quinta-feira, 28 de setembro de 2017

STF decide que escola pública pode promover crença específica em aula de religião

Supremo Tribunal Federal determinou, nesta quarta-feira, que um Estado laico como o Brasil é compatível com um ensino religioso confessional, vinculado a uma ou várias religiões específicas, nas escolas públicas. O STF, por 6 votos a 5, contraria assim a Ação Direta de Inconstitucionalidade da Procuradoria Geral da República, que cobrava que o ensino público religioso fosse sempre de natureza não confessional e facultativo, sem predomínio de nenhuma religião, como já estabelece a Constituição. 

Esse modelo, segundo a ação, “consiste na exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões – bem como de posições não-religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo, sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores”.

 A PGR também pregava na sua ação pela proibição da admissão de professores que atuem como representantes de confissões religiosas.
Mas a maioria dos ministros do Supremo considerou que há como pregar a religiosidade e crenças específicas em escolas públicas sem violar a laicidade do Estado. "Não consigo vislumbrar nas normas autorização para o proselitismo ou catequismo. Não vejo nos preceitos proibição que se possa oferecer ensino religioso com conteúdo especifico sendo facultativo", defendeu a ministra Cármen Lúcia, que desempatou a votação.
O julgamento, que decorreu em cinco sessões, revelou como a fé e o papel dos credos nos espaços públicos continuam sendo um desafio num país com vasta diversidade religiosa –calcula-se que há cerca de 140 confissões –, mas declaradamente laico. O próprio plenário do Supremo, assim como o da Câmara, está vigiado por um crucifixo na parede. O ministro Gilmar Mendes, defensor de que o ensino confessional não é proibido pela Constituição por ser facultativo, chegou até a ironizar a questão. “Aqui me ocorre uma dúvida interessante. Será que precisaremos, eu pergunto, em algum momento chegar ao ponto de discutir a retirada a estátua do Cristo Redentor do morro do Corcovado por simbolizar a influência cristã em nosso País? Ou a extinção do feriado de Nossa Senhora de Aparecida? A alteração dos nomes dos Estados? São Paulo passaria a se chamar Paulo? E o Espírito Santo? Poderia se pensar em espírito de porco ou em qualquer outra coisa”.
No Brasil, o maior país católico do mundo com 123 milhões de fiéis, o ensino religioso está contemplado na lei 9394/96 de diretrizes e base da educação nacional. A oferta é obrigatória para a escola e optativa para o estudante do ensino fundamental. Mas, na prática, cabe aos municípios e Estados legislar a respeito e às escolas acordar com os pais como o ensino religioso é incluído na grade escolar, o que tem levado a uma ampla interpretação do modelo de ensino nas aulas, assim como ao privilégio de determinados credos frente a outros.
ensino religioso no Brasilampliar foto
O plenário do STF na sessão desta quarta-feira: ao fundo, um crucifixo.  STF
Em alguns Estados, como o Rio de Janeiro, Acre ou Ceará, o ensino religioso confessional nas escolas públicas é garantido por lei. Em outros, a matrícula da matéria é automática e cabe ao aluno cancelá-la. E, em muitas escolas, como foi apontado diversas vezes durante o julgamento, as crianças podem ser expostas a constrangimento ao se negarem a entrar na aula de religião, muitas vezes porque sequer há alternativas curriculares para quem se recusar.
O relator do processo e defensor do ensino não confessional, o ministro Luís Roberto Barroso, defendeu no seu voto o fim dessas particularidades e cobrou que o Ministério de Educação estabeleça “parâmetros curriculares e conteúdos mínimos de ensino de religião, sob pena de se violar o mandamento constitucional da laicidade”. O ministro Alexandre de Moraes foi um dos que contrariou Barroso e defendeu que o ministro da Educação baixar uma portaria com os dogmas a serem ensinados, seria um "total desrespeito à liberdade religiosa". "O Estado deve ser neutro, não pode escolher a religião A, B ou C, o que achar melhor, e dar sua posição, oferecendo ensino religioso estatal, como uma nova religião estatal confessional", disse Moraes, partidário de delegar o ensino das matérias religiosas em representantes de cada fé.
"Vejo esta prova como uma discussão fora de época, entre iluminismo e pré-iluminismo”, disse Barroso, relator da ação no STF
Ricardo Lewandowski também considerou que o ensino religioso confessional nas escolas públicas não atenta contra a neutralidade do Estado. “O importante é que o ensino público de modo geral, inclusive em matéria de religião, seja ministrado de forma cuidadosa, respeitosa, sem discriminar ou estereotipar os alunos em razão de suas características pessoais ou opções individuais”, disse o ministro. “A laicidade não implica no descaso estatal com as religiões, mas sim na consideração com as diferenças, de maneira à Constituição prever a colaboração do interesse público e as crenças”.

