Pastores evangélicos citam o versículo "Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte do que eu e me venceste no teu amor", do livro de Jeremias (20,7), para descrever as dificuldades do sacerdócio. Deus precisaria seduzir, enganar, persuadir ou iludir —dependendo da tradução— a pessoa chamada ao trabalho religioso para ela abdicar de interesses pessoais e confortos em nome do serviço ao próximo.
Pastores brasileiros, entretanto, são vistos mais como sedutores financeiros do que como pessoas seduzidas pela fé. Na semana passada, um leitor desta coluna ironizou a ideia de que pastores poderiam sofrer de burnout. Para isso acontecer, ele defendeu, pastores precisariam trabalhar. "E é muito mais fácil viver de dízimos que, em seus bolsos, se transformam em mansões, carrões, jatinhos e vida nababesca."
Essa visão generalizada, porém, não reflete a realidade de um grupo composto majoritariamente por pobres periféricos. "A maioria das igrejas evangélicas são pequenas, com 50 ou 100 pessoas", conta Gutierres Siqueira, jornalista e autor de "Quem Tem Medo dos Evangélicos". "Muitos pastores não recebem salário da igreja. Eles têm seus empregos e pagam o dízimo como os outros membros."
Conversei com profissionais da saúde para conhecer as queixas desses religiosos. O psicólogo e pastor Daniel Guanaes, que atende pastores há 17 anos, enfatiza que o esgotamento não é resultado da pregação nos cultos, mas da exposição diária ao sofrimento. "A rotina deles inclui atividades como sepultar, acompanhar vítimas de violência e aconselhar casais atravessando crises de relacionamento." Mas, para Daniel, é insuficiente apresentar pastores como heróis. "Tem uma beleza nesse altruísmo, mas isso tem um preço: abrir mão de cuidar de si e da própria família."
O teólogo e psicoterapeuta Zenon Lotufo Junior, autor de "Teologia e Plenitude Humana", observa que pastores também adoecem ao tentar conciliar as contradições na doutrina cristã. Enquanto pregam sobre um Deus de amor, também lidam com a ideia de um Deus rigoroso e vingativo, o que pode criar conflitos internos. E Zenon acrescenta que aqueles que se desencantam com sua atividade têm mais um motivo para angústia: eles continuam a pastorear quando já não creem, porque é a única coisa que sabem fazer.
Existem organizações que oferecem ajuda por meio de profissionais que têm a mesma crença. Os associados do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos atendem em todos os estados cobrando honorários simbólicos ou gratuitamente. Mas muitos pastores dispensam o tratamento por acreditar que pedir ajuda é o mesmo que demonstrar fraqueza e ter pouca fé. "Mas quando eles têm azia, tomam remédio", brincou um interlocutor.
A matéria é de Juliano Spyer, colunista do jornal Folha de São Paulo e autor do livro: "O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam", lançado em 2020.
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