A igreja em nosso país tem a tendência de desenvolver uma relação ambígua com o poder político. No nosso caso, aqui no Brasil, o poder constituído não tentou nos enfrentar. Tal enfrentamento, na verdade quando acontece, é saudável, porque deixa a igreja livre da tentação de ser poderosa por vias humanas.
O que o poder político fez foi assimilar-nos, absorver-nos; e nós num certo sentido, permitimos que isso acontecesse. Quando eles sentiram que tínhamos uma teologia que nos ensinara uma atitude de quieta subserviência a qualquer tipo de poder constituído, uma compreensão de mundo que nos fazia viver em guetos fechados e relativamente organizados, e que éramos em quantidade suficiente para fazermos diferença em pleitos políticos. Viram que ao manipular-nos, poderiam alterar as coisas.
Hoje, a grandeza numérica da igreja evangélica brasileira, tornou-se um de seus maiores inimigos. Essa grandeza, é alienada, sem cabeça, sem ética, e que favorece toda e qualquer perspectiva de manipulação. Vivemos num momento, em que muitos, se sentiram deslumbrados com as oportunidades, os privilégios, os acenos, as portas abertas, as coisas que para a igreja evangélica são franqueadas. Só que isso a tem corrompido.
O que se viu foi o movimento passar no decorrer dos anos, de uma profunda alienação política, a uma participação política inescrupulosa e aética de um lado, e excessivamente apaixonada, do outro.
Observe a história de Israel e da igreja, e veja como os tempos da nossa maior simplicidade – quando a provisão financeira não vinha da mesa do rei, mas das viúvas e dos corvos – foram justamente os de maior vitalidade e vigor espiritual.
Não havia dinheiro para erguer grandes catedrais; até o século IV, a igreja cristã não soube o que era isso. Não havia dinheiro chegando dos impostos do Estado, verbas públicas para financiar a igreja, ou qualquer das “bênçãos da generosidade do rei”. No entanto, havia graça, paixão, generosidade e integridade.
Ouço frequentemente alguns irmãos muito “espirituais”, dizerem: “Ah, irmãos, que benção! O governo, tem uma verba reservada para o povo de Deus, aleluia”! Este é um aleluia constantiniano, que até o imperador, dá com prazer. Mas não é um aleluia, que os profetas ousariam pronunciar.
A leitura da Bíblia nos mostra que o povo de Deus deve depender o mínimo possível dos poderes políticos. Não se trata de uma questão de ter ou não direito a tais recursos. A questão é mais profunda. Ela tem a ver com o fato de que a história quase não tem registros de relação da igreja com as forças políticas dominantes ou a caminho de se tornarem, que não tenha redundado em rendição a tais poderes.
Muitas vezes, a igreja até cria uma teologia que justifique tal adesão. Tanto faz, se o grupo é de direita ou esquerda, o mesmo potencial para ser “apoio” leal ao Estado ou ao partido está evidente. Mudam-se apenas os termos, mas o resultado é o mesmo.
Um simples exemplo disso, poder ser verificado através da leitura dos folhetos de promoção elaborados por algumas comissões evangélicas de apoio a Alckmin e Lula nas eleições presidenciais de 2006. Nos folhetos que ambos os grupos divulgavam, abundaram expressões messiânicas do tipo:
“Ele tem cara de homem de Deus” (dito sobre Alckmin); “tem que ser sustentado pelas orações do povo de Deus como Moisés”, (dito sobre Lula); “é sábio e justo, como Daniel e José”, (falando sobre Alckmin); “todo verdadeiro cristão tem que votar em suas propostas de mudança” (referindo-se a Lula).
Tudo que disse acima, tem apenas a finalidade de mostrar que, conquanto a igreja tenha que ter algo a dizer aos poderes constituídos, todavia esse algo a dizer, não é qualquer coisa, tem que ser a Palavra de Deus. E dizer a Palavra de Deus, não é apenas ler a Bíblia para a pessoa. É mais do que aplicar certos postulados teológicos aprovados pelo consenso da igreja ou dos teólogos da moda.
Dizer a Palavra de Deus, tem a ver com o que Deus está dizendo naquela situação. E isso exige sintonia entre as Escrituras Sagradas e o momento de Deus para a ocasião. Tal conciliação só é possível, se estivermos com os nossos olhos atentos na Bíblia e no jornal, e os nossos ouvidos atentos ao sussurro de Deus, mediante a oração. Sem vida com Deus não há profetismo legítimo.
Porque senão, vai haver apenas ação política feita em nome de Deus. E não nos esqueçamos: Esse era o pecado dos falsos profetas.