Os principais reformadores protestantes contestaram
muitas doutrinas da Igreja Medieval, mas não manifestaram maiores preocupações
com a escatologia predominante, herdada de Agostinho. Todavia, Lutero afastou-se
de alguns aspectos do amilenismo da Idade Média. Por exemplo, ele questionou a
glória da Igreja Histórica, cria que o papado era a manifestação do Anticristo e
entendia a vinda do Senhor como uma ocasião feliz, e não como um dia de ira.
Como Lutero, Calvino rejeitou explicitamente a posição milenista, considerando-a
infantil e equivocada. Ele cria que a idéia do milênio impõe um limite ao reino
de Cristo. Em grande parte, a escatologia de Calvino concentrou-se no futuro dos
indivíduos. Nas Institutas da Religião Cristã, ele aborda a ressurreição final
no contexto de uma seção mais ampla sobre como os indivíduos recebem a graça de
Cristo. Para ele, a escatologia tem um sentido prático, pois a meditação sobre a
vida futura é um elemento essencial da vida cristã.
Muito diferente foi o entendimento desse assunto por
parte de alguns anabatistas extremados. O episódio que mais contribuiu para dar
uma reputação negativa ao anabatismo no século 16 ocorreu na cidade alemã de
Münster. Tudo começou em 1529, quando Melchior Hofmann começou a pregar sermões
apocalípticos em Estrasburgo anunciando a vinda literal e iminente do Reino de
Deus. Após três anos de pregação incessante, as autoridades o lançaram na
prisão, mas os seus seguidores, os melquioritas, surgiram por toda parte. Um
deles foi Jan Matthys, um padeiro de Haarlem, na Holanda. Proclamando ser
Enoque, a segunda testemunha do livro do Apocalipse, ele começou a pregar de
maneira agressiva e a enviar grupos de seguidores através dos Países Baixos.
Dois deles, Jan de Leyden e Gerard Boekbinder, foram para Münster, onde o
principal pregador da cidade, Bernhard Rothman, estava pregando idéias
anabatistas a grandes multidões.
Ouvindo as notícias, Matthys teve a visão de que
Münster deveria ser o local da Nova Jerusalém e mudou-se para aquela cidade com
os seus seguidores. No início de 1534, após a fuga de parte da população
católica e luterana, Matthys assumiu o controle de Münster. Iniciou-se um
período de repressão que visava "purificar" a cidade, com rebatismos forçados,
confisco de propriedades, queima de livros e a execução de um ferreiro pelo
próprio Matthys. No domingo de Páscoa de 1534, acompanhado de alguns seguidores,
Matthys atacou o exército do bispo que estava acampado fora da cidade, sendo
imediatamente morto e decapitado. Jan de Leyden assumiu a liderança, ungiu a si
mesmo rei, instaurou um reino de terror e introduziu inovações como a poligamia.
No dia 25 de junho de 1535, o exército do bispo invadiu a cidade e matou quase
todos os habitantes. Leyden e dois companheiros foram torturados até a morte com
ferros em brasa. A esperança de uma Nova Jerusalém havia terminado em tragédia.
A experiência americana
Nos séculos 17 e 18, com o advento do Iluminismo, houve um forte declínio do entusiasmo apocalíptico que havia caracterizado o cristianismo europeu durante vários séculos. Todavia, do outro lado do Atlântico surgiu uma nova maneira de encarar a escatologia que ficou conhecida como "pós-milenismo", a crença de que a segunda vinda iria ocorrer após um milênio de paz e prosperidade para a igreja, sendo o mesmo implantado através dos esforços da própria igreja, auxiliada por Deus. O pós-milenismo revelou uma atitude de profundo otimismo com relação ao progresso da igreja e da sociedade e foi uma doutrina geralmente aceita pelos protestantes norte-americanos até a segunda metade do século 19. Ela dominou a imprensa religiosa, os principais seminários e grande parte dos ministros, além de estar implantada na mentalidade popular.
O primeiro articulador dessa doutrina nos Estados
Unidos foi o famoso teólogo calvinista e pastor congregacional Jonathan Edwards
(1703-1758). No contexto do Primeiro Grande Despertamento, do qual foi um dos
principais personagens, Edwards anteviu uma era de contínuo avanço do evangelho
até que, por volta do ano 2000, surgisse o milênio, um período de paz, notável
conhecimento, santidade e prosperidade geral. A maior contribuição de Edwards
foi o entendimento de que essa obra resultaria de uma combinação da atuação do
Espírito Santo com o uso de meios, como a pregação do evangelho e o cultivo dos
"meios ordinários de graça". Para ele, essa visão pós-milenista era um incentivo
necessário para sustentar os melhores esforços da igreja.
