Escatologia é a doutrina que trata das últimas coisas. No entanto, na escatologia multiplicam-se as divergências. Basicamente se diverge quanto à questão de um reino milenar literal e se Cristo vem antes (para inaugurá-lo) ou depois desse período (amilenistas e pós-milenistas). Para os que dizem que Cristo vem antes do Milênio (pré-milenistas), há divergências quanto a se Sua vinda se dará também antes (pré-tribulacionistas) ou depois da grande tribulação (pós-tribulacionistas). Cada uma dessas escolas conta com homens piedosos e capacitados e que embora divirjam nesse ou naquele ponto, concordam em coisas essenciais.
Creio em um reino milenar de Cristo. Crêem nisso também todas as escolas teológicas, mas divergem quanto à natureza desse reino. Amilenistas, por exemplo, não negam que exista reino milenar de Cristo como comumente se pensa ou fazem crer os que se opõe a esse sistema. Pode-se dizer que o amilenismo defende um milênio realizado e não literal, aqui e agora. O pós-milenismo entende que o milênio não é literal, mas uma consequência do reinado de Cristo nos corações da maior parte da humanidade, após o que Ele deve voltar. Já os pré-milenistas aguardam um período próprio em que Cristo reinará literalmente, após a sua segunda vinda. Os pré-tribulacionistas, defendem uma posição especial para Israel nesse período, os pós-tribulacionistas não pensam assim e são menos literais. Seja como for, percebe-se que a divergência é menor do que se pensa em linhas gerais e se avolumam quanto às minúcias.
Ainda sobre o milênio em Ap. 20, há a interpretação do Creio que Cristo “já” reina, mas “ainda não”. Esse é um entendimento que aproxima “relativamente” os amilenistas (que concordam com o “já”) e pré-milenistas pós-tribulacionistas e, desde a década de 80, um novo tipo de dispensacionalismo, que foi batizado de “progressivo”. Isso não é compartilhado pelos dispensacionalistas da antiga, os chamados “normativos”. Esse entendimento “já/ainda não” do pré-milenismo pós-tribulacionista ficou mais bem conhecido pela defesa vigorosa de George E. Ladd, que infelizmente tem poucas obras publicadas em português. Parece que esse também é o entendimento de Dr. Russell P. Shedd e de outros teólogos brasileiros, mas que não é muito popular.
É óbvio que ao defender um milênio estou dizendo que creio em duas ressurreições. Quando se investiga a posição pré-tribulacionista vê-se que o sistema exige mais que duas ressurreições, o que vai além do texto bíblico. Não há como tratar do assunto aqui, mas basta seguir a lógica da coisa, uma ressurreição se dará na segunda vinda secreta, se eles defendem a salvação no período tribulacional, os que morreram deverão ser ressuscitados ou imediatamente (?) ou quando Cristo voltar literalmente (?), o que seria uma segunda ressurreição de justos e finalmente uma terceira ressurreição, a dos injustos, no fim do milênio. Mas, levando em consideração que só menciona duas ressurreições na Bíblia, separada por um período de mil anos (Ap.20), não posso aceitar o arranjo dispensacional. Os amilenistas e pós-milenistas ensinam que haverá uma única ressurreição, na segunda vinda, justos e injustos ressuscitarão ao mesmo tempo e, como fazemos uma defesa de um reino milenar, divergimos deles aqui.
Também não compactuo de uma distinção rígida entre Israel e Igreja, como os pré-tribulacionistas ou dispensacionalistas. Nisso há uma aproximação entre amilenistas, pós-milenistas, pré-milenistas pós-tribulacionistas e atualmente dos dispensacionalistas progressivos. “Dois povos” e “dois programas” é o mesmo que defender dois modos de salvação, uma conclusão lógica que Scofield deixou escapar numa das notas de sua Bíblia e que posteriormente foi corrigida pelos dispensacionalistas, entre eles, Charles Ryrie. A Bíblia deixa claro que Deus tem um povo (Tt.2:14), não parece correto levantar um muro que Deus já derrubou (Ef.2:14).
Confesso que não partilho do otimismo pós-milenista de uma humanidade redimida e um milênio instaurado por conta disso. O desenrolar da história dá outro indicativo. O que parece anteceder a segunda vinda não são tempos bons, nesse aspecto participo de um pessimismo (moderado) que caracteriza o pré-milenismo. Quando uma mulher está para dar a luz, as dores de parto se intensificam, acho que nenhuma delas quer que esse tempo se perpetue ou mesmo que são os melhores, mas que passe o quanto antes. Para mim, vivemos as dores de parto, não considero os melhores momentos, mas sei o que eles significam, por isso espero com confiança dias melhores que o Filho de Deus trará ao irromper no céu.
Também não entendo que esta era (da igreja) seja o milênio, como os amilenistas. Partilho de muitos pontos de vista com eles, mas quanto a isso seguimos caminhos diferentes. A providência divina é que tem impedido que as coisas não se tornem piores de uma só vez, mas isso não implica em que o diabo esteja amarrado ou que estejamos vivendo o período milenial.
Não tenho uma visão milenar tão minuciosa quanto os dispensacionalistas. Essa é uma ponta solta do pré-milenismo histórico, como Millard J. Erickson, ele mesmo um pré-milenista histórico, já havia notado isso. Os dispensacionalistas progressivos fizeram um relativo avanço no seu entendimento do milênio, embora ainda mantenham uma distinção Israel/Igreja, quanto a esse tema.
Enfim, confesso que não tenho um quadro completo do programa escatológico com as minúcias todas integradas e conectadas de modo que não haja nenhuma ponta solta [como eu gostaria e como alguns afirmam possuir]. Nenhuma escola escatológica possui isso, em todas elas há pontas soltas. Seja como for, lembre-se que devemos concordar quanto às coisas essenciais e naquilo que não é essencial, deve haver certa liberdade.
Continua...
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