sexta-feira, 21 de novembro de 2008

TAMBÉM SOU UMA ALMA SOBREVIVENTE

Li e reli “Alma Sobrevivente” do Philip Yancey (Mundo Cristão, 2004). No livro, Yancey confessa seu quase abandono da igreja evangélica. O fundamentalismo, racismo e obscurantismo de sua pequena comunidade no sul dos Estados Unidos quase o asfixiaram na fé. Identifiquei-me com o autor em seu desencanto.
Por outras razões, já pensei em me auto-exilar do mundo evangélico; aliás, já cogitei, até cometer um “suicídio institucional”. Só não o fiz porque minha biografia, como a dele, também foi marcada por gente, histórias comovedoras e testemunhos formidáveis que me preservam a fé cristã. Eu também posso listar pessoas e eventos que não me deixam desistir. Recordo-me de dois acontecimentos significativos.

Há alguns anos, fui convidado para pregar em uma igreja evangélica carismática no Canadá. Não me assustei com o clima quente dos cultos pentecostais canadenses. Vindo da Assembléia de Deus brasileira, já me acostumara com reuniões emotivas e sempre eufóricas. Falei em três ocasiões diferentes. No domingo, depois que findou o culto, fomos convidados para uma “reunião de grupo caseiro”. Essa igreja participava de um movimento que procurava identificar os interesses dos membros para estabelecer “redes ministeriais” que serviam para formar vínculos entre as pessoas e para evangelização. Na casa que fomos visitar, todos tinham o “dom de colecionar miniaturas de trens”.

O sistema funcionava da seguinte maneira: oito ou nove casais que se interessavam em colecionar miniaturas de trens, se reuniam semanalmente e, enquanto trocavam idéias, consertavam, montavam e faziam os trens passearem, desenvolviam boa fraternidade. Os encontros serviam também de “isca” para atrair pessoas refratárias à fé. Não-cristãos que se interessassem por trenzinhos poderiam ser convidados para essas reuniões e ser evangelizados.

Como éramos de um país pobre e nunca havíamos participado de uma fraternidade cristã que usava trens em miniatura para gerar interesse pelos conteúdos do evangelho, recebemos uma verdadeira aula sobre o funcionamento do grupo e sua lógica ministerial. Cada um queria mostrar sua coleção de vagões, a montagem dos trilhos e as mini-estações com minúsculos passageiros. Espantei-me com a quantidade de dinheiro gasto com o passatempo dos irmãos. Uma autêntica réplica de uma locomotiva a vapor do início do século 20, se não me engano, havia custado 8 mil dólares.

Fui dormir angustiado naquela noite. Meu coração não me deixava dormir. Eu me perguntava: “Onde o cristianismo ocidental se perdeu?”.

Cinco dias depois, cheguei aos Estados Unidos, no estado de Virginia, e preguei numa igreja também carismática. Quando terminou o culto do sábado, um rapaz me convidou para jantar na casa do reitor da Universidade Estadual. Segundo ele, o reitor já visitara o Brasil e se sentiria muito feliz em me conhecer.
A família freqüentava uma igreja presbiteriana bem formal em sua liturgia e bem liberal em sua teologia. Bastaram alguns minutos e entendi a ligação do casal com o Brasil.
Eles tinham uma família de treze filhos, todos adotivos e com alguma deficiência física. O casal decidiu que adotaria crianças de vários países do mundo em situação de abandono, ou por carregarem alguma doença genética ou por sofrerem algum estigma cultural. Assim, tinham uma filha coreana que era cega, surda e muda, um menino africano que nascera sem as pernas, dois ou três com síndrome de Down, e outros com diferentes anomalias genéticas. Os brasileiros eram três: uma menina cega, vinda do sertão da Paraíba e dois meninos infratores, que viviam abandonados nas unidades da Febem de São Paulo e Rio de Janeiro.

Sentamos à mesa e agradecemos a Deus pelo alimento; enquanto comíamos, eu tomava consciência que jamais seria o mesmo. A glória de Deus encheu aquele lar com uma leveza que, em alguns momentos, precisei me beliscar para perceber que não sonhava. Tentei conter minhas lágrimas que escaparam duas ou três vezes e que limpei com o guardanapo de papel. Não resisti e narrei para eles a diferença abismal entre aquela noite e a dos trenzinhos, que tanto me chocaram. O reitor, educado e discretíssimo, não quis alongar minha observação, apenas comentou: “É uma pena, lá eles nunca ouvirão a voz doce de uma criança, dizendo, ‘obrigado, papai’”!.

Despedi-me da família e minha jornada espiritual deu uma guinada. Primeiro, percebi como é fácil adequar o evangelho de Jesus Cristo à mentalidade consumista de uma classe média burguesa, e ainda justificar essa manipulação, com um rótulo espiritual. Depois, roguei para que minha vocação, como pastor pentecostal, não contribuísse para fomentar uma espiritualidade desencarnada. Eu já participara de muitos ambientes em que o clima emocional não se transformava em atos de justiça.

Mas acima de tudo, naquela noite, perdi alguns dos meus preconceitos. Eu fora treinado com uma formação teológica que evitava contato com os liberais. Gente que não lesse a Bíblia e não soubesse repetir o nosso catecismo, deveria ser mantida à distância. De repente, eu estava sentado à mesa de um homem que cultuava a Deus em uma igreja que eu considerava fria. Contudo, seus valores cristãos eram muito mais nobres que os meus. A partir daquele jantar, abri-me para pessoas que vivem fora dos contornos de meu gueto religioso. Aprendi que muitas vezes, outros também encarnam os valores do Reino de Deus até com mais exuberância do que os que se auto-intitulam defensores da sã doutrina.