A influência de Edwards continuou por várias
gerações, principalmente após a Revolução Americana, quando surgiu um renovado
interesse pela escatologia bíblica. Seu discípulo Samuel Hopkins publicou em
1793 um Tratado sobre o Milênio, dando grande ênfase ao ativismo social e
expressando a convicção de que a grande maioria dos seres humanos iria
converter-se. Suas expectativas pareceram confirmar-se com a ocorrência de um
avivamento muito mais vasto nas primeiras décadas do século 19, o Segundo Grande
Despertamento. Neste, o personagem de maior destaque foi o avivalista Charles G.
Finney (1792-1875), que levou às últimas conseqüências a ênfase de Edwards no
uso de meios por parte da igreja. Outro fervoroso partidário do otimismo
pós-milenista, Finney entendia que o avivamento não era um fenômeno
sobrenatural, mas resultava do uso apropriado de certas técnicas, as quais
denominou "novas medidas".
O contínuo progresso da nova nação norte-americana e
a ocorrência de ainda outro avivamento em 1858 intensificaram as esperanças
pós-milenistas, que eram expressas nos termos mais triunfalistas possíveis.
Porém, com a Guerra Civil (1861-1865) e os grandes problemas gerados pela
imigração, urbanização e industrialização, o entusiasmo pós-milenista entrou em
refluxo. Seus últimos vestígios se manifestariam no movimento do Evangelho
Social, no início do século 20, que ainda insistiu em falar na conversão da
sociedade e na implantação do Reino de Deus na terra. O cenário estava preparado
para o retorno triunfal do velho pré-milenismo abraçado por muitos cristãos
antes de Agostinho.
A era dispensacionalista
Em meio ao pós-milenismo dominante, começaram a
surgir nos Estados Unidos, ainda na primeira metade do século 19, diversos
movimentos de natureza fortemente apocalíptica, como foi o caso dos mórmons ("os
santos dos últimos dias") e seu profeta Joseph Smith. Outro líder influente foi
William Miller, um fazendeiro da Nova Inglaterra que, através do estudo da
Bíblia e especialmente de Daniel 8.14, concluiu que Cristo iria voltar em 1843
ou 1844. A partir de 1838, a grande divulgação de suas idéias através de
publicações e conferências despertou enorme interesse popular. Todavia, quando
as previsões de Miller não se materializaram, os seus seguidores ficaram
completamente desiludidos e amargurados com ele, que morreu quase esquecido em
1849. Mesmo assim, alguns de seus simpatizantes permaneceram firmes. Um pequeno
grupo da Nova Inglaterra, liderado por James White e Ellen G. White, concluiu
que Miller estava certo quanto à data, mas errado quanto ao local. No dia 22 de
outubro de 1844 Cristo de fato purificou o santuário segundo a profecia de
Daniel, mas o santuário estava no céu, e não na terra. Cristo não apareceu na
terra em virtude da não-observância do sábado por parte da igreja. Assim surgiu
a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Mais importante para o evangelicalismo
norte-americano e mundial foi o pré-milenismo dispensacionalista. As origens
desse movimento remontam ao inglês John Nelson Darby (1800-1882), um talentoso
líder dos Irmãos de Plymouth. Suas idéias foram popularizadas nos Estados Unidos
por C. I. Scofield através da sua famosa Bíblia Anotada. Esse sistema derivou o
seu nome do fato de dividir a história em diversas eras ou dispensações. Outra
peculiaridade estava na convicção de que Deus tem dois planos completamente
diferentes atuando na história: um para os judeus e outro para a igreja.
Todavia, sua doutrina mais controvertida e distintiva é a do arrebatamento da
igreja, quando Cristo virá para os seus santos, seguido da tribulação, da
consumação do plano de Deus em relação aos judeus e da segunda vinda, quando
Cristo virá com os seus santos. Então virá o milênio, seguido do juízo final e
dos novos céus e terra.
