quinta-feira, 5 de março de 2020

Quando um pastor diz: "Cansei"!


Cansei!
Entendo que o mundo evangélico não admite que um pastor confesse o seu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina que Deus restaura as forças do que não tem nenhum vigor. Também estou informado de que Jesus dá alívio para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos que se escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu me acho exausto.

Não, não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado pelo que faço; amo o meu Deus, bem como minha família e amigos. Permaneço esperançoso. Minha fadiga nasce de outras fontes.

Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de Deus. Já não agüento mais que se usem versículos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam as igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda enganosa.
Cansei com os programas de rádio e Tvem que os pastores não anunciam mais os conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes de suas próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de oração; todas visando exclusivamente encher os seus templos. Considero os amuletos evangélicos horríveis. Cansei de ter de explicar que há uma diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices supersticiosas.

Canso com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não agüento mais cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o Brasil e o mundo.

Canso com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram há séculos. Presos às molduras de suas escolas teológicas, não conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.

Canso com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios pentecostais sobre os dons espirituais.

Cansei de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que provocam que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em seus países de origem.

Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo. Recebo todos os dias várias mensagens eletrônicas de gente me perguntando se mulher pode usar calça, cortar e pintar cabelo, maquiagem, televisão, que demoniza desenho da Disney entre  outras coisas. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso com essa mentalidade pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe um exercício religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas. Canso com gente que precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não consegue caminhar com princípios. Acho intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma existência sob o domínio da lei e não do amor.

Canso de explicar que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem para enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações todas as vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos pastores que vivem dignamente.

Canso com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei com as vaidades acadêmicas e com os mestrados e doutorados que apenas enriquecem os currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se auto-intitulou apóstolo.

Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.

É triste ver como uma máquina religiosa fabrica ícones.
Pode ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso, convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há tempo de salvar a nossa.

(Ricardo Gondim)

segunda-feira, 2 de março de 2020

O Brasil é de Jesus? Um análise sobre um Brasil evangélico.


O presidente da República, Jair Bolsonaro, compartilhou um vídeo gravado durante a 58ª edição do Congresso da União da Mocidade das Assembleias de Deus do Estado de Goiás (Umadego), Ministério de Madureira.
No vídeo, o pastor Frank Mendonça, coordenador da Umadego, diz ao presidente que os jovens tem uma mensagem para ele e para o Brasil, em seguida milhares de jovens gritam juntos afirmando que o presidente e o Brasil “são de Jesus”.
“Presidente da República, o Brasil é de Jesus, o senhor é de Jesus”, gritam os jovens que participavam do evento".
Tenho estado muito preocupado, ultimamente, com o espírito de fanatismo que tem invadido a igreja evangélica, no Brasil. Nestes 30 anos, também tenho estado muito alegre por ver que a igreja evangélica tem crescido muito e, com isso, que muita gente está encontrando Jesus e, nEle, salvação, libertação, esperança e a possibilidade de uma vida melhor.
E esta tem sido a razão da minha vida e missão que Deus me confiou, em função da qual esforço-me e vivo. Entretanto, angustia-me ver que, algumas vezes, esse crescimento, o qual tem o seu aspecto extraordinário, vem tomando contornos de algo não tão sadio, adoecido, estranho, que se assemelha à enfermidade, à patologia, redundando em evidências explicitamente fanáticas.
Estamos vivendo, hoje, no Brasil, um momento no qual precisamos definir o que queremos que aconteça em nossa pátria. O que queremos que aconteça no nosso país? Como povo de Deus, temos duas opções: a primeira é querer ver o Brasil evangélico; a segunda é ver o Brasil de Jesus. O que queremos? Ver o Brasil evangélico ou ver o Brasil de Jesus?
O Brasil pode ser evangélico sem ser de Jesus, como pode também ser de Jesus sem ser evangélico. E pode ser evangélico e ser de Jesus! E pode ser de Jesus e ser evangélico! Isto porque o fato de ser evangélico não significa que será de Jesus; e o fato de ser de Jesus não significa que será evangélico, uma vez que, se tudo aquilo que fosse de Jesus tivesse que ser, necessariamente, evangélico, Jesus só estaria tendo vez na História de 200 anos para cá, quando o Movimento Evangélico tal qual o conhecemos hoje começou a existir. Se, para ser de Jesus, o mundo tivesse que ser protestante, Jesus só estaria agindo e atuando nele de 503 anos para cá, quando da Reforma Protestante.
Enfim, Deus tem meios e modos de fazer que a Sua salvação entre no mundo sem, obrigatoriamente, ter que fazê-la evangélica. A Igreja pode ser de Jesus, e ser evangélica. Não há nada incompatível com isso. Mas, a Igreja pode ser evangélica, e o país no qual está inserida também, sem que ambos sejam de Jesus, porque o fato de ser evangélico religiosamente falando não implica uma relação direta com Jesus e com Seu evangelho. às vezes, desenvolvemos esquemas religiosos que se tornam independentes de Deus e divorciados dEle, existindo como uma cultura autônoma, não tendo mais nada a ver com a origem de todas as coisas, a saber, Deus, o Criador.
Ora, isso aconteceu com o judaísmo, que no início fora a religião de Deus e que acabou sendo, depois de algum tempo, uma religião que, em muitas fases da História, lutou contra Ele. Isso também ocorreu com o movimento farisaico, que no início fora um movimento defensor do zelo pelas coisas de Deus, tornando-se, ao final, o "carro-chefe" que deflagrou a morte histórica de Jesus. 

