sexta-feira, 9 de abril de 2021

Subsídio para EBD - O propósito dos dons espirituais

 Dando prosseguimento ao estudo dos dons, na aula de hoje atentaremos para o propósito dos dons, com ênfase nos espirituais. Inicialmente contextualizaremos os dons na igreja de Corinto, para a qual Paulo destinou a Epístola em foco. Em seguida, mostraremos que essa era uma igreja que, embora tivesse muitos dons, caracterizava-se pela carnalidade. Ao final ressaltaremos o propósito dos dons espirituais, tomando por base a orientação de Paulo aos coríntios, bastante apropriadas para os dias atuais.


A IGREJA DE CORINTO
A Igreja de Corinto se vangloriava dos dons espirituais, recebendo o testemunho de Paulo que não faltava tais manifestações entre eles (I Co. 1.7). Corinto era uma cidade da antiga Grécia, uma metrópole nos tempos de Paulo. Em virtude da influência helenista, era berço da filosofia antiga, por conseguinte, intelectualmente arrogante. Por ser uma cidade próspera, enfatizava a busca pelos recursos materiais, e ao mesmo tempo, entregava-se à promiscuidade. Paulo fundou a igreja de Corinto juntamente com Prisca e Áquila (At. 16.19), e sua equipe missionária (At. 18.5). O Apóstolo dos gentios permaneceu naquela localidade por dezoito meses, durante sua segunda viagem missionária (At. 18.1-17). Tratava-se de uma igreja mista, composta por judeus e gentios, alguns deles provenientes do paganismo. A Primeira Epístola aos Coríntios, na qual Paulo abordou com propriedade os dons espirituais, foi escrita durante seu ministério em Éfeso (At. 20.31), na sua terceira viagem missionária (At. 18.23 – 21.16). Durante sua estada em Éfeso Paulo tomou conhecimentos dos vários problemas pelos quais passava a igreja de Corinto (I Co. 1.11), em seguida um grupo de irmãos entregou uma carta a Paulo, reportando as dificuldades encontradas, e solicitando auxílio do apóstolo para a resolução dos problemas (I Co. 16.17). Mesmo sendo uma igreja fervorosa, ou seja, que tinham dons espirituais, também tinha forte propensão à carnalidade (I Co. 3.1-3), isso revela que uma igreja que tem os dons do Espírito não necessariamente é espiritual. Isso acontece porque a evidência de espiritualidade não está nos dons, mas no amor (I Co. 13), mais propriamente na produção do fruto do Espírito (Gl. 5.22). Dentre os problemas de Corinto destacamos: divisão e partidarismo (I Co. 1.10-13; 11.17-22), tolerância de pecado até mesmo do incesto (I Co. 5.1-13), imoralidade sexual generalizada (I Co. 6.12-20), disputas judiciais entre os cristãos (I Co. 6.1-11), liberalismo em relação ao pecado (I Co. 8.10), comportamentos inadequados no casamento (I Co. 7) e escândalos no culto público, bem como na celebração da Ceia (I Co. 11,12 e 14).

