Aborto é um assunto muito
delicado para falar principalmente para as mulheres. O tema envolve alguns fatores como: o que diz
a legislação brasileira; 2) como a igreja, seja ela católica ou protestante vem
tratando o assunto nos últimos 2 mil anos; 3) Como a Ciência trata sobre o
início da vida; 4) o que a Bíblia diz sobre o aborto.
Além do assunto já ser
polêmico, o comentarista da CPAD, no final da lição na revista do professor,
ainda traz uma temática que já daria uma aula exclusiva que é a reprodução assistida.
Em geral, nos contentamos em falar que vida é vida e pronto. Hoje, porém, a ciência mexe fundo neste conceito. Expressões como “proveta” e “manipulação genética” estão cada vez mais presentes no cotidiano. E a pergunta sobre o que é vida, e quando ela começa, virou uma polêmica que vai guiar boa parte da sociedade em que vamos viver. A resposta sobre a origem de um indivíduo será decisiva para determinar se aborto é crime ou não. E se é ético manipular embriões humanos em busca da cura para doenças como o mal de Alzheimer e deficiências físicas.
“Ter embriões estocados em
laboratório é um evento tão novo e diferente para a humanidade que ainda não
tivemos tempo de amadurecer essa idéia”, diz José Roberto Goldim, professor de
bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Biologicamente, é
inegável que a formação de um novo ser, com um novo código genético, começa no
momento da união do óvulo com o espermatozóide. Mas há pelo menos 19 formas
médicas para decidir quando reconhecer esse embrião como uma pessoa.”
Vida é quando acontece a
fecundação? Isso significa dizer que cerca de metade dos seres humanos morre nos
primeiros dias, já que é muito comum o embrião não conseguir se fixar na parede
do útero, sendo expelido naturalmente pelo corpo. Vida é o oposto de morte – e
então ela se inicia quando começam as atividades cerebrais, por volta do 2º mês
de gestação? Vida é um coração batendo, um feto com formas humanas, um bebê
dando os primeiros gritos na sala de parto?
Para a Igreja, vida é o encontro
de um óvulo e um espermatozóide e, portanto, não há qualquer diferença entre um
zigoto de 3 dias, um feto de 9 meses e um homem de 90 anos. Mas então por que
não existem velórios com coroas de flores, orações e pessoas de luto para
embriões que morrem nos primeiros dias de gravidez? Essa é uma discussão cheia
de contradições e respostas diferentes.
Um debate em que a medicina fica
mais perto de ser uma ciência humana do que biológica e em que frequentemente
se encontram cientistas usando argumentos religiosos e religiosos se valendo de
argumentos científicos. Por isso, o melhor a fazer é começar pela história de
como a idéia de vida apareceu entre nós.
A história da vida
Saber onde começa a vida é uma
pergunta antiga. Tão velha quanto a arte de perguntar – a questão despertou o
interesse, por exemplo, do grego Platão, um dos pais da filosofia. Em seu
livro República, Platão defendeu a interrupção da gestação em
todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos. Por trás da afirmação
estava a idéia de que casais deveriam gerar filhos para o Estado durante um
determinado período. Mas quando a mulher chegasse a idade avançada, essa função
cessava e a indicação era clara: o aborto. Para Platão, não havia problema
ético algum nesse ato. Ele acreditava que a alma entrava no corpo apenas no
momento do nascimento.
As idéias do filósofo grego
repercutiram durante séculos. Estavam por trás de alguns conceitos que
nortearam a ciência na Roma antiga, onde a interrupção da gravidez era
considerada legal e moralmente aceitável. Sêneca, um dos filósofos mais
importantes da época, contou que era comum mulheres induzirem o aborto com o
objetivo de preservar a beleza do corpo. Além disso, quando um habitante de
Roma se opunha ao aborto era para obedecer à vontade do pai, que não queria ser
privado de um filho a quem ele tinha direito.
