DEUS
NÃO deixou sem resposta as queixas dos profetas. Pôs-se a falar, defendendo a
maneira como dirigia o mundo. Desabafou. Explodiu. E eis o que disse:
“Não
estou calado; venho falando através de meus profetas”. Temos a tendência de
classificar as revelações de Deus de acordo com a impressão que causam; as
espetaculares aparições "ao vivo" colocamos lá no topo, milagres
sobrenaturais logo abaixo, e as palavras dos profetas lá embaixo. A bola de
fogo no Monte Carmelo, por exemplo, parece mais convincente do que um dos
lamentosos sermões de Jeremias. Mas Deus não reconheceu tal classificação. Numa
inversão irônica, ele apontou para os próprios profetas — aquelas mesmas
pessoas que questionavam seu silêncio — como uma prova de seu interesse. Como
uma nação pode se queixar do silêncio de Deus quando tem pessoas como Ezequiel,
Jeremias, Daniel e Isaías?
Deus
não considerava "simples palavras" como uma prova inferior. Milagres,
afinal, nunca tiveram um impacto muito duradouro na fé dos israelitas; mas os
profetas gravariam um registro permanente, a ser transmitido de geração em
geração, acerca das iniciativas de Deus para com seu povo. Algumas vezes Deus
apontava para os milagres do passado como provas de seu amor, mas com mais
freqüência dizia, exasperado, algo assim: "Desde o dia em que vossos pais
saíram da terra do Egito, até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os
profetas, todos os dias, começando de madrugada, eu os enviei. Mas não me
destes ouvidos nem me atendestes." Sua conclusão: na verdade o povo não
desejava uma palavra do Senhor. Conforme eles próprios advertiram Isaías: "Dizei-nos
cousas aprazíveis, profetizai-nos ilusões... não nos faleis mais do Santo de
Israel."
Retirei
de fato a minha presença.
Quando
os profetas se queixaram acerca do escondimento de Deus, este não discutiu.
Concordou com eles, e então explicou por que estava mantendo distância.
A
Jeremias Deus expressou seu desprazer com o que via em Israel: ganhos desonestos,
derramamento de sangue inocente, opressão, extorsão. Deus disse que cobria os
olhos, recusando-se até mesmo a ver as mãos humanas estendidas em atitude de
oração, pois essas mãos estavam cobertas de sangue.
A
Isaías Deus garantiu que seu braço não era curto demais para salvar Israel, nem
seu ouvido insensível demais para ouvir seus clamores, mas que havia dado as
costas por causa da injustiça, das mentiras e da violência. Furioso com a avareza
que tinham, Deus escondeu o seu rosto deles. A Ezequiel Deus explicou que, uma
vez que as rebeliões de Israel haviam ultrapassado um certo ponto, ele
simplesmente os entregou a seus pecados. Ele retirou-se, deixando que as
pessoas escolhessem seu próprio caminho e arcassem com as conseqüências.
A
Zacarias disse: "Visto que eu clamei e eles não me ouviram, eles também clamaram
e eu não os ouvi."
Minha lentidão em agir é um
sinal de misericórdia, não de fraqueza.
Quando
Deus não punia rapidamente, o povo de Israel concluía que ele devia ter perdido
seu poder: "Não é ele... Nenhum mal nos sobrevirá; não veremos espada nem
fome." Estavam errados. O fato de Deus se conter marcou um intervalo de
misericórdia, um "período de experiência" que ele estava concedendo a
Israel. Com relutância, tal qual um pai sem qualquer outra opção, Deus então
voltou-se para o castigo. Israel foi punido através de invasões estrangeiras.
Mas os profetas também falaram do "dia do Senhor" no final dos
tempos. Entre seus refulgentes relatos de um novo céu e uma nova terra estão
algumas das mais aterrorizantes visões apocalípticas já relatadas. Antes que
possamos ouvir a última palavra, disse Dietrich Bonhoeffer, temos de ouvir a
penúltima palavra. E quanto mais estudo os relatos proféticos acerca dos
últimos dias, mais satisfeito fico com a aparente "timidez" de Deus
em intervir nos negócios humanos.
Deus abertamente
admite que está refreando seu poder, mas ele se contém em nosso benefício. Para
todos os zombadores que clamam por uma ação direta dos céus, os profetas
têm uma palavra fatídica de conselho: Espere para ver!
Embora meus juízos pareçam
severos, estou sofrendo com vocês.
Deus
expôs aos profetas seus sentimentos mais profundos. Por exemplo, esta é a
maneira como se sentiu acerca da destruição de Moabe, um dos inimigos de
Israel:
“Por
isso uivarei por Moabe,sim, gritarei por todo o Moabe.... Por isso o meu coração
geme como flautas por causa de Moabe.
Uma
única frase de Isaías resume o ponto de vista de Deus: "Em toda a angústia
deles foi ele angustiado." Deus pode ter escondido o rosto, mas aquele rosto
estava marcado, marejado de lágrimas.
Apesar de tudo, estou pronto
para perdoar em qualquer hora que seja.
Com
freqüência, no meio de uma severa reprimenda Deus parava — literalmente no meio
de uma frase — e implorava a Israel que se arrependesse. Acabe, o mais ímpio
rei de Israel, obteve uma outra chance após o Monte Carmelo, e então uma outra,
e mais outra. "Não tenho prazer na morte do perverso", disse Deus
mais tarde a Ezequiel. "Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus
caminhos; pois, por que haveis de morrer, ó casa de Israel?" Ele contou a
Jeremias que, se pudesse encontrar uma única pessoa honesta em Jerusalém,
pouparia a cidade inteira.