Acordo com o Vaticano

À heterogeneidade da aplicação da lei nos Estados somou-se, em 2008, um acordo costurado pelo o ex-presidente Lula com o papa Bento XVI. A concordata tinha como objetivo regulamentar a presença da Igreja Católica no Brasil, mas trouxe aspectos controversos como o destaque do ensino religioso, "católico e de outras confissões", nas escolas da rede pública do Brasil. O acordo com o Vaticano, segundo os críticos, veio a diluir ainda mais o limite entre um Estado laico e uma sociedade multiconfessional, com apenas 9% de ateus, segundo o IBGE.
ensino religioso no Brasil
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação no Supremo: maioria da Corte não acompanhou o voto do magistrado.  STF
A concordata passou a especificar uma confissão em concreto, a diferença do que prega o texto constitucional. O acordo também levantou polêmica na época, pois especialistas e parlamentares viram no documento uma forma de privilegiar a Igreja Católica. “A simples presença do ensino religioso em escolas públicas já constitui uma exceção, feita pela Constituição, à laicidade do Estado. Por isso mesmo a exceção não pode receber uma interpretação ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma específica religião”, manteve o ministro Barroso, cujo argumento resultou derrotado.

O Estado virando as costas para a fé

No julgamento, a Presidência da República e a Câmara dos Deputados, representadas pela Advocacia Geral da União (AGU), se manifestaram contra o parecer da PGR, assim como –apenas– oito de 31 entidades de todos os credos consultadas em audiência pública convocada pelo ministro Barroso. Em resumo, a AGU entende que o Estado não pode virar as costa para a fé, que a facultatividade do ensino é suficiente para assegurar que não haverá proselitismo e que se o ensino fosse não confessional não haveria razão para que a matrícula da matéria fosse facultativa. “O nosso Estado é laico, não é laicista […] O Estado se colocou na posição de neutralidade, mas a AGU acha que o Estado é responsável de assegurar qualquer credo e criar condições para que as práticas religiosas se desenvolvam entre nós”, defendeu a advogada-geral da União, Grace Mendonça.
O advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fernando Neves, também se manifestou a favor do ensino religioso confessional. “O ensino religioso não é o ensino de religiões, não é história, não é filosofia. Essas matérias já são obrigatórias. É obrigação do Estado abrir um espaço na grade curricular para que quem quiser se aprofundar na sua fé possa fazê-lo. Ensino religioso não é catequese, não é proselitismo, é o aprofundamento no ensinamento da fé escolhida”, disse o letrado.
Barroso resumiu assim o dilema jurídico antes de começar a ler parte de seu voto na quarta-feira, 30 de agosto: “Vejo esta prova como uma discussão fora de época, entre iluminismo [que já no século XVIII pregava pela separação de igreja e Estado] e pré-iluminismo”.

COMO É O ENSINO RELIGIOSO EM OUTROS PAÍSES?

M. M.
Em países como a Itália, sede da cúpula da Igreja Católica e uma República laica, o ensino da religião católica nas escolas públicas é garantido por um acordo com a Santa Sé de 1984. As aulas são optativas, assim como na Espanha e Portugal, Estados não confessionais.
A França é uma exceção da União Europeia e o ensino de religião é considerado uma atividade extraescolar.
Em países como Reino Unido (com maioria protestante), Grécia (em estreita colaboração com a igreja ortodoxa) e Finlândia (de tradição luterana), a religião é mais uma matéria obrigatória do curriculum escolar. Nos Estados Unidos, embora seja considerado um país com forte tradição religiosa, o ensino religioso confessional está banido das escolas públicas.
Fonte: https://brasil.elpais.com/

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A Igreja Católica está acima da Bíblia? Cinco sofismas papistas refutados!