Inicialmente, os evangélicos conservadores viram o
dispensacionalismo com suspeitas. Todavia, a luta contra o liberalismo teológico
aproximou os dois grupos, permitindo que os pré-milenistas fossem conquistando
espaços. Em 1878, a Conferência Bíblica de Niagara aprovou uma declaração de fé
que incluía, além de uma abertura para o pré-milenismo, ênfases evangélicas
tradicionais como a autoridade das Escrituras e a necessidade da conversão
pessoal. Apesar das suas diferenças na área da escatologia, fundamentalistas e
pré-milenistas perceberam que possuíam muitas convicções comuns, o que os levou
a firmar alianças por algum tempo. O pré-milenismo também foi auxiliado pelo
apoio de líderes populares como o evangelista Dwight L. Moody e pela criação de
institutos bíblicos. O fato é que, no final do século 19, o pré-milenismo
parecia muito mais realista do que o pós-milenismo e os seus defensores
apontavam para um grande número de problemas sociais como "sinais dos tempos" e
evidências de que a sua posição era a mais correta.
O século 20
Um dos fenômenos mais importantes da história da
Igreja no século 20 foi o surgimento do movimento pentecostal, que teve como uma
de suas características mais distintivas o falar em línguas. Curiosamente, os
estudiosos apontam para o fato de que o pentecostalismo inicial tinha como
enfoque principal a segunda vinda de Cristo. O dom de se expressar em outras
línguas (xenoglossolalia) era visto simplesmente como um instrumento para a
colheita final de almas antes do arrebatamento da Igreja. Essa preocupação já
estivera presente em Edward Irving (1792-1834), um pastor presbiteriano escocês
que é tido como precursor do movimento carismático, e foi muito saliente nos
primeiros líderes pentecostais, Charles Fox Parham e William J. Seymour. Depois
de 1910, quando ficou claro que os missionários não estavam recebendo
habilidades miraculosas de falar em outras línguas humanas, os pentecostais
começaram a dar maior ênfase às línguas como evidência do batismo com o Espírito
Santo e como uma linguagem devocional de oração. Mesmo assim, a preocupação
escatológica não foi esquecida. Um exemplo disso é a Igreja do Evangelho
Quadrangular, que tem como uma das quatro convicções básicas implícitas no seu
nome a volta de Cristo.
Após a 2ª Guerra Mundial, o pré-milenismo despertou
um interesse sem precedentes graças a fenômenos como as armas atômicas, a
criação do Estado de Israel, a guerra fria entre os blocos capitalista e
comunista e o surgimento da união européia. O número de publicações sobre o tema
foi impressionante, os autores oferecendo as mais diferentes interpretações dos
eventos contemporâneos à luz das profecias bíblicas. Um grande campeão de vendas
por muitos anos foi o livro de Hal Lindsay, A Agonia do Grande Planeta Terra
(1970). Muitos filmes também foram produzidos nessa área, inclusive pela
indústria cinematográfica secular. O fim da União Soviética em 1989 e o
transcurso do ano 2000 apresentaram novos desafios e a necessidade de
reinterpretações, como também ocorreu com os atentados terroristas nos Estados
Unidos em 2001 e suas conseqüências. Os cristãos de todas as eras ficam
imaginando se o fim dos tempos não irá chegar na sua geração. Não poderia ser
diferente em nossos dias, principalmente à luz de acontecimentos tão
impressionantes que o mundo tem testemunhado. Importa que os seguidores de
Cristo cumpram as solenes tarefas que lhes foram confiadas... até que ele venha.
Fonte: http://www.mackenzie.br/6938.html
Sugestões bibliográficas:
- CLOUSE, R.G. Milênio, conceitos do. Em ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988-1990. Vol. II, p. 518-523.
- ERICKSON, Millard J. Opções contemporâneas na escatologia: um estudo do milênio. São Paulo: Vida Nova, 1982.
- GRIER, W. J. O maior de todos os acontecimentos. Campinas: Luz Para o Caminho.
- HILL, Craig C. O tempo de Deus: a Bíblia e o futuro. Apres. Timóteo Carriker. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2004.
- HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o futuro: a doutrina bíblica das últimas coisas. 2ª ed. São Paulo: Cultura Crist 2001.
- PATE, C. Marvin (Org.). As interpretações do Apocalipse. Coleção Debates Teológicos. São Paulo: Editora Vida.
- SHEDD, Russell. A escatologia e a influência do futuro no dia-a-dia do cristão. São Paulo: Shedd Publicações.
- SPROUL, R. C. Os últimos dias segundo Jesus. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
- SUMMERS, Ray. Digno é o Cordeiro: a mensagem do Apocalipse. 5ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1986.