Acredito que foi Santo Agostinho quem disse: “Deus já possui ovelhas em seu aprisco que a igreja ainda não alcançou”. Hoje celebro os gestos nobres de instituições como Médicos Sem Fronteiras, reverencio o altruísmo de freiras que cuidam de orfanatos e respeito a disposição de padres que se entregam a leprosos. Louvo a Deus por cristãos que, mesmo não participando de nenhuma instituição, comportam-se como bons samaritanos. Recordei-me das palavras de Jesus em Mateus 24:31-46.
Madre Teresa repetia que cuidava de mendigos e leprosos com todo amor, porque Deus poderia estar disfarçado no meio deles. E as palavras de Jesus confirmam: “Digo-lhes a verdade: o que vocês fizerem a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram”.


Fonte: www.ricardogondim.com.br

terça-feira, 18 de novembro de 2008

CUIDADO COM O BAILE DE MÁSCARAS

O apóstolo Paulo escrevendo aos coríntios disse: "Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor" II Cor 3:18. Soren Kierkegaard certa vez disse que, a vida é um baile de máscaras. Ele sabia que este, era o escudo atrás do qual as almas se escondiam de si mesmas, e, assim, tentavam ocultar suas faces também para a percepção dos demais. A maioria quer ser famosa, mas poucos querem ser conhecidos! Ora, usar máscaras, para muitos, não passa de truque, de um direito, de uma opção: ser ou não ser; mostrar ou não mostrar; como se tal bravata contra o próprio ser pudesse passar sem punição. Para muitos, esconder-se atrás das máscaras é apenas um questão de proteção ou de diversão inexaurível e viciante. Sim, acaba virando um vício do ser, a tal ponto que sem as máscaras muitos homens não suportam e morrem. Assim, para a maioria, sem o personagem, acaba a pessoa. Talvez esta seja a razão pela qual até agora, ninguém conseguiu conhecer você, pois toda revelação que você faz de “si mesmo”, é sempre uma ilusão. Você não sabe quem você é, mas apenas sabe qual deve ser a sua imagem, a sua máscara. Nesse caso, sua mais ardente e compulsiva tarefa na existência, consiste em preservar seu esconderijo. E, sem dúvida, devemos admitir que muita gente desenvolveu tal capacidade de transformismo com a mesma habilidade dos polvos miméticos. Sendo assim, diz Kierkegaard, “você é tão mais bem sucedido, quanto mais enigmática for a sua máscara”. Quando a existência se transforma “nisto”, eu e você viramos de fato nada além de NADA. Ou seja, passamos a ser apenas uma “relação com os outros”; e o que nos tornamos é unicamente em razão e em “virtude dessa relação”. A moral é a grande máscara. E os moralistas são o que detém o maior número de disfarces. Entre esses, o mais danoso de todos é o estelionatário da religião, o picareta que come as almas dos homens. Lobos mascarados de ovelhas! Muitos existem assim. Daí, quando acontecem catástrofes que lhes roubam as “máscaras”, ficam em estado de desespero, visto que, sem a máscara eles não possuem um rosto próprio, algo que a própria pessoa reconheça para si e como sua, e não apenas como um reflexo da imagem que os outros devolvem para você mesmo, supostamente acerca de quem você aparenta ser para eles. Desse modo, você vende imagem, e se alimenta dela. Mas no dia em que as máscaras são tiradas, muitos não conseguem mais viver, pois neles não há uma vida própria, mas apenas uma existência fabricada para consumo no Baile de Fantasias, que é a existência de muita gente. ”Você não sabe que vem a hora chamada “meia noite” na qual todos terão que lançar fora suas máscaras? Você crê realmente que a vida se deixará zombar para sempre? Ou talvez você pense que pode escapar um pouco antes da “meia noite” e fugir de tal hora? Ou será que você fica apavorado com essa idéia?”—pergunta o profeta. Você consegue pensar em algo mais apavorante do que ter que viver tal “meia noite” em sua existência na Terra ou em qualquer outro lugar onde isto possa lhe acontecer? Quem vive nesse Baile de Fantasias não tem idéia do que faz de mal à sua própria alma. Não existe droga mais viciante do que a força compulsiva da “máscara”. Aquele que se faz um com a mascara, faz-se um com o Nada, pois sua natureza vai se dissolvendo numa multiplicidade...e que acaba fazendo com que esse ser realmente se torne muitos. Pode acontecer, de se tornar semelhante àquele pobre Gadareno, ocupado por “infelizes demônios”; numa legião de falsas identidades, que não são suas identidades, e muito menos correspondem a você! Os demônios habitam sob máscaras. Por isto mascarados lhes são tão desejáveis residências. Pobre do auto-enganado que pensa que as máscaras o salvarão! Tire de sua cara a máscara. Do contrário, você poderá vir a perder a coisa mais sagrada e preciosa de um ser humano - o poder unificador da personalidade, e a capacidade abençoada de se tornar alguém que seja realmente você. Deixe que Deus retire o véu da sua face para que você possa, com cara descoberta refletir a glória do Senhor, sendo transformado pelo Espírito Santo, na imagem de Jesus Cristo.