A tolerância ao aborto não queria
dizer que as sociedades clássicas estavam livres de polêmicas semelhantes às
que enfrentamos hoje. Contemporâneo e pupilo de Platão, Aristóteles afirmava
que o feto tinha, sim, vida. E estabelecia até a data do início: o primeiro
movimento no útero materno. No feto do sexo masculino, essa manifestação
aconteceria no 40º dia de gestação. No feminino, apenas no 90º dia –
Aristóteles acreditava que as mulheres eram física e intelectualmente
inferiores aos homens e, por isso, se desenvolviam mais lentamente. Como
naquela época não era possível determinar o sexo do feto, o pensamento
aristotélico defendia que o aborto deveria ser permitido apenas até o 40º dia
da gestação.
A teoria do grego Aristóteles
sobreviveu cristianismo adentro. Foi encampada por teólogos fundamentais do
catolicismo, como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, e acabou alçada a tese
oficial da Igreja para o surgimento da vida. E assim foi por um bom tempo – até
o ano de 1588, quando o papa Sixto 5º condenou a interrupção da gravidez, sob
pena de excomunhão. Nascia aí a condenação do Vaticano ao aborto, você deve
estar pensando. Errado. O sucessor de Sixto, Gregório 9º, voltou atrás na lei e
determinou que o embrião não formado não poderia ser considerado ser humano e,
portanto, abortar era diferente de cometer um homicídio. Essa visão perdurou
até 1869, no papado de Pio 9º, quando a Igreja novamente mudou de posição. Foi
a solução encontrada para responder à pergunta que até hoje perturba: quando
começa a vida? Como cientistas e teólogos não conseguiam concordar sobre o
momento exato, Pio 9º decidiu que o correto seria não correr riscos e proteger
o ser humano a partir da hipótese mais precoce, ou seja, a da concepção na
união do óvulo com o espermatozóide.
A opinião atual do Vaticano sobre
o aborto, no entanto, só seria consolidada com a decisão dos teólogos de que o
primeiro instante de vida ocorre no momento da concepção, e que, portanto, o
zigoto deveria ser considerado um ser humano independente de seus pais. “A
vida, desde o momento de sua concepção no útero materno, possui essencialmente
o mesmo valor e merece respeito como em qualquer estágio da existência. É
inadmissível a sua interrupção”, afirma dom Rafael Llano Cifuentes, presidente
da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB).
O catolicismo afirma que a vida começa no momento da
fecundação e equipara qualquer aborto ao homicídio. O judaísmo e o budismo,
por exemplo, admitem a interrupção da gravidez em casos como o de risco de vida
para a mãe. Isso mostra que a idéia de vida e a importância que damos a ela
varia de acordo com culturas e épocas. Até séculos atrás, eram apenas as
crenças religiosas e hábitos culturais que davam as respostas a esse debate
cheio de possibilidades. Hoje, a ciência tem muito mais a dizer sobre o início
da vida.
A ciência explica
O astrônomo Galileu Galilei
(1554-1642) passou a vida fugindo da Igreja por causa de seus estudos de
astronomia. Ironicamente, sem uma de suas invenções – o telescópio, fundamental
para a criação do microscópio –, a Igreja não teria como fundamentar a tese de
que a vida começa já na união do óvulo com o espermatozóide.
Hoje sabemos que não existe um momento único em que acontece a
fecundação. O encontro do óvulo com o espermatozóide não é instantâneo. Em um
primeiro momento, o espermatozóide penetra no óvulo, deixando sua cauda para
fora. Horas depois, o espermatozóide já está dentro do óvulo, mas os dois ainda
são coisas distintas. “Atualmente, os pesquisadores preferem enxergar a
fertilização como um processo que ocorre em um período de 12 a 24 horas”,
afirma o biólogo americano Scott Gilbert, no livro Biologia do Desenvolvimento. Além disso, são
necessárias outras 24 horas para que os cromossomos contidos no espermatozóide
se encontrem com os cromossomos do óvulo.
