Em 16 de agosto, foi dada a largada para o início oficial da campanha para a eleição presidencial de 2022. Manchetes de jornais nacionais e internacionais comprovam um fato curioso: a religião terá um papel preponderante nessas eleições. A religião foi o assunto abordado com destaque no primeiro dia pelas duas campanhas favoritas nas pesquisas de votos, o que já dá o tom da estratégia a ser adotada. Questões como o fechamento de igrejas, a luta do bem contra o mal, entre outras desse tipo, estão prevalecendo no debate dos candidatos, em detrimento de pautas importantes, como o desemprego, a inflação, a crise ambiental e outras questões cruciais para o país e as próximas eleições.

Segundo analistas políticos, a aposta dos candidatos, sobretudo de Bolsonaro, em pautas do universo religioso e mais conservador tem a ver com um fato claramente demonstrado pelas últimas pesquisas: o eleitorado que mais está se movimentando no momento é o evangélico. Segundo uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), divulgada em 29 de agosto, Bolsonaro vinha crescendo nesse segmento, e alcançou 48% dos votos dos evangélicos, enquanto Lula tinha 26%. Em uma pesquisa do Datafolha, mais recente, divulgada em 15 de setembro, Lula está com 32% das intenções de voto dentro do segmento dos evangélicos, ante 49% de Bolsonaro.

Está sendo devidamente montado um grande palco, cujo cenário apocalíptico retrata a luta do bem contra o mal, e com isso vão sendo deixados em segundo plano os programas de governo dos dois candidatos favoritos nas intenções de voto. É inegável, portanto, o impacto dos evangélicos nas eleições de outubro, eleitorado que corresponde a cerca de 25% dos que irão às urnas para votar.

Soma-se a isso a crescente influência de pastores na decisão do voto evangélico, fato que tem levado a mídia a substituir a expressão “voto de cabresto” por “voto de rebanho”. É bem verdade que não podemos colocar todos os evangélicos nem todos os pastores na mesma cesta, como se fossem uma coisa só. O universo evangélico no Brasil é extremamente multifacetado. Mas, grosso modo, é possível dizer que uma parcela significativa dos eleitores evangélicos tem sido fortemente influenciada por uma parcela de pastores que estão usando até mesmo o púlpito na atual campanha eleitoral.

Diante desse cenário, a revista Christianity Today achou relevante entrevistar líderes cristãos, para que tivessem uma oportunidade de expor o que pensam a respeito desses temas e de como deve ser o testemunho cristão em face deles e nas eleições deste ano. Tivemos a especial preocupação de entrevistar pessoas que tivessem uma postura irênica, ou seja, pessoas que fossem capazes de promover o diálogo, e não de acirrarem ainda mais os ânimos, muitas vezes já um tanto exaltados.

Esperamos, dessa forma, contribuir para uma reflexão biblicamente informada em torno dessas questões importantes para o futuro do país, a fim de que todos possamos assumir uma postura equilibrada e um testemunho maduro como cidadãos do Brasil e do Reino de Deus.

Pergunta da entrevista da Christianity Today sobre as eleições brasileiras de 2022. 

De que modo a forma como Bolsonaro aborda os evangélicos é diferente da forma usada pelos presidentes anteriores? Opinião de 5 líderes cristãos.

Guilherme de Carvalho: Bolsonaro se colocou abertamente como representante dos evangélicos; é a primeira vez que uma presidência não trata os evangélicos como “os outros”. Ele conseguiu fazer isso mesmo sem ser evangélico. Seu sucesso lança luz sobre um problema que venho apontando já há algum tempo: as elites culturais nacionais ainda não concederam cidadania brasileira ao movimento evangélico.

Iza Vicente: Bolsonaro conseguiu o que muitos líderes religiosos jamais conseguiram: unir diversos segmentos evangélicos, das mais plurais denominações e tradições. Tal união não se deu a partir da unidade em Cristo, mas sim pelo medo que a propaganda bolsonarista fomentou no meio evangélico, e também pela sede de poder e reconhecimento de grande parte dos líderes evangélicos. Mesmo com os evangélicos em pleno crescimento, com a ascensão da bancada evangélica, e sem nenhum tipo de perseguição sistemática, Bolsonaro utilizou falácias e discursos vazios para indicar que mudanças na sociedade envolvendo direitos civis de minorias representam um ataque aos valores que os evangélicos prezam, e que ter um presidente supostamente cristão atenuaria esses efeitos.

Ziel Machado: Bolsonaro tem mais vínculos com a comunidade evangélica. Sua esposa é evangélica, ele teve mais presença na igreja evangélica, um pastor evangélico celebrou seu casamento. Assim, seu vínculos com os evangélicos antecedem os vínculos políticos. São vínculos de amizade, de alguém que se simpatiza e se identifica com os valores cristãos. Portanto, não é só uma estratégia política. Tornou-se uma estratégia política, mas esses laços antecedem seu uso político.

Os outros presidentes não têm essa mesma proximidade com o mundo evangélico, e tratam-no como mera aproximação política, como se fosse uma estratégia de campanha. Com isso não quero dizer que essa atitude seja inválida ou inadequada. De fato, uma aproximação política honesta pode ser mais ética do que uma aproximação afetiva entrelaçada com valores confusos.

Jacira Monteiro: Bolsonaro cooptou os cristãos, a partir de manipulação, oferecendo-se como a única salvação contra a esquerda, contra o PT. Apresentou-se como um messias. Pegou para si pautas importantes para os cristãos, como as questões do aborto e da família, e fez delas a base de sua campanha. Também fez (e continua fazendo) um jogo de doisladismos: “ou eu sou o presidente e livro vocês do mal, do Satanás — a saber, do PT e da esquerda — ou o Brasil volta para as trevas”. Tudo isso usando em sua campanha um linguajar agressivo e polarizado.

Ricardo Barbosa: Desde que os evangélicos se tornaram uma força política, em virtude do seu crescimento numérico, os políticos têm procurado construir pontes para se aproximar desse grupo e conquistar seus votos, visitando igrejas, participando de eventos religiosos, por exemplo.

Segundo dados do livro do antropólogo Juliano Spyer, “O Povo de Deus”, na década de 70, os evangélicos representavam apenas 5% dos brasileiros. Hoje são um terço da população adulta do país, e seguem crescendo. Parece-me que de todos os presidentes, desde Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) até Bolsonaro, Bolsonaro foi quem melhor se identificou com uma parcela significativa de cristãos (evangélicos e católicos), pela sua linguagem, pelos valores que defende, como a família tradicional, o patriotismo, por se opor às ideologias de gênero. Grande parte do eleitorado cristão brasileiro se importa muito com estes mesmos valores.

Fonte: https://www.christianitytoday.com/ct/2022/september-web-only/bolsonaro-evangelicos-presidente-brasil-cristaos-pt.html