OS DONS ESPIRITUAIS EM CORINTO
Dentre os problemas de Corinto, o uso inadequado dos dons espirituais é um dos principais, Paulo dedica boa parte da I Epístola a dar esclarecimentos a esse respeito. Os coríntios não compreendiam o propósito dos dons espirituais na igreja, por isso o apóstolo os instrui para que não sejam ignorantes (I Co. 12.1). Esses dons (pneumática) não deveriam servir para a ostentação, eram chamismata, portanto uma graça de Deus, para desempenhar determinados ministérios, com vistas ao que fosse útil (I Co. 12.7). Havia uma tendência ao individualismo na igreja de Corinto, a preocupação com os outros deveria ter proeminência. Por isso Paulo admoesta os crentes à busca dos dons, isto é, ele não proíbe que os use, contanto que seja com decência e ordem (I Co. 14.40). O culto não deveria ser uma bagunça, as manifestações do Espírito deveriam ser ordenadas. Além disso, o objetivo do culto deveria ser glorificar a Cristo (I Co. 12.3), os dons não podem ser um fim em si mesmo. Os dons podem e devem ser buscados, mas tendo em mente que existem dons superiores, e que tal gradação depende da funcionalidade, e mais precisamente da utilidade. Quanto mais útil for o dom, mais importante será, por isso quem profetiza tem preeminência diante daquele que fala línguas, a menos que haja quem interprete (I Co. 12.31; 14.28). O critério da alteridade é importante na manifestação dos dons espirituais. Se considerarmos esse ensinamento, nos preocuparemos menos conosco e mais com os outros. É justamente por esse motivo que o fruto do Espírito tem prioridade sobre os dons do Espírito. A igreja cristã não precisa fazer opção ou pelos dons ou pelo fruto, há lugar tanto para um quanto para o outro. A demonstração de maturidade de uma igreja está na demonstração tanto dos dons quanto do fruto. O caminho sobremodo excelente é o do amor-agape (I Co. 12.31), somente em amor os dons espirituais cumprem seu propósito (I Co. 14.1). Sem o amor-agape de nada adianta falar as línguas dos anjos e dos homens, ter o dom de profecia, conhecer todos os mistérios e toda ciência (I Co. 13.1,2). O amor-agape, diferentemente da carnalidade egoísta, se caracteriza pela disposição para sofrer pelo outro, benignidade, e tratamento não leviano. Além disso, quem tem o amor-agape não é soberbo, não se porta com indecência, não é invejoso, não busca seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (I Co. 13).

O PROPÓSITO DOS DONS
É no contexto do amor-agape, com sua marca sacrificial, que os dons espirituais encontram seu real propósito, podem ser manifestos de acordo com a vontade do Espírito (I Co. 12.11), de acordo com as necessidades, e ao mesmo tempo, o interesse dos crentes (I Co. 12.31). Por isso os dons espirituais não dependem da santificação do crente, é possível que um crente seja carnal e mesmo assim manifeste algum dom (Gl. 5.22,23). É preciso esclarecer também que existem crentes nas igrejas que podem manifestar certa regularidade em um dom, mesmo assim eles não podem pensar que são proprietários dos dons. Isso porque os dons são do próprio Espírito Santo, sendo distribuídos à igreja, a fim de cumprir propósitos específicos. Os crentes também podem buscar mais de um dom, essa inclusive é uma recomendação paulina (I Co. 14.1). Mas dificilmente alguém terá todos os dons, mesmo aqueles apresentados em I Co. 12, tendo em vista que o Espírito opera na diversidade, visando à unidade (I Co. 12.5). Os dons do Espírito Santo visam: 1) manifestar a graça, o poder, e o amor do Espírito entre o povo, nas reuniões públicas, nos lares, nas famílias e nas atividades pessoais (I Co. 12.4-7; 14.25); 2) ajudar a tornar eficaz a pregação do evangelho aos perdidos, confirmando de modo sobrenatural a mensagem do evangelho (Mc. 16.15-20; At. 14.8-18); 3) suprir as necessidades humanas, fortalecer e edificar espiritualmente, tanto a congregação (I Co. 12.7,14-30), como os crentes individualmente (I Co. 14.4); 4) batalhar com eficácia na guerra espiritual contra as hostes satânicas (At. 8.5-7; 26.18). Os dons espirituais devem ser utilizados na comunidade de fé, isto é, na igreja para a edificação uns dos outros (I Co. 12.25). Os dons são disponibilizados pelo Espírito para edificar (gr. oikodomeo), ou seja, fortalecer a vida espiritual da igreja (I Co. 14.26).

CONCLUSÃO
Os dons do Espírito Santo estão disponíveis para a igreja contemporânea, por isso devemos buscar todos os dons, e mais precisamente os melhores, aqueles que edificam os outros. Uma igreja madura não despreza os dons espirituais, sabe que eles são úteis para o fortalecimento da fé. Mas os crentes precisam equilibrar os dons com o fruto, pois de nada adianta uma igreja fervorosa, com muitos dons, mas que não cultiva o fruto do Espírito. Devemos buscar com zelo os melhores dons, principalmente profetizar, mas sem esquecer-se do caminho sobremodo excelente, o amor-agape (I Co. 12.31; 13.1-7).