Quando a fecundação termina,
temos um novo ser, certo? Também não é bem assim. A teoria da fecundação como
início de vida sofre um abalo quando se leva em consideração que o embrião pode
dar origem a dois ou mais embriões até 14 ou 15 dias após a fertilização. Como
uma pessoa pode surgir na fecundação se depois ela se transforma em 2 ou 3
indivíduos? E tem mais complicação. É bem provável que o embrião nunca passe de
um amontoado de células. Depois de fecundado numa das trompas, ele precisa
percorrer um longo caminho até se fixar na parede do útero. Estima-se que mais
de 50% dos óvulos fertilizados não tenham sucesso nessa missão e sejam
abortados espontaneamente, expelidos com a menstruação.
Além dessa visão conhecida como
“genética”, há pelo menos outras 4 grandes correntes científicas que apontam
uma linha divisória para o início da vida. Uma delas estabelece que a vida
humana se origina na gastrulação – estágio que ocorre no início da 3ª semana de
gravidez, depois que o embrião, formado por 3 camadas distintas de células,
chega ao útero da mãe. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de
alfinete, é um indivíduo único que não pode mais dar origem a duas ou mais
pessoas. Ou seja, a partir desse momento, ele seria um ser humano.
Com base nessa visão, muitos
médicos e ativistas defendem o uso da pílula do dia seguinte, medicação que
dificulta o encontro do espermatozóide com o óvulo ou, caso a fecundação tenha
ocorrido, provoca descamações no útero que impedem a fixação do zigoto. Para os
que brigam pelo o direito do embrião à vida, a pílula do dia seguinte equivale
a uma arma carregada.
Para complicar ainda mais, há uma
terceira corrente científica defendendo que para saber o que é vida, basta
entender o que é morte. E países como o Brasil e os EUA definem a morte como a
ausência de ondas cerebrais. A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos
primeiros sinais de atividade cerebral. E quando eles surgem? Bem, isso é outra
polêmica. Existem duas hipóteses para a resposta. A primeira diz que já na 8ª
semana de gravidez o embrião – do tamanho de uma jabuticaba – possui versões
primitivas de todos os sistemas de órgãos básicos do corpo humano, incluindo o
sistema nervoso. Na 5ª semana, os primeiros neurônios começam a aparecer; na 6ª
semana, as primeiras sinapses podem ser reconhecidas; e com 7,5 semanas o
embrião apresenta os primeiros reflexos em resposta a estímulos. Assim, na 8ª
semana, o feto – que já tem as feições faciais mais ou menos definidas, com mãos,
pés e dedinhos – tem um circuito básico de 3 neurônios, a base de um sistema
nervoso necessário para o pensamento racional.
A segunda hipótese aponta para a
20ª semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto,
capaz de se sentar de pernas cruzadas, chutar, dar cotoveladas e até fazer
caretas. É nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais
sensoriais dentro do cérebro, está pronto. Se a menor dessas previsões, a de 8
semanas, for a correta, mais da metade dos abortos feitos nos EUA não
interrompem vidas. Segundo o instituto americano Allan Guttmacher,
ONG especializada em estudos sobre o aborto, 59% dos abortos legais
acontecem antes da 9ª semana.
Apesar da discordância em relação
ao momento exato do início da vida humana, os defensores da visão neurológica
querem dizer a mesma coisa: somente quando as primeiras conexões neurais são
estabelecidas no córtex cerebral do feto ele se torna um ser humano. Depois, a
formação dessas vias neurais resultará na aquisição da “humanidade”. E essa
opinião também é partilhada por alguns teólogos cristãos, como Joseph Fletcher,
um dos pioneiros no campo da bioética nos EUA. “Fletcher acreditava que, para
se falar em ser humano, é preciso se falar em critérios de humanidade, como autoconsciência,
comunicação, expressão da subjetividade e racionalidade”, diz o filósofo e
teólogo João Batistiolle, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Para o filósofo Peter Singer, da
Universidade de Princeton, nos EUA, levado às últimas consequências o critério
da autoconsciência pode ser usado para considerar o infanticídio moralmente
aceitável em algumas situações. Segundo ele, é lícito exterminar a vida de um
embrião, feto, feto sem cérebro ou até de um recém-nascido extremamente
debilitado se levarmos em conta que o bebê não têm consciência de si, sentido
de futuro ou capacidade de se relacionar com os demais. “Se o feto não tem o
mesmo direito à vida que a pessoa, é possível que o bebê recém-nascido também
não tenha”, afirma o filósofo australiano, que atraiu a ira de grupos pró-vida
que o acusam de ser nazista, embora 3 de seus avós tenham morrido no
holocausto. “Pior seria prolongar a vida de um recém-nascido com deficiências
graves e condenado a uma vida repleta de sofrimento.”
