governo deverá deslanchar. Não por competência, lógico. É que tanto o Executivo quanto o Legislativo terão interesse em mudar de assunto. Precisam mostrar serviço em qualquer área que mantenha as palavras “Lava Jato” e “Odebrecht” longe das manchetes. As reformas da Previdência e trabalhista podem ganhar um fôlego inesperado. Não necessriamente o governo conseguirá aprová-las como quer. Mas será necessário que Brasília consiga mostrar algum outro serviço ao país, além da roubalheira generalizada.
Haverá, enfim, as investigações. Rapidamente poderão resultar em denúncias e pedidos de prisão. A PGR já dispõe de todos os depósitos em contas no exterior e da contabilidade da propina paga pela Odebrecht, provas definitivas da corrupção. Uma vez concluídos esses casos, só faltará o sinal verde de Fachin. Não fará mal nenhum se meia dúzia de deputados, senadores e políticos corruptos, desses que todos conhecemos e nos aporrinham diariamente com sua hipocrisia e cara-de-pau, forem para trás das grades fazer companhia a Dirceu, Palocci, Cunha, Cabral et caterva. E, claro, a Marcelo Odebrecht também.
Fonte: http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/brasilia-depois-de-fachin.html