BIBLIOGRAFIA
OLIVEIRA, F. H. T. de. O batismo no Espírito Santo e os dons espirituais. Mossoró: Queima-Bucha, 2013.
STAMPS, D. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1995.


Fonte: www.subsidioebd.blogspot.com

Direito à vida e liberdade religiosa: os argumentos dos ministros do STF na sessão que vetou cultos na pandemia

 


O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para decidir, nesta quinta (08/4), que governadores e prefeitos podem proibir a realização de cultos religiosos com objetivo de conter o contágio da covid-19.

A maioria da Corte considerou que restrição não fere a liberdade religiosa, pois é temporária e necessária para garantir o direito à vida em meio a uma pandemia que já matou mais de 345 mil pessoas no Brasil e o número de óbitos vem crescendo nas últimas semanas.

Os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Luiz Fux e Rosa Weber votaram a favor da possibilidade de restrição dos cultos religiosos. O relator do caso, Gilmar Mendes, já havia votado também nesse sentido na quarta.

Já o ministro Kassio Nunes Marques foi contra a possibilidade de governadores e prefeitos proibirem a realização de cultos religiosos, acompanhado por Dias Toffoli.

Nunes Marques já havia liberado no sábado a realização de celebrações religiosas em todo o país em uma decisão liminar (provisória). Sua decisão atendeu a um pedido da Anajure (Associação Nacional dos Juristas Evangélicos). Seu voto foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli, que não leu as justificativas de seu voto em voz alta.
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Ainda faltam votos de outros ministros, mas com placar de 6x2, já há maioria para a decisão.

A decisão do STF, no entanto, é que Estados e municípios podem estabelecer a restrição temporária de cultos religiosos. A proibição ou liberação de fato dos cultos vai depender da decisão das autoridades locais.

Com a formação da maioria, houve uma pacificação no STF quanto ao assunto, já que até então havia duas decisões individuais conflitantes.

Além da decisão de Kassio Nunes proibindo estados e prefeituras de decretar a proibição de cultos, havia também uma decisão liminar concedida por Gilmar Mendes na segunda (5/4), autorizando o Estado de São Paulo a proibir cultos religiosos na pandemia.

Essa ação sobre São Paulo foi analisada na quinta pelo plenário, mas o resultado terá repercussão sobre outros casos, incluindo o julgado por Nunes Marques a pedido da Anajure.

Pessoas orando em culto

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Cultos podem reunir uma combinação 'explosiva' para a disseminação da covid-19

'Não sou negacionista', diz Nunes Marques

No julgamento de quinta, Nunes Marques afirmou que a proibição de cultos e cerimônias religiosas é uma violação da liberdade religiosa e reclamou de ter sido "tachado de negacionista" por sua posição.

"Há atmosfera de intolerância, em que falar de direitos das pessoas é taxado de negacionismo", disse Nunes Marques. "Tenho ouvido que vivemos a pior crise sanitária dos últimos 100 anos. É verdade. Mas também vivemos uma das maiores crises de direitos individuais e coletivos dos últimos 100 anos."

Nunes Marques afirmou que a proibição de cultos na pandemia poderia fazer com que prefeitos e governadores "acabassem com grupos religiosos".

Disse também, sem citar nenhuma evidência, que não está havendo transmissão nas igrejas. "Sabemos onde essa doença está sendo transmitida: festas, baladas e bares estão lotados, sem distanciamento nem máscara. Não são nos cultos e nas missas que a pandemia está ganhando força".

Afirmou ainda que as condições que sugeriu para a abertura das igrejas — distanciamento entre os fiéis, máscaras obrigatórias, janelas abertas e limitação do público a 25% da capacidade — são "mais restritivas" que muitos protocolos locais.

Nunes Marques fez diversas críticas à imprensa durante seu voto, dizendo que foi chamado de negacionista e genocida e que 85% dos estados e 75% das capitais já autorizavam cultos presenciais antes de sua decisão, "estatística ignorada pela mídia".

Cultos, como este feito na páscoa na Igreja Mundial do Poder de Deus, formam grandes aglomerações

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Cultos, como este feito na páscoa na Igreja Mundial do Poder de Deus, podem formar grandes aglomerações

'Estado não se mete na fé, fé não se mete no Estado', diz Alexandre de Moraes

O segundo a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, que começou criticando os argumentos dos advogados que pedem pela abertura dos templos.

