A nível de introdução desta postagem desejo esclarecer, antes de mais nada, que não é minha intenção, sob
hipótese alguma, atiçar polêmica em torno deste tema santo, delicado demais
para nos agredirmos por meio dele. Contudo, devo admitir o fato de que não há
assunto ou teologia na Igreja Evangélica Contemporânea que maior número de
interpretações e polêmicas tenha suscitado do que este. A constatação de tal
realidade é fácil quando se vê o número enorme de grupos e de perspectivas
teológicas sobre o Batismo com, em ou no Espírito Santo.
Entre as muitas perspectivas pelas
quais se vê este tema, tem-se a dos reformados-conservadores,dos
reformados-abertos, dos reformados carismáticos, dos carismáticos de linha não
reformada, dos católicos carismáticos e dos pentecostais. Estes, por sua vez,
se subdividem em outros grupos: os pentecostais-tradicionais (representadas no
Brasil por igrejas como a Assembléia de Deus), os pentecostais-renovados
(igrejas como as Batistas Renovadas ou Presbiterianas Renovadas) e os
pentecostais-folclóricos (genuinamente representada pela Universal do Reino de
Deus). São tantos os ramos, que só posso lamentar tantas divisões. Portanto,
não é intenção deste livro ajudar a aumentar ou acirrar tais segmentações.
Também para abrir este capitulo
quero afirmar algo que John Stott tem enunciado como um princípio de sabedoria
e cautela em estudos deste gênero e que eu, como não poderia deixar de
acontecer, vou adotar neste livro. Ou seja: não podemos criar doutrina em cima
do livro de Atos. Digo isto baseado no fato de que a maioria das teologias a
respeito do Espírito Santo atribuem a ele sua principal, às vezes única
“referência doutrinária”.
Mas o livro de Atos ─ como o
próprio nome diz ─ é um livro de atos, de experiências, não de doutrinas. E
atos, experiências, não são padronizáveis, não podem ser absolutizados na sua
forma: só doutrinas têm a tal possibilidade.
Se fôssemos erguer doutrinas com
base em Atos, imagine que doutrinas ─ como a da conversão ─ ganhariam um lugar
sem precedentes na vida e na experiência de Paulo. Porque se há uma experiência
de conversão extraordinária, em Atos, esta é a do apóstolo: “... subitamente
uma luz do céu brilhou no seu redor e, caindo por terra, ouviu uma voz (...) e
ficou cego (...)” Baseado nisso eu poderia escrever um livro sobre “Os sintomas
e as evidências da conversão”, no qual afirmaria o seguinte: “O homem
convertido é aquele que viu uma luz no céu ─ mais precisamente ao meio-dia (Não
valeria às 6 da manhã, às 10, ou às 11 horas). Ouviu uma voz e ficou cego três
dias”. J
Já imaginou pessoas construindo,
doutrina sobre conversão em cima da experiência de Paulo? Estaríamos todos
perdidos! Quantos de nós têm encontrado Cristo desse modo? A absolutização da
conversão de Paulo como o verdadeiro padrão doutrinário-experiencial iria criar
duas realidades: um grande grupo de neuróticos procurando viver, sentir e
produzir os mesmos fenômenos de conversão; e um grupo de mentirosos afirmando
que experimentaram tais fenômenos. Portanto, transformar experiências em
padrões doutrinários pode ser uma catástrofe.
Também a nível de introdução devo
dizer que precisamos estar dispostos a renovar a mente. Como já vimos, o livro
de Atos nos impossibilita de fazer qualquer sistematização de uma fórmula
teológica sobre como se dá o batismo com o Espírito Santo. Ele não oferece
doutrinas, apenas relata experiências, e estas não obedecem a um padrão. Prova
disso são aquelas relacionadas como recebimento do Espírito Santo.
Observe o seguinte. Com os
discípulos de Jesus e os cento e vinte que receberam o Espírito Santo no dia de
Pentecoste, qual foi o caminho de fé que eles tinham percorrido até aquele
momento? Em primeiro lugar, eles nutriam fé em Jesus, e isso desde o ano
inicial do seu ministério (At. 1:13-22). Eles haviam sidos batizados ─ ou por
João Batista, ou no começo do ministério de Jesus; foram discipulados por Jesus
durante três anos, e no dia de Pentecoste receberam o Espírito Santo. Nesse
mesmo dia três mil pessoas creram na pregação de Pedro. E o que lhes aconteceu?