É o caso de bebês com
anencefalia, que não têm o cérebro completamente formado. Dos fetos anencéfalos
que nascem vivos, 98% morrem na 1ª semana. Os outros, nas semanas ou meses
seguintes. Nesse caso, é melhor prolongar a existência do bebê ou abortar para
evitar o sofrimento da criança? “Provavelmente, a vida de um chimpanzé normal
vale mais a pena que a de uma pessoa nessa condição. Assim, poderia dizer que
há circunstâncias em que seria mais grave tirar a vida de um não-humano que de
um humano”, alega Singer. A tese é recebida com desprezo no campo adversário.
“Há testemunhos entre pais de pacientes desenganados pela medicina de que é
possível viver uma positividade mesmo dentro da situação de sofrimento”, afirma
Dalton Luiz de Paula Ramos, professor da USP e coordenador do Projeto Ciências
da Vida, da PUC-SP. Em julho de 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu
liminar liberando o aborto de fetos anencéfalos no país. A decisão final da
Justiça, que legalizou definitivamente o aborto de anencéfalos no Brasil, saiu
em abril de 2012.
A cura dentro de nós
Perto da deficiência física,
porém, o nascimento de fetos anencéfalos é um problema pequeno. Segundo o IBGE,
existem 937 mil brasileiros paraplégicos, tetraplégicos ou com um lado do corpo
paralisado. Sem conseguir se mexer, muitos acabam morrendo por causa das
escaras, feridas na pele criadas pela falta de circulação do sangue. Foram elas
que mataram o ator americano Christopher Reeve,
célebre no papel do Super-Homem e ativista em prol dos estudos com
células-tronco. Desde a década de 1980, esse tipo de células vem dando
esperança a quem antes pensava que nunca voltaria a andar. Mas o futuro dessas
pesquisas também está ligado à polêmica sobre onde começa a vida humana.
Do mesmo modo que as primeiras
células que formam o embrião humano, as células-tronco são como curingas: ainda
não foram diferenciadas para formar os tecidos que compõem o organismo. Podem
se transformar em células ósseas, renais, neurônios, dependendo da necessidade
e do poder de regeneração de cada órgão. Mesmo depois do nascimento, o corpo
conserva essas células, sobretudo no cordão umbilical e na medula óssea.
Injetando ou incentivando a migração de células-tronco adultas da medula para o
coração, por exemplo, os cientistas estão conseguindo fazer o principal órgão
humano se regenerar. Em pouco mais de um mês, pacientes com insuficiência
cardíaca provocada por infartos ganham vida nova. A idéia é que a técnica das
células-tronco, eleita pela revista Science como a mais importante pesquisa
biológica do milênio, possa curar problemas renais, hepáticos, lesões da medula
espinhal, mal de Alzheimer e até possibilitem a criação de órgãos em
laboratório.
Até aí, nenhum conflito ético. Em
1998, porém, descobriu-se que as células-tronco mais potentes, capazes de se
transformar em qualquer um dos 216 tecidos humanos e se replicar com grande
velocidade, são as originais, o resultado da fecundação do óvulo com o
espermatozóide. Os cientistas utilizam embriões com 3 a 4 dias de desenvolvimento
(e entre 16 e 32 células), que sobram do processo de fertilização in vitro em
clínicas especializadas. No laboratório, as células-tronco são retiradas num
processo que provoca a destruição do embrião. Mas, se a vida começa na
fecundação, os cientistas estariam lidando, em seus tubos de ensaio, com seres
humanos vivos. O mesmo problema ético acontece com a inseminação artificial,
que cria diversos embriões em laboratório e depois os descarta ou os congela.