"Vendo as sustentações orais de ontem, fui checar o que estamos julgando: se era algum decreto proibindo alguma religião. Algumas coisas que ouvi eram inacreditáveis", afirmou Moraes.

"Há templos onde cabem 100 mil pessoas. Com 25%, é uma aglomeração de 25 mil pessoas", afirmou Moraes. De acordo com a Constituição, a restrição de aglomeração com base na defesa da vida não é um atentado à liberdade religiosa, disse o ministro.

"Como se restrição a escola fosse contra educação, restrição a comício fosse contra liberdade política. O que está em jogo é a defesa da vida! 4 mil mortes por dia. Onde está a empatia?"

"Continuo defendendo a liberdade de culto e de associação religiosa", afirmou Alexandre de Morais. "E o Estado laico. Porque a liberdade religiosa vai para os dois lados. O Estado não pode se meter na minha fé, mas as religiões também não podem impor seus dogmas ao Estado."

Proibição é essencial em contexto de falta de vacinas, diz Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, já havia votado na quarta e também teve posicionamento a favor da possibilidade de Estados e municípios proibirem cultos e assembleias religiosas.

Embora o direito à liberdade religiosa esteja garantido na Constituição brasileira, o ministro considera que ele pode ser restringido, tendo em vista a necessidade de medidas que reduzam o contágio da doença.

"A Constituição Federal de 1988 não parece tutelar um direito fundamental à morte", afirmou Mendes em seu voto.

Mendes ressaltou ainda que o STF já reconheceu no ano passado o poder de prefeitos e governadores de adotar medidas sanitárias para conter a pandemia.

"Assim o fez o Supremo Tribunal Federal levando em consideração pretensões do governo federal de obstar os Estados e municípios de adotar uma das poucas medidas que, por comprovação científica, revela-se capaz de promover o achatamento da curva de contágio de coronavírus, qual seja, o lockdown. Talvez a única disponível em um contexto de falta de vacinas", reforçou.

O ministro citou também, em seu voto, exemplos de outros países que adotaram restrições a atividades religiosas, como decisão da Suprema Corte alemã de abril de 2020 que recusou pedido para liberar cultos nas vésperas da Páscoa do ano passado.

'Restrições não são exclusivas para religiosos', diz Fachin.

Para Fachin, que também votou a favor da restrição, inconstitucional não são os decretos que estabelecem restrições, mas a falta de ação diante da gravidade da pandemia.

"A medida não impede realização de medidas não-presenciais", lembrou Fachin, e não "é absoluta, nem permanente".

"E não é exclusiva para religiosos - também estão restritas atividades esportivas, políticas, etc em que haja aglomeração", afirmou Fachin.

Ciência e não ideologia, diz Barroso

O ministro Luis Roberto Barroso lembrou que há consenso científico de que o isolamento social e a restrição a aglomerações são necessários ao combate à pandemia.

Disse também que as decisões precisam ser tomadas com base na ciência e não na ideologia e que "salvar vidas é nossa prioridade".

Barroso diz que devemos recorrer à ciência e aos especialistas, seja em que área for: "para calcular probabilidade: estatística. Para calcular curva da doença: médicos. Ainda é tempo, não é tarde demais. Precisamos de orientação para legitimar decisões', afirmou.

Lembrou também da importância da liberdade religiosa, mas explicou que a liberdade de culto é uma das facetas dessa liberdade. "Enquanto a liberdade religiosa como um tudo não pode ser tolhida, a liberdade de culto admite restrições temporárias", afirmou.

Quando dois princípios como direito à vida e liberdade religiosa se contrapõem em um caso concreto, disse Barroso, é preciso ponderar se a medida é necessária, é adequada, e é proporcional, ou seja, se o que se ganha com ela é maior do que o que se perde.

Segundo Barroso, a restrição temporária de cultos atende a todos esses critérios.

Negacionismo não faz pandemia desaparecer, diz Rosa Weber

A ministra Rosa Weber, que teve seu voto interrompido por uma queda na internet, defendeu as medidas de isolamento social e afirmou que "a administrador diligente, não só pode como deve tomar mão delas".

