quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Atos dos Apóstolos a base da doutrina pentecostal - Introdução

A nível de introdução desta postagem desejo esclarecer, antes de mais nada, que não é minha intenção, sob hipótese alguma, atiçar polêmica em torno deste tema santo, delicado demais para nos agredirmos por meio dele. Contudo, devo admitir o fato de que não há assunto ou teologia na Igreja Evangélica Contemporânea que maior número de interpretações e polêmicas tenha suscitado do que este. A constatação de tal realidade é fácil quando se vê o número enorme de grupos e de perspectivas teológicas sobre o Batismo com, em ou no Espírito Santo.

Entre as muitas perspectivas pelas quais se vê este tema, tem-se a dos reformados-conservadores,dos reformados-abertos, dos reformados carismáticos, dos carismáticos de linha não reformada, dos católicos carismáticos e dos pentecostais. Estes, por sua vez, se subdividem em outros grupos: os pentecostais-tradicionais (representadas no Brasil por igrejas como a Assembléia de Deus), os pentecostais-renovados (igrejas como as Batistas Renovadas ou Presbiterianas Renovadas) e os pentecostais-folclóricos (genuinamente representada pela Universal do Reino de Deus). São tantos os ramos, que só posso lamentar tantas divisões. Portanto, não é intenção deste livro ajudar a aumentar ou acirrar tais segmentações.

Também para abrir este capitulo quero afirmar algo que John Stott tem enunciado como um princípio de sabedoria e cautela em estudos deste gênero e que eu, como não poderia deixar de acontecer, vou adotar neste livro. Ou seja: não podemos criar doutrina em cima do livro de Atos. Digo isto baseado no fato de que a maioria das teologias a respeito do Espírito Santo atribuem a ele sua principal, às vezes única “referência doutrinária”.

Mas o livro de Atos ─ como o próprio nome diz ─ é um livro de atos, de experiências, não de doutrinas. E atos, experiências, não são padronizáveis, não podem ser absolutizados na sua forma: só doutrinas têm a tal possibilidade.

Se fôssemos erguer doutrinas com base em Atos, imagine que doutrinas ─ como a da conversão ─ ganhariam um lugar sem precedentes na vida e na experiência de Paulo. Porque se há uma experiência de conversão extraordinária, em Atos, esta é a do apóstolo: “... subitamente uma luz do céu brilhou no seu redor e, caindo por terra, ouviu uma voz (...) e ficou cego (...)” Baseado nisso eu poderia escrever um livro sobre “Os sintomas e as evidências da conversão”, no qual afirmaria o seguinte: “O homem convertido é aquele que viu uma luz no céu ─ mais precisamente ao meio-dia (Não valeria às 6 da manhã, às 10, ou às 11 horas). Ouviu uma voz e ficou cego três dias”. J

Já imaginou pessoas construindo, doutrina sobre conversão em cima da experiência de Paulo? Estaríamos todos perdidos! Quantos de nós têm encontrado Cristo desse modo? A absolutização da conversão de Paulo como o verdadeiro padrão doutrinário-experiencial iria criar duas realidades: um grande grupo de neuróticos procurando viver, sentir e produzir os mesmos fenômenos de conversão; e um grupo de mentirosos afirmando que experimentaram tais fenômenos. Portanto, transformar experiências em padrões doutrinários pode ser uma catástrofe.

Também a nível de introdução devo dizer que precisamos estar dispostos a renovar a mente. Como já vimos, o livro de Atos nos impossibilita de fazer qualquer sistematização de uma fórmula teológica sobre como se dá o batismo com o Espírito Santo. Ele não oferece doutrinas, apenas relata experiências, e estas não obedecem a um padrão. Prova disso são aquelas relacionadas como recebimento do Espírito Santo.

Observe o seguinte. Com os discípulos de Jesus e os cento e vinte que receberam o Espírito Santo no dia de Pentecoste, qual foi o caminho de fé que eles tinham percorrido até aquele momento? Em primeiro lugar, eles nutriam fé em Jesus, e isso desde o ano inicial do seu ministério (At. 1:13-22). Eles haviam sidos batizados ─ ou por João Batista, ou no começo do ministério de Jesus; foram discipulados por Jesus durante três anos, e no dia de Pentecoste receberam o Espírito Santo. Nesse mesmo dia três mil pessoas creram na pregação de Pedro. E o que lhes aconteceu? Pedro os convidou a receber o mesmo dom que haviam recebido (At. 2:38). E qual foi a espiritual, até receberem o Espírito? Arrependimento, batismo, e a promessa do Espírito Santo. É o que diz Atos 2:38: “Arrependei-vos (...) cada um de vós seja batizado (...) e recebereis o dom do Espírito Santo”. Assim, trata-se de uma ordem de fatos totalmente diferente das dos 12 discípulos ou dos 120 da manhã de Pentecoste.

Temos também aquele grupo de Samaria que se converteu com a pregação de Filipe. Diz a Bíblia que eles creram, foram batizados, e inclusive houve um interregno, até que Pedro e João foram lá, oraram, e eles receberam o Espírito Santo. Aconteceu então a conversão de Paulo, e a foi: arrependimento, fé, recebimento do Espírito Santo (quando Ananias orou com ele) e batismo. Depois vem Cornélio, que ouviu a Palavra, reagiu com fé, recebeu o Espírito Santo e foi batizado. Após ele vem a dos discípulos de Éfeso, em Atos 19. Eles ouviram a Palavra, receberam o batismo, depois o Espírito Santo.

Com base nessas experiências, como se poderia afirmar ─ conforme alguns livros de doutrina pentecostal baseada em Atos ─ que a primeira coisa a se fazer é esta, a segunda essa, a terceira aquela? Ou que acontece o batismo com ou sem água, e só depois o batismo com o Espírito Santo? Ou seja: antes, obrigatoriamente, tal passo tem de acontecer, caso contrário nada absