Tudo começou em 1992, quando um juiz da comarca de Milão desvendou
um esquema de financiamento ilegal de campanhas. A operação expôs um
propinoduto envolvendo a maior petrolífera do país e terminou expedindo 3.000
mandados de prisão. O escândalo derrubou o governo do dia, implodiu os dois
partidos mais poderosos e pôs gente graúda na cadeia.
O
juiz responsável pela operação Mãos Limpas tinha 42 anos e uma equipe de
promotores jovens com quem aplicou a chamada "teoria dos jogos" a um
sistema de delações, fórmula que fez caciques dos partidos e magnatas da
indústria caírem como peças de dominó.
A
classe política reagiu, partindo para o ataque.
A
contra ofensiva inicial veio de Bettino Craxi, ex-primeiro-ministro e chefe do
partido socialista. Acusado de crimes de corrupção, favorecimento de familiares
e de empresas amigas, Craxi adotou a tática da vitimização: acusou a
investigação de ser seletiva e, ao condenar a esquerda, fazer o jogo da
direita. Craxi tentou justificar a comprovada roubalheira dizendo que todos os
partidos faziam o mesmo, mas foi condenado a 27 anos de prisão (livrou-se do
xilindró fugindo para a Tunísia, onde tinha casa de descanso e era amigo do
ditador Ben Ali).
A
segunda contraofensiva da classe política foi mais eficaz. Seu líder era um empresário
da mídia que estava prestes a ser condenado pela operação: Silvio Berlusconi.
Ele
saiu candidato, virou primeiro-ministro e, no centro do poder, usou o pódio não
apenas para se apresentar como vítima da sanha justiceira dos promotores, mas
para lançar contra eles uma campanha de difamação: acusou-os de serem
corruptos.
A
acusação nunca deu em nada, mas atrasou o calendário da operação, dividiu o
Judiciário e a opinião pública. A
pressão bastou para que o juiz responsável se demitisse e optasse por entrar
para a política.
Berlusconi
caiu em seguida, mas evitou a cadeia com táticas protelatórias e, seis anos
depois, voltou ao ataque, empossado de novo como primeiro-ministro. Desta
vez, sua ofensiva foi brutal. Em conluio com os principais partidos, ele
aprovou leis para limitar a autonomia do Judiciário, reduzir o poder dos
promotores e descriminalizar o caixa dois.
As
acusações contra ele foram arquivadas, abrindo-lhe o caminho para quase nove
anos de mandato.
Sem
dúvida, a operação Mãos Limpas representa uma faxina inédita na história da
Europa, mas sua vitória foi parcial. A Itália ocupa hoje o mesmo lugar nos
rankings internacionais de corrupção que ocupava antes do início da
investigação. Quem ganhou foram Berlusconi e sua turma, com apoio popular.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/matiasspektor/2016/03/1748249-maos-limpas.shtml