Nas últimas semanas voltou à tona uma velha discussão sobre quem detém a autoridade suprema – se é a Bíblia, ou se é a Igreja. Lógico que quem propõe o argumento de que é a Igreja são os papistas, querendo dizer, é claro, a Igreja deles, ou seja, a Igreja Católica Romana. Tudo começou quando um padre relativamente desconhecido começou a espalhar asneiras de que a Igreja Romana tem autoridade acima da Bíblia, e ganhou mais popularidade depois que o Malafaia lhe deu uma resposta em seu canal no YouTube (veja aqui). Depois disso, as redes sociais foram inflamadas por um verdadeiro festival de ataques romanistas contra a autoridade da Bíblia “refutando” Malafaia, com até o padre Paulo Ricardo (aquele mesmo do "evangélicos são otários" por irem direto a Deus) gravando vídeos em que repete todos aqueles mesmos argumentos bobinhos, velhos, ultrapassados e já refutados de sempre.

Aqui eu não vou me aprofundar na questão mais do que o necessário, pelo simples fato de que isso já foi exaustivamente feito em meu livro que aborda o tema – "Em Defesa da Sola Scriptura". Também já foi abordado em inúmeros artigos ao longo dos mais de 500 já publicados por mim neste blog e no Apologia Cristã, os quais podem ser conferidos nesta lista temática de artigos. Então deixarei este espaço para fazer uma breve e resumida consideração acerca dos sofismas e armadilhas papistas mais conhecidos.


Sofisma 1 – A Igreja que é superior à Bíblia, porque definiu o cânon da Bíblia

Este é o sofisma mais comum. Ele já parte de duas falsas premissas, a saber: (1) que essa Igreja que definiu o cânon bíblico era a Igreja Romana em particular, e (2) que essa Igreja tenha “criado” um cânon, em vez de ter apenas reconhecido um. Estes outros sofismas também serão refutados aqui, mas por ora vamos dar essa colher-de-chá e abrir a concessão de que essa Igreja era mesmo a Igreja Romana e tenha mesmo criado o cânon, para o bem do argumento. O ponto em questão é que nem isso provaria a superioridade da Igreja sobre a Bíblia. Algumas analogias nos ajudam a exemplificar isso com base no mundo real, e eu irei passar algumas aqui.

Primeiro, por mais que a Constituição esteja acima de qualquer indivíduo e de qualquer grupo de indivíduos (até mesmo do presidente da república e do congresso nacional), são os membros da Assembleia Constituinte que se reúnem para escrever uma Constituição. E mesmo assim, após tê-la escrito, reconhecem que a mesma tem autoridade acima deles, e é por isso que eles não podem sair por aí pisando na Constituição ou praticando coisas em contradição a ela. A Constituição não é “auto-criada”, ela é formulada pela Assembleia, e mesmo assim todo mundo reconhece que sua autoridade está acima de todos, que devem se submeter a ela em obediência incondicional enquanto a Constituição durar. Se a lógica romanista de “a Igreja criou o cânon e por isso é superior à Bíblia” estivesse certa, os membros da Assembleia Constituinte poderiam tranquilamente se considerar acima da Constituição mesmo depois de a mesma ser formulada – o que, de fato, os tornaria acima da lei. Da mesma forma que a lei está acima dos que a formularam, a Escritura tem autoridade acima de qualquer um que tenha reconhecido seu cânon.

Segundo, ainda que seja de conhecimento universal que o presidente da república tenha mais autoridade no país do que um cidadão comum como eu e você, somos nós que elegemos o presidente e o colocamos lá. Ou seja, o fato de nós (menor autoridade) elegermos o presidente (maior autoridade) não nos torna superiores ao presidente, da mesma forma que a Igreja do século IV ter reconhecido o cânon da Bíblia não a torna acima da Bíblia. O curioso é que essa mesma analogia pode ser usada dentro do contexto da própria Igreja Católica: por mais que os cardeais elejam o novo papa, esse papa que é eleito detém autoridade superior aos cardeais dentro do conceito católico. Por que a mesma lógica não pode ser aplicada na relação Igreja-Bíblia?