Isso se verificou, de igual modo, no cristianismo original dos apóstolos, do Novo Testamento, que, 300 anos depois, foi "constantinianizado", transformando-se num movimento de natureza política com vistas à unificação do Império Romano, em decorrência do que a Igreja se foi paganizando, até que ela mesma criou o momento mais escuro da história da civilização humana (a Idade das Trevas) do ocidente com as Cruzadas e o advento da Santa Inquisição, feitas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, utilizando a cruz e todos os demais elementos sagrados do cristianismo, ainda que o Espírito Santo neles não estivesse presente, nos quais Jesus estivesse ausente e nos quais Deus não Se manifestasse, mas o diabo.
Nós, hoje, estamos vivendo um momento singular, quando vemos a fé espalhando-se pelo Brasil. Aleluia! No entanto, a pergunta que devemos nos fazer, com relação à expansão da fé neste país, é o que queremos que aconteça com o Brasil. Queremos vê-lo apenas tornar-se uma nação evangélica, tendo templos em todos os lugares, vendo a maioria das lideranças políticas confessando-se evangélicas, tendo muitos veículos de comunicação evangélicos, com uma boa parte dos recursos financeiros do país em poder daqueles que se dizem evangélicos, etc?!...
 Mas, o Brasil vai continuar o mesmo! Na mesma miséria, com os mesmos casos de corrupção, com a mesma prática política... Talvez, até, pior, pelo fato de não haver mais nenhuma referência evangélica à qual se possa recorrer, não se tendo esperança de alguma coisa alternativa, porque o que era alternativo se acabou tornando em algo associado ao que existe de pior no mundo, que por sua vez passou a usar o nome de Deus para justificar suas ações.
É isso que queremos? Ou queremos um país de Jesus? Um país no qual o coração das pessoas esteja cheio do evangelho de Jesus; no qual os sinais do evangelho estejam presentes sinais de justiça, de verdade, de solidariedade, de generosidade, de bondade, de fé sadia, de prosperidade equilibrada e justa os quais evidenciem que a mão de Deus está abençoando a terra como um todo; sinais de salvação genuína, que desembocam numa transformação da mente, da conduta, da vida, dos relacionamentos e dos vínculos os mais diversos.
É isso que queremos? O que queremos que aconteça ao Brasil?
Gostaria em muito de que disséssemos que queremos ver o Brasil se tornar um país de Jesus, vendo o Reino de Deus sobre esta terra, o qual estará sobre nós não quando formos maioria, mas quando esta terra estiver salgada pelo evangelho do Senhor Jesus; quando houver mais sinais de justiça feita em nome de Deus do que de injustiça; quando houver mais sinais do amor de Deus do que de escândalos; quando houver mais manifestação do Espírito Santo do que do poder humano que manipula as coisas. Aí, sim, estaremos "cara a cara" com manifestações do Reino de Deus e do evangelho do Senhor Jesus.