Pedro os convidou a receber o mesmo dom que haviam recebido (At. 2:38). E qual
foi a espiritual, até receberem o Espírito? Arrependimento, batismo, e a
promessa do Espírito Santo. É o que diz Atos 2:38: “Arrependei-vos (...) cada
um de vós seja batizado (...) e recebereis o dom do Espírito Santo”. Assim,
trata-se de uma ordem de fatos totalmente diferente das dos 12 discípulos ou
dos 120 da manhã de Pentecoste.
Temos também aquele grupo de
Samaria que se converteu com a pregação de Filipe. Diz a Bíblia que eles
creram, foram batizados, e inclusive houve um interregno, até que Pedro e João
foram lá, oraram, e eles receberam o Espírito Santo. Aconteceu então a
conversão de Paulo, e a foi: arrependimento, fé, recebimento do Espírito Santo
(quando Ananias orou com ele) e batismo. Depois vem Cornélio, que ouviu a
Palavra, reagiu com fé, recebeu o Espírito Santo e foi batizado. Após ele vem a
dos discípulos de Éfeso, em Atos 19. Eles ouviram a Palavra, receberam o
batismo, depois o Espírito Santo.
Com base nessas experiências, como
se poderia afirmar ─ conforme alguns livros de doutrina pentecostal baseada em
Atos ─ que a primeira coisa a se fazer é esta, a segunda essa, a terceira
aquela? Ou que acontece o batismo com ou sem água, e só depois o batismo com o
Espírito Santo? Ou seja: antes, obrigatoriamente, tal passo tem de acontecer,
caso contrário nada absolutamente sucedera. Em muitos casos trata-se quase de
uma fórmula como para se ligar um liquidificador. Pessoalmente, não creio que
seja possível definir como essas realidades relacionadas à obra de Deus
“funcionam”.
TEOLOGIA SISTEMÁTICA, SOMENTE NAS
CARTAS DOUTRINÁRIAS
Desejo mostrar-lhe que a doutrina
do Espírito Santo tem que ser erigida com base nas Cartas doutrinárias, não em
Atos. Em primeiro lugar, não podemos construir doutrinas em Atos e confirmá-las
nas Cartas. O contrário é que é o certo. Em Atos há somente fatos, não a
interpretação teológica deles.
A que as Cartas nos apresentam
sobre o recebimento do Espírito Santo tem a ver sempre com a pregação da
Palavra de Deus. Leia Romanos 10:17, onde se diz que a fé salvadora “vem pelo
ouvir, e pelo ouvir a Palavra de Deus”. Observe ainda o que diz Gálatas 3:2 e
5, onde está registrado que o Espírito é concedido quando as pessoas estão
ouvindo a Palavra com fé. Paulo pergunta: “... recebestes o Espírito pelas
obras da lei, ou pela pregação da fé?”. Atente sobretudo ao v.5: “Aquele, pois,
que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura o faz
pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?”
O que Paulo está dizendo é que “a
fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm. 10:17).
E mais, quando ouvimos a Palavra de
Deus e ela produz fé no coração, o Espírito do Senhor vem sobre nós ─ isto
acontece na experiência Primeira, no Encontro, a que chamamos regeneração e
conversão. O que também faz sentido com Atos 10:44, que revela que o Espírito
Santo do Senhor caiu sobre todos os que ouviram a Palavra na casa de Cornélio,
na hora da pregação. A salvação, portanto, vem com a invocação de Jesus, como
está dito em Romanos 10:13: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo”. Isto implica a invocação do Espírito Santo. E... “o Pai celestial dará
o Espírito Santo àqueles que lho pedirem” (Lc. 11;13).
O Espírito Santo é concedido
àqueles que ouvem a Palavra de Deus com fé. Isto na experiência primeira,
quando o Espírito vem selar, salvar, regenerar, colocar-se como penhor na alma
de todo aquele que crê em Jesus (Ef. 1:13-14). Portanto, qualquer recebimento
do Espírito Santo ─ teologicamente falando ─ tem a ver com a pregação das
Escrituras. Sem ela não há fé salvadora. Sem fé salvadora o Espírito não se
derrama em selagem, em regeneração salvadora no coração.
Se todos os que são de Cristo têm o
Espírito Santo (conforme diz Rm. 8:9: “E se alguém não tem o Espírito de
Cristo, esse tal não é dele”), então qual é a experiência cristã que deve
receber o nome de batismo com o Espírito Santo?
Próxima postagem: O batismo com Espírito Santo conforme o Novo Testamento.