"Negar a pandemia, ou a sua gravidade, não fará com que ela magicamente desapareça", afirmou a ministra.

'Aglomeração em templos é uma das formas de transmissão', diz Carmen Lucia

A ministra Carmen Lucia, que também votou pela possibilidade de restrição dos cultos, citou um caso estudado em Sidney, na Austrália, em que um culto se tornou foco de transmissão, levando a muitos infectados.

Também lembrou que não há discriminação contra as reuniões religiosas e todos os tipos de aglomerações podem ser proibidos.

"Quando se pede e se recomenda que não se faça encontros familiares, ninguém pode imaginar que isso seja porque se é contra a família — muito pelo contrário", afirmou a ministra Carmen Lucia.

Carmen Lucia lembrou também que a decisão da Corte é vinculantes - portanto não pode ser descumprida nem mesmo por outras instâncias da Justiça.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56684123

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Escândalo - Os polêmicos repasses milionários para megaigrejas e televangelistas na pandemia nos EUA

 


A Daystar Television Network, uma rede religiosa americana fundada pelo astro da televisão Marcus Lamb, recebeu uma gigantesca quantia de dinheiro em ajuda fiscal destinada a pequenas empresas que lutavam com a crise econômica em meio à pandemia covid-19.

Os fundos faziam parte de um programa multibilionário, distribuído em 2020 pelo então governo Donald Trump, chamado Programa de Proteção das Folhas de Pagamento (PPP).

O milionário televangelista é o carismático líder de uma das maiores redes religiosas de televisão do país que, como organização religiosa, está isenta de impostos (como ocorre no Brasil).

A igreja de Lamb recebeu US$ 3,9 milhões (quase R$ 21 milhões) em ajuda financeira do governo para que pudesse continuar a pagar os salários de seus funcionários.Tudo parecia dentro do esperado até que estourou um escândalo, quando a agência de notícias Inside Edition descobriu que duas semanas depois que os recursos foram recebidos, a igreja comprou um luxuoso jato particular para 14 passageiros.

    O líder religioso, dono de uma mansão gigantesca, negou que a igreja tenha usado dinheiro público para comprar o avião e disse que o financiou com o dinheiro dos investimentos e da venda de uma outra aeronave.

    Após a publicação da reportagem, Lamb devolveu US$ 3,9 milhões. A BBC News Mundo contatou a organização liderada por Lamb, mas não obteve resposta.

    Este é um dos casos que colocou em xeque a transparência do programa de ajuda financeira do governo americano. Mas ele não é o único.

    Reivindicação de pequenas empresas

    Lançado em abril do ano passado, o Programa de Proteção das Folhas de Pagamento é um programa cujo objetivo original era ajudar financeiramente as pequenas empresas por meio da concessão de empréstimos perdoáveis ​​apoiados pelo governo, com a ideia de proteger empregos.

    Donald Trump recebeu apoio público de líderes religiosos em evento organizado pelo grupo "Evangélicos por Trump", em Miami

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    Donald Trump recebeu apoio público de líderes religiosos em evento organizado pelo grupo "Evangélicos por Trump", em Miami

    O problema é que muitas pequenas empresas, especialmente aquelas pertencentes a minorias étnicas, reclamaram que não receberam a ajuda prometida, apesar de estarem à beira da falência.

    A polêmica cresceu quando grandes empresas, como a rede de hamburguerias Shake Shack ou o time de basquete Los Angeles Lakers, foram beneficiadas com milhões de dólares. A pressão era tão grande que até mesmo algumas das grandes empresas devolveram os recursos.

    Outro elemento que alimentou a polêmica é que durante meses as autoridades dos EUA não quiseram revelar os nomes das empresas beneficiadas, alimentando dúvidas e críticas sobre quem de fato estava recebendo o benefício fiscal.

    Quando a informação foi finalmente tornada pública no início de dezembro de 2020, depois da eleição em que Trump foi derrotado por Joe Biden, ficou claro que uma parte significativa dos fundos foi para grandes empresas, algumas delas indiretamente ligadas ao presidente Trump ou sua família.

    Cerca de 600 empresas, incluindo igrejas, receberam o máximo permitido pelo programa: US$ 10 milhões (quase R$ 54 milhões).

    As autoridades dos EUA incentivaram os grandes bancos a conceder o benefício a seus "clientes ricos às custas de pequenas empresas que lutam em comunidades carentes", afirmou um subcomitê da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileiros).

    "É um desrespeito vergonhoso com o dever público e uma má gestão flagrante", disse Kyle Herrig, presidente da organização não governamental Accountable.US.

    O governo Trump rebateu todas as críticas e acusações de favorecimento.

    'Governo entrega dinheiro às cegas'

    "Muitas megaigrejas receberam recursos deste programa apesar de terem grandes reservas de dinheiro", disse Pete Evans, representante da Trinity Foundation, organização sem fins lucrativos que se dedica a investigar fraudes e a gestão financeira de organizações religiosas nos EUA, em entrevista à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol).

    Joel Osteen

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    Igreja Lakewood do Texas, liderada pelo famoso televangelista Joel Osteen, recebeu US$ 4,4 milhões do governo

    "Eu me preocupo que pessoas morram de fome enquanto milhões de dólares são gastos em televangelistas (líderes religiosos que usam a televisão para difundir suas mensagens) que viajam em jatos particulares, vivem em grandes mansões, dirigem Bentleys ou Mercedes e levam um estilo de vida luxuoso", diz ele.

    A fundação constatou que pelo menos US$ 78,6 milhões (R$ 422 milhões) em ajuda governamental, distribuída por meio do Programa de Proteção das Folhas de Pagamento, foram destinados para televangelistas, canais religiosos de televisão e igrejas com presença televisiva.

    "Eles receberam essas doações porque estavam muito bem conectados com nosso presidente anterior (Trump)", argumenta Evans.

    Entre as instituições religiosas beneficiadas estavam, por exemplo, a First Baptist Church of Dallas, cujo pastor, Robert Jeffress, foi membro do conselho consultivo evangélico de Trump.

    Outra era uma igreja da Flórida ligada a Paula White, conselheira espiritual de Trump e líder do "evangelho da prosperidade" (ou teologia da prosperidade).

    Outra organização sem fins lucrativos focada no cristianismo beneficiada é ligada a Jay Sekulow, o advogado que defendeu Trump durante seu primeiro processo de impeachment no Congresso dos EUA.

    Evans explica que organizações sem fins lucrativos nos EUA são obrigadas a divulgar sua situação financeira, com exceção das igrejas.

    "O governo entrega dinheiro às cegas. É impossível saber se uma organização é corrupta ou não porque as leis permitem uma gigantesca falta de transparência", explica.

    Marcus Lamb
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    Televangelista Marcus Lamb devolveu US$ 3,9 milhões recebidos pela igreja após reportagem apontar que instituição trocou o jatinho

    Várias das megaigrejas que receberam ajuda financeira da pandemia são lideradas por televangelistas carismáticos, como o bilionário Joel Osteen, da Igreja Lakewood em Houston, no Estado do Texas.

    A igreja de Osteen, que obteve US$ 4,4 milhões, foi contatada pela BBC News Mundo, mas não obteve resposta.

    No entanto, um porta-voz da organização disse em um comunicado público que o dinheiro foi usado para proteger o trabalho de 368 trabalhadores em tempo integral e parcial, e que nunca foi usado para o benefício pessoal do pastor.

    US$ 7,3 bilhões para organizações religiosas

    Durante o governo Trump, o polêmico programa de ajuda era administrado pelo Departamento do Tesouro e pela Small Business Administration (SBA), órgão responsável por sua implementação.

    Em seu site, a SBA informa que até o momento o total de recursos repassados a organizações religiosas é de US$ 7,3 bilhões (cerca de R$ 39 bilhões).

    Nele, também é publicada uma lista com os nomes dos beneficiários e os valores repassados a cada um, após o aumento da pressão pública para que os dados fossem divulgados.

    As autoridades responsáveis ​​pelo programa deixaram de ocupar seus cargos depois que Joe Biden assumiu a Presidência americana, no dia 20 de janeiro, questão que abre a dúvida sobre o que acontecerá no futuro com esse tipo de apoio financeiro.