Esses são apenas alguns exemplos práticos dentre analogias que poderiam ser acumuladas aos montões, que provam como o argumento romanista tem mais buracos que queijo suíço, e de fato não prova nada do que pretende. Essa é a razão pela qual todos os Pais da Igreja defendiam o conceito básico de Sola Scriptura (a Escritura como autoridade suprema) desde muito antes do século IV e também depois, como você pode ver neste artigo. Como dizia Agostinho: “Quem é que se submete a divina Escritura, senão aquele que a lê ou ouve piamente, submetendo a ela como a autoridade suprema?(Do Sermão do Monte, Livro I, 11).


Sofisma 2 – A Igreja que decretou o cânon é a Igreja Católica Romana

Os católicos assumem que o cânon bíblico foi criado no final do século IV pelos concílios de Hipona (393) e Cartago (397). Isso não sou eu que afirmo, são os próprios apologistas católicos. O problema é que nenhum desses concílios era um concílio romano, e nem mesmo um concílio universal liderado pelo papa (e, diga-se de passagem, nenhum dos sete concílios ecumênicos foram convocados ou presididos por um papa). Em vez disso, eram meros sínodos locais, situados no norte da África, com jurisdição regional e limitada apenas àquelas regiões para aquela época. Não eram, portanto, concílios da Igreja Romana.

O curioso é observar que, pouco mais de um século antes do concílio de Cartago que os católicos como o padre Paulo Ricardo afirmam que definiu o cânon, reuniu-se um outro concílio de Cartago, no mesmo lugar, com a mesma jurisdição, também convocado e presidido por bispos africanos (neste caso, sob a presidência de Cipriano), que decretou o seguinte:

Pois nenhum de nós coloca-se como um bispo de bispos, nem por terror tirânico alguém força seu colega à obediência obrigatória; visto que cada bispo, de acordo com a permissão de sua liberdade e poder, tem seu próprio direito de julgamento, e não pode ser julgado por outro mais do que ele mesmo pode julgar um outro. Mas esperemos todos o julgamento de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o único que tem o poder de nos designar no governo de Sua Igreja, e de nos julgar em nossa conduta nela” (Concílio de Cartago, ano 256)

Isso foi definido, obviamente, para destruir as pretensões do bispo romano (Estêvão), que estava querendo impor sua jurisdição sobre as igrejas africanas e foi por isso severamente repreendido neste concílio, na mesma época em que Cipriano, que liderou o concílio, dizia que esse bispo de Roma era “amigo de hereges e inimigo dos cristãos” (Ep. 74). Os teólogos católicos, é claro, não subscrevem esse sínodo e nem o consideram um concílio da Igreja Romana, por se tratar de supostos “erros” de igrejas norte-africanas. Quando, porém, apenas um século mais tarde se reúne um outro sínodo local em Cartago, eles não apenas o subscrevem, como ainda tem a petulância de tomar para si o concílio, como se tivesse sido um concílio da Igreja Romana presidido pelo papa – o que nunca foi. Se isso não é arrogância e desonestidade intelectual, eu não sei o que é.

Em síntese: se alguém merece levar o crédito pela definição do cânon bíblico, esse alguém não é a Igreja Romana, mas as igrejas africanas com autonomia administrativa e jurisdicional, as quais não mais existem desde que foram destruídas nas invasões árabes da época de Maomé em diante. Qualquer outra Igreja que tente usurpar esses concílios e colocá-los em sua própria conta, seja a Igreja Romana ou a Igreja Ortodoxa, ou qualquer outra, estará usando de sofisma e desonestidade para vanglória própria, a fim de ganhar um argumento que já perdeu.