Nada
expressa melhor o anseio divino em perdoar do que o livro de Jonas. Contém
somente uma única sentença profética: "Ainda quarenta dias, e Nínive será
subvertida." Mas, para desgosto de Jonas, aquele simples anúncio de condenação
deu origem a um reavivamento espiritual na cidade pagã de Nínive. E Jonas,
carrancudo, debaixo de uma trepadeira ressequida, disse que o tempo todo havia
suspeitado do coração mole de Deus. "Sabia que és Deus clemente, e misericordioso,
tardio em irar-se e grande em benignidade, e que te arrependes do mal." De
modo que a aventura louca de um profeta empacado, uma tempestade oceânica e uma
escala imprevista numa baleia ocorreram porque Jonas não pôde confiar em Deus —
isto é, não pôde acreditar que ele fosse cruel e inflexível para com Nínive.
Sentimento
Embora
Deus respondesse diretamente às perguntas dos profetas, suas explicações não
satisfizeram Israel. Conhecer a causa de uma catástrofe não reduz a sensação de
dor e traição. E, na verdade, a "defesa" racional de Deus parece ter
sido demasiadamente ligeira e resumida. Os profetas não estão tão interessados
em questões intelectuais quanto no sentimento de
Deus. Como é que é ser Deus? Para compreender, repare nas imagens humanas
enfatizadas freqüentemente pelos profetas: Deus como pai e como amante.
Deus
fez uso da infeliz história de Oséias para ilustrar as suas próprias emoções em
frangalhos. Aquele primeiro impulso de amor quando encontrou Israel, disse
Deus, foi como encontrar uvas no deserto. Mas, à medida que repetidas vezes
Israel abalou a confiança de Deus, este teve de suportar o terrível constrangimento
de um amante ferido. Suas palavras têm quase um tom de autocomiseração:
"Para Efraim serei como a traça, e para a casa de Judá como a podridão."
Os
profetas, e especialmente Oséias, comunicam uma mensagem acima de todas as
outras: Deus é a pessoa traída. Foi Israel, não Deus, que tinha se prostituído.
Os profetas de Israel expressaram uma profunda decepção com Deus, acusando-o de
agir à distância, sem envolvimento, calado. Mas, quando Deus falou, ele
derramou emoções acumuladas durante séculos. E ele, não Israel, foi a parte
verdadeiramente decepcionada.
"De
que outra maneira procederia eu?" Ou, em outras palavras, "Que mais posso
fazer?" A pungente pergunta de Deus a Jeremias ressalta o dilema de um Deus
onipotente que deu espaço à liberdade. As andorinhas nos céus conhecem as estações,
a maré chega na hora certa, a neve sempre cobre as montanhas elevadas, mas os
seres humanos não se parecem a qualquer outra coisa na natureza. Deus não quer
controlá-los. Por outro lado, ele é incapaz de simplesmente deixá-los de lado.
Ele é incapaz de apagar a humanidade de seu pensamento.
*
Referências
bíblicas: Jeremias 7; Isaías 30; Jeremias 5; Isaías 57; Ezequiel
20;
Zacarias 7; Jeremias 5, 48; Ezequiel 36; Isaías 63; Ezequiel 33; Jonas 3-4;
Jeremias
31, 5, 2; Oséias 9, 5; Jeremias 9.
*
* *
Nenhum
resumo dos profetas seria completo sem uma mensagem final: sua insistência, em
voz alta, de que o mundo não acabará numa "derrota final universal",
mas em Júbilo. Falaram em épocas agourentas a ouvintes tomados de temor, e
freqüentemente suas terríveis predições de secas e pragas de gafanhotos e exércitos
inimigos alimentavam esse temor. Mas sempre, em cada um de seus dezessete
livros, os profetas do Antigo Testamento finalmente chegavam a uma palavra de
esperança. O amante ferido irá se recuperar da dor, promete Isaías:"Por
breve momento te deixei, mas com grandes misericórdias torno a te acolher."
As
vozes dos profetas soam como pássaros canoros quando por fim voltam-se para
descrever o existente além dos muros do mundo. Naquele último dia, Deus
enrolará a terra tal qual um tapete e o tecerá de novo. Lobos e cordeiros se alimentarão
juntos no mesmo campo, e um leão pastará em paz ao lado de um boi. Um dia, diz
Malaquias, saltaremos como bezerros soltos do estábulo. Nessa ocasião não
haverá qualquer medo, nem qualquer dor. Nenhum recém-nascido morrerá; nenhuma
lágrima escorrerá. Entre as nações a paz fluirá como um rio, e de suas armas
exércitos fundirão ferramentas para a lavoura. Ninguém queixará do ocultamento
de Deus naquele dia. Sua glória encherá a terra, e o sol, em contraste,
parecerá escuro.
Para
os profetas, a história humana não é um fim em si mesma, mas um período de
transição, um parêntese entre o Éden e o novo céu e a nova terra que ainda
serão formados por Deus. Mesmo quando todas as coisas parecem fora de controle,
Deus está firmemente no controle, e algum dia reivindicará a sua autoridade.