    John Arensmeyer, fundador e presidente da organização Small Business Majority, defende que os recursos sejam distribuídos de forma justa.

    "É essencial que a SBA garanta uma distribuição equitativa de recursos para combater os problemas que assolaram este programa no ano passado", disse à BBC News Mundo.

    'Ninguém questionou a legalidade'

    Embora alguns argumentem que o auxílio dado às igrejas é plenamente justificado por se tratarem de organizações que empregam muitas pessoas, outros argumentam que a situação não é tão simples.

    Micah Schwartzman, professor de direito da Universidade da Virgínia, explica que até agora ninguém questionou a legalidade da ajuda para igrejas.

    "O Supremo Tribunal consideraria que tal financiamento é legalmente admissível", disse ele à BBC News Mundo.

    Questionado se acha justo que várias megaigrejas tenham recebido ajuda financeira antes das pequenas empresas, Schwartzman disse que precisa de mais informações para responder a essa pergunta.

    "Precisamos saber mais sobre a necessidade financeira dessas organizações religiosas, quantos funcionários elas têm e se foram fechadas por regras de saúde pública em relação à pandemia de covid-19", explica.

    Outra ponta do debate ressaltada pelo pesquisador é que as autoridades concederam uma isenção especial que permitia que organizações locais associadas a megaigrejas recebessem o benefício, "mesmo quando organizações seculares sem fins lucrativos em situação semelhante não se qualificassem".

    "Essa desigualdade de financiamento é injusta e inconstitucional", afirma.

    Televangelistas com jatos particulares e mansões

    Vários dos líderes de igrejas que receberam ajuda financeira são figuras conhecidas que levam um estilo de vida luxuoso.

    Embora possa parecer para alguns crentes que essa opulência não segue os ensinamentos religiosos, outros afirmam que os televangelistas estão corretos.

    Iglesia Lakewood, Houston, Texas.

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    Mesmo sem toda a fama que tinham em décadas passadas, líderes religiosos com espaço na TV têm milhões de seguidores nos EUA e ao redor do mundo

    Não é surpreendente que alguns deles se refiram ao dinheiro como "uma semente" durante sua pregação. A teoria é que se o telespectador fizer uma doação para a igreja, ou seja, "plantar uma semente", o valor será devolvido a eles multiplicado.

    Eles são conhecidos como os "pregadores da prosperidade" que promovem o "evangelho da prosperidade" que vincula explicitamente a riqueza e a religião.

    Diversas vezes, muitos doadores estão cientes do estilo de vida luxuoso de seus pregadores e os veem, em parte das vezes, como símbolos de uma conexão direta com Deus.

    A ideia é que, se os pagamentos iniciais funcionaram para os televangelistas, eles também podem funcionar para você.

    Essa perspectiva começou a se popularizar no final dos anos 1950, quando pregadores como Oral Roberts alcançaram a fama.

    Anos depois, tornou-se cada vez mais comum os televangelistas morarem em mansões e viajarem em jatos particulares, gerando duras críticas pela falta de transparência na gestão dos recursos próprios e das igrejas.

    Um dos religiosos bilionários que popularizou esse estilo de vida é o polêmico Kenneth Copeland, que era membro do conselho consultivo evangélico de Donald Trump, tem três jatos e em 2020 disse que poderia curar pessoas infectadas com covid-19.

    Embora os televangelistas não sejam mais tão famosos quanto eram nas décadas anteriores e muitos não apelem mais para o evangelho da prosperidade, eles ainda têm milhões de seguidores nos EUA e em todo o mundo.

    "O problema é que exportamos o modelo televangelista para o resto do mundo. Os EUA exportaram o evangelho da prosperidade para muitos países", diz Evans.

    Afinal, é justamente essa doutrina do evangelho da prosperidade (entre outras crenças) um dos motivos que faz com que os seguidores não tenham interesse em monitorar a situação financeira dos pregadores ou de suas igrejas.

    Mas quando se trata de fundos que vêm de um programa de ajuda econômica financiado pelo contribuinte em meio a uma pandemia, a história é diferente.

    E sob a Presidência de Joe Biden, até agora não se sabe quais serão os canais pelos quais o novo governo distribuirá a trilionária ajuda financeira aprovada pelo Congresso.

    Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55965511