Sofisma 3 – A Igreja “criou” o cânon

É argumentado por eles que a Igreja Romana “criou” o cânon no século IV, como se não existisse Bíblia até então. Inclusive eles frequentemente lançam “desafios” tais como: “Como podia haver Sola Scriptura, se durante três séculos não existia Bíblia?” (e outras barbaridades do tipo). Isso porque, para eles, um livro bíblico não podia ser considerado de fato “Escritura” até que algum concílio se reunisse no final do século IV dizendo isso. Por exemplo, o evangelho de Lucas não seria considerado um evangelho autêntico, canônico e parte integrante das Escrituras até que os bispos de Hipona se reunissem mais de trezentos anos depois de sua redação. Isso é absurdo, irracional e insensato.

Poderia passar aqui milhares de trechos patrísticos que desfazem essa visão defeituosa, mas aqui citarei apenas um texto simples de Policarpo, escrevendo ainda no início do segundo século (c. 110) sua carta aos filipenses, onde diz:

“Creio que sois bem versados nas Sagradas Letras e que não ignorais nada; o que, porém, não me foi concedido. Nessas Escrituras está dito: ‘Encolerizai-vos e não pequeis, e que o sol não se ponha sobre vossa cólera’. Feliz quem se lembrar disso. Acredito que é assim convosco” (Aos Filipenses, 12:1)

Policarpo diz que está citando um trecho das Escrituras, e então faz referência a Efésios 4:26. Isso significa que a carta de Paulo aos efésios já era considerada Escritura canônica há muito, muito tempo antes de qualquer concílio se reunir para tratar a questão do cânon no século IV. Quando aqueles concílios se reuniram com este propósito, não foi na intenção de “criar” um cânon do zero, mas apenas de reconhecer os livros que já eram considerados inspirados.

Em nenhum momento Policarpo postulou: “Vou ter que esperar por séculos até um concílio se reunir e decidir se essa carta aqui de Paulo é Escritura ou não”. Ao contrário, já disse desde aquela época que era Escritura a despeito de qualquer concílio. E qualquer um que se dê ao trabalho de ler os Pais dos séculos I, II, III e IV, muito antes dos concílios do final do quarto século, constatará que eles já consideravam os livros do Novo Testamento como Escritura, já aceitavam os quatro evangelhos, já mencionavam os livros como inspirados e autoritativos, etc. Orígenes inclusive chega a citar uma lista idêntica de livros tidos como canônicos duzentos anos antes de Hipona e Cartago.

Por fim, essa inspiração ocorreu simultaneamente à escrita dos livros, e não quatrocentos anos mais tarde. O evangelho de Mateus não se tornou inspirado somente a partir do momento que os prelados de Hipona decidiram isso; ao contrário, já era inspirado logo ao escrever. Da mesma forma que Newton não “criou” a gravidade, mas apenas a reconheceu, os bispos não “criaram” um cânon de livros inspirados, mas apenas o reconheceu, esclarecidos pelas evidências internas dos livros e pelo testemunho do Espírito Santo, como todo evangélico crê.


Sofisma 4 – Igreja é a hierarquia eclesiástica romana

Esse conceito totalmente errôneo do que vem a ser a Igreja já foi refutado por mim aqui, aqui e principalmente neste artigo, que é o mais importante do blog. Neles eu mostro o conceito legítimo de ekklesia à luz da Bíblia, que significa nada a mais que o povo de Deus, isto é, os cristãos de todos os lugares, e não uma instituição religiosa, não a hierarquia em exclusividade. O Bruno Lima tem um artigo melhor ainda, cheio de citações patrísticas, que você pode ler clicando aqui. Este foi, aliás, um dos principais pontos de divergência entre os reformadores do século XVI e os papistas, pois enquanto estes identificavam a Igreja como sendo a hierarquia e nada mais, aqueles entendiam a Igreja em seu significado bíblico e histórico, ou seja, como uma referência a todo o povo de Deus em qualquer era, que guardasse os mandamentos de Deus e seguisse o testemunho de Jesus (Ap 12:17).