Não só os religiosos consideram essas técnicas um absurdo.
“Assim como não dá para dizer que
matar um jovem é melhor que matar um adulto, não há diferença de dignidade
entre um embrião e um feto de 6 meses”, afirma o professor Dalton, da USP. Um
embrião, apesar de ser um amontoado de meia dúzia de células, muito menos
complexo que uma mosca, carrega toda a informação genética necessária para a
formação de um indivíduo. Nos seus 23 cromossomos paternos e 23 maternos, estão
os 30 mil genes que determinarão os traços, a cor dos olhos, da pele, do cabelo,
além de doenças como a síndrome de Down.
Pensando nisso, países como a França
chegaram a proibir pesquisas com células-tronco embrionárias. Hoje, os
franceses permitem esses estudos, assim como a maioria dos outros países
europeus e do Brasil. Desde março de 2005, a Lei de Biossegurança permite o uso
de embriões descartados por clínicas de fertilização e congelados há pelo menos
3 anos – o prazo foi definido para evitar a produção de embriões exclusivamente
para estudos. Há no país 20 mil embriões em condições de pesquisa dentro da
lei. Mas uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador-geral da
República Claudio Fonteles coloca o assunto em xeque.
Quer dizer então que o governo
brasileiro proíbe o aborto mas permite a manipulação de embriões humanos vivos?
Depende do que você considera humanos vivos. “A vida começou há milhões de anos
e cada um de nós é fruto contínuo daquele processo”, afirma Fermin Roland
Schramm, presidente da Sociedade de Bioética do Estado do Rio de Janeiro
(Sbrio). “A pergunta pertinente não é quando começa a vida, mas quando começa
uma vida relevante do ponto de vista ético. Um embrião num tubo de ensaio é
apenas uma possibilidade de vida, assim como eu sou um morto em potencial, mas
ainda não estou morto.” Como logo após a fertilização o zigoto tem grande
probabilidade de não se tornar uma gravidez e ainda pode se dividir, alguns
cientistas preferem chamar o embrião que ainda não se fixou no útero de
“pré-embrião”. “A ética considera relações entre seres, entre um ‘eu’ e um
‘tu’. É difícil considerar um embrião um ‘tu’”, diz Fermin. “Já quando ele
começa a estabelecer uma relação com a mãe, a interrupção do processo passa a
ser mais problemática do ponto de vista moral.”
Outro ponto a favor dos que estão
mexendo com os embriões é que novidades da ciência sempre assustaram. Foi assim
com a fertilização artificial, com o transplante de coração e até com a
transfusão de sangue. Hoje, esses avanços são essenciais para a saúde pública.
“A única certeza que temos em relação às células-tronco adultas, encontradas no
cordão umbilical, é que elas podem se diferenciar em células sanguíneas”,
afirma a geneticista Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da USP,
considerada a principal voz da classe científica na aprovação do dispositivo da
Lei de Biossegurança que trata da pesquisa com células-tronco embrionárias.
“Nunca vamos descobrir o potencial das células-tronco embrionárias se não
pudermos estudá-las.”
Polêmicas à parte, às
células-tronco embrionárias mostram que a solução para os males que perturbam o
ser humano pode estar em nós mesmos. Ao contrário da discussão sobre o aborto,
a polêmica das células-tronco surgiu com o esforço de fazer aleijados levantar
e andar, doentes renais ganhar órgãos novos, cardíacos ter o coração reforçado.
É um jeito de usar a essência da vida para encarar o maior inimigo da ciência:
a morte, que também está no grupo das palavras que provocam unaniminade. É
impossível gostar dela. O problema é que também não sabemos exatamente o que é
morte. É quando o coração pára? Quando o cérebro deixa de funcionar? Cenas para
a próxima reportagem.
FECUNDAÇÃO
Espermatozóides tentam penetrar
no óvulo. Quando um deles vence a disputa, ainda são necessárias 24 horas até
que as duas estruturas se fundam num único zigoto.
40 HORAS
Depois da fecundação, o número de
células do zigoto dobra a cada 20 horas.
14 DIAS
O embrião chega à parede do
útero. A menstruação pára e a mãe começa a suspeitar que está grávida.
4ª SEMANA
Uma versão rudimentar do que um
dia será o coração começa a bater. O embrião mede cerca de 4 milímetros, o
tamanho de um feijão.
6ª SEMANA
A aparência humana se define com
o aparecimento dos primeiros órgãos. Já é possível reconhecer onde estão
coração, cérebro, braços e pernas. O tamanho chega a 1 centímetro.
10ª SEMANA
O feto apresenta ondas cerebrais,
podendo responder a estímulos, e ganha unhas. O fígado começa a liberar a
bílis. Para muitos cientistas, neste estágio ele já é capaz de sentir dor.
17ª SEMANA
A mãe começa a sentir movimentos
do feto, que já tem músculos e ossos. Nas próximas 3 semanas ele passará de 8,5
para 15 centímetros de tamanho.
5 MESES
O pulmão está pronto – é a última
estrutura vital a se desenvolver. A partir daqui, o feto tem chances de
sobreviver fora do útero.
Fonte: José Roberto Goldim
(Ufrgs)
DIFERENTES INTERPRETAÇÕES DA CIÊNCIA
Visão genética
A vida humana começa na
fertilização, quando espematozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes
para formar um indivíduo com um conjunto genético único. Assim é criado um novo
indivíduo, um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro. É também a
opinião oficial da Igreja Católica.
2. Visão embriológica
A vida começa na 3ª semana de
gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque até 12
dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a
duas ou mais pessoas. É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia
seguinte e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez.
3. Visão neurológica
O mesmo princípio da morte vale
para a vida. Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no
cérebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma
pessoa. O problema é que essa data não é consensual . Alguns cientistas dizem
haver esses sinais cerebrais já na 8ª semana. Outros, na 20ª .
4. Visão ecológica
A capacidade de sobreviver fora
do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida.
Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões
prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Foi o critério
adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do
aborto.
5. Visão metabólica
Afirma que a discussão sobre o
começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no
qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozóides e óvulos são tão
vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um
processo contínuo e não deve ter um marco inaugural.
RESPOSTAS DA RELIGIÃO
1. Catolicismo
A vida começa na concepção,
quando o óvulo é fertilizado formando um ser humano pleno e não é um ser humano
em potencial. Por mais de uma vez, o papa Bento 16 reafirmou a posição da
Igreja contra o aborto e a manipulação de embriões. Segundo o papa, o ato de
“negar o dom da vida, de suprimir ou manipular a vida que nasce é contrário ao
amor humano.”
2. Judaísmo
“A vida começa apenas no 40º dia,
quando acreditamos que o feto começa a adquirir forma humana”, diz o rabino
Shamai, de São Paulo. “Antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada
homicídio.” Dessa forma, o judaísmo permite a pesquisa com células-tronco e o
aborto quando a gravidez envolve risco de vida para a mãe ou resulta de
estupro.
3. Islamismo
O início da vida acontece quando
a alma é soprada por Alá no feto, cerca de 120 dias após a fecundação. Mas há
estudiosos que acreditam que a vida tem início na concepção. Os muçulmanos
condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco
para a vida da mãe. E tendem a apoiar o estudo com células-tronco embrionárias.
4. Budismo
A vida é um processo contínuo e
ininterrupto. Não começa na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente
em tudo o que existe – nossos pais e avós, as plantas, os animais e até a água.
No budismo, os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias
outras. Entre as correntes buditas, não há consenso sobre aborto e pesquisas com
embriões.
5. Hinduísmo
Alma e matéria se encontram na
fecundação e é aí que começa a vida. E como o embrião possui uma alma, deve ser
tratado como humano. Na questão do aborto, hindus escolhem a ação menos
prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim,
em geral se opõem à interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em
risco a vida da mãe.
RESPOSTAS DA LEI
1. Brasil
Aqui, só há três situações em que
o aborto é permitido: em casos de estupro, quando a gravidez implica risco
para a gestante, ou em caso de fetos anencéfalos.
2. Eua
O aborto é permitido nos EUA
desde 1973, quando a Suprema Corte reconheceu que o aborto é um direito
garantido pela Constituição americana. Pode-se interromper a gravidez até a 24ª
semana de gestação – na época em que a lei foi promulgada, era esse o estágio
mínimo de desenvolvimento que um feto precisava para sobreviver fora do útero.
3. Japão
Foi um dos primeiros países a
legalizar o aborto, em 1948. A prática se tornou o método anticoncepcional
favorito das japonesas – em 1955 foram realizados 1 170 000 abortos contra 1
731 000 nascimentos. Hoje, o aborto é legal em caso de estupro, risco físico ou
econômico à mulher, mas apenas até a 21ª semana – atual limite mínimo para o
feto sobreviver fora do útero.
4. França
Desde 1975 as francesas podem
fazer abortos até a 12ª semana de gravidez. Após esse período, a gestação só
pode ser interrompida se dois médicos certificarem que a saúde da mulher está
em perigo ou que o feto tem problema grave de saúde . Em 1988, a França foi o
primeiro país a legalizar o uso da pílula do aborto RU-486, que pode ser
utilizada até a 7ª semana de gestação.
5. Chile
Proíbe o aborto em qualquer
circunstância. A prática é considerada ilegal mesmo nos casos que colocam em
risco a vida da mulher. Em casos de gravidez ectópica – quando o embrião se
aloja fora do útero, geralmente nas trompas – a lei exige que a gravidez se
desenvolva até a ruptura da trompa, colocando em risco a saúde da mulher.
Para saber mais
O Futuro da Natureza Humana – Jürgen Habermas, Martins
Fontes, 2004
Bioética – Marco Segre e Cláudio
Cohen (org.), Edusp, 2002
Vida Ética – Peter Singer, Ediouro,
2002
Biologia do Desenvolvimento – Scott F. Gilbert,
Sociedade Brasileira de Genética, 1994
Fonte: https://super.abril.com.br/ciencia/vida-o-primeiro-instante/
MEU COMENTÁRIO: Na lei de Moisés conforme Êxodo 21:21,22, diz que se dois homens brigassem e na luta ferissem uma mulher grávida e ela abortasse, o que feriu pagaria uma multa ao marido da mulher. Se a mulher grávida morresse
Então a
pena para o culpado seria a morte: olho por olho, dente por dente, vida por
vida. Assim, a pena de morte seria no caso de morte da mulher e não do feto,
cuja punição seria uma multa. Ou seja, por mais chocante que possa parecer, mas
no único mandamento da Bíblia que fala sobre o aborto, descrito na lei mosaica,
a vida do feto tinha menos valor que a da mulher.
Quem é
contra o aborto, cita como referências que a vida começa no útero, os seguintes
textos:
Jeremias
1:5; Salmo 119:16; Salmo 51:7; Eclesiastes 11:5. É bom lembrar que esses
versículos falam da vida já no útero, mas não falam que dia/semana/mês de
gestação ela começa e nem no caso de um embrião que ainda não se fixou no
útero. São questões em aberto.
A igreja
católica durante sua história já fixou o início da vida em três meses, 40 dias
e por aí vai. Atualmente defende que começa na concepção. O bispo Edir
Macedo da Igreja Universal, fez uma declaração polêmica ao dizer que em
determinadas circunstâncias (não indiscriminadamente) era a favor do aborto e
citou o texto bíblico de Mateus 26:24 para defender sua posição.
Particularmente sou contra o
aborto, mas há casos muito difíceis de se analisar. Acredito que deve-se ter um
cuidado pastoral de misericórdia com quem já praticou ou autorizou o mesmo.
Porque há somente um pecado imperdoável que é contra o Espírito Santo, os
demais havendo arrependimento e confissão podem ser perdoados (Salmo
103:3;9;10).