Alguns textos deixam mais à tona este conceito, como, por exemplo, os que dizem que a Igreja se reunia em certa casa para cultuar a Deus:

“Saúdem os irmãos de Laodiceia, bem como Ninfa e a igreja que se reúne em sua casa(Colossenses 4:15)

“À irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que se reúne com você em sua casa(Filemom 1:2)

“As igrejas da província da Ásia enviam-lhes saudações. Áquila e Priscila os saúdam afetuosamente no Senhor, e também a igreja que se reúne na casa deles(1ª Coríntios 16:19)

“Saúdem Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus. Arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles; não apenas eu, mas todas as igrejas dos gentios. Saúdem também a igreja que se reúne na casa deles(Romanos 16:3-5)

Como está claro através destes textos e de muitos outros que poderiam ser citados, não eram aquelas pessoas que se reuniam na igreja, mas a igreja que se reunia naquelas casas. Ou seja, a Igreja eram os próprios crentes que adoravam a Deus. Eles se reuniam em casas, hoje também em templos, mas eram eles, e não a instituição em si, que eram considerados “a Igreja”. E é esse o problema do apologista católico que argumenta que “a Igreja escreveu a Bíblia” ou que “a Bíblia é filha da Igreja” (sobre o qual já escrevi aqui). Isso porque, para o papista, Igreja = Igreja Católica Romana. E para a Bíblia, Igreja = o povo de Deus.

Então os romanistas perdem tempo querendo impor a “Igreja acima da Bíblia”, quando o que deveriam fazer na verdade é provar que essa Igreja é a Igreja Romana. Os católicos ortodoxos orientais usam exatamente esse mesmo argumento dos romanos, mas para favorecer a igreja deles, em detrimento da romana e das protestantes. Na verdade, ambos sustentam o mesmo conceito errôneo de “Igreja=hierarquia”, cada qual sustentando sua própria hierarquia é claro, e sob o mesmo pressuposto da “sucessão apostólica”, que os ortodoxos também têm. Por isso essa discussão acerca da Igreja é infrutífera, a não ser que se prove antes que por “Igreja” se entende necessariamente a “Igreja Romana” em detrimento de todas as outras, o que é impossível de ser feito sem cair em sofismas e falácias ainda mais delirantes, geralmente apelando a argumentos circulares autorefutantes, como já denunciei aqui.


Sofisma 5 – Os Pais da Igreja defendiam a autoridade da Igreja acima da Bíblia

Junto com os sofismas tradicionais mais conhecidos, os apologistas católicos que nunca leram os Pais da Igreja irão citar vários trechos copiados da internet, alguns adulterados e outros tirados vergonhosamente do contexto, para dizer o oposto do pensamento patrístico que nunca exigiu submissão incondicional à Roma para ser considerado “católico”. A Igreja Católica antiga, longe de significar uma comunidade local em particular (como a Romana, ou a de Constantinopla, ou qualquer outra), significava apenas “universal” (católico=universal, no grego), no sentido de que a Igreja cristã não era nacionalista como o Judaísmo, mas universal, ou seja, aberta a todos os povos, tribos, línguas e nações, com o objetivo de anunciar o evangelho e converter toda criatura.

Essa era a “Igreja Católica” mencionada nos Pais da Igreja, antes deste termo ser surrupiado por papas arrogantes e inescrupulosos, que começaram a exigir que todo “católico” fosse também “romano” para ser considerado “católico”, o que para início de conversa já era uma contradição com o próprio termo católico, que denota universalidade antes que algo particular. Essa usurpação e soberba de Roma, ao exigir a submissão de todas as outras igrejas locais, foi a causa maior do chamado “Cisma do Oriente”, que eu já abordei neste artigo. É importante ter isso em mente para não ser tapeado por algum papista charlatão que use um texto patrístico que fale em “Igreja Católica” (universal) e automaticamente o aplique à Igreja Romana. Esta última é uma Igreja tão “católica” quanto a Universal do Edir Macedo. Tem “católico/universal” apenas no nome, não no conceito.

Seria impossível abordar num espaço tão limitado como esse todos os textos usados pelos papistas, além de inteiramente desnecessário, visto serem eles tratados em profundidade em muitos outros dos mais de quinhentos artigos já publicados, muitos deles reunidos nesta lista temática. Por isso eu vou aqui apenas indicar alguns links de artigos que já refutam os textos mais famosos usados por eles:






Para ler mais sobre Escritura, tradição, cânon e patrística, confira nossa lista temática de artigos, clicando aqui. Tem mais alguma dúvida? Escreva-me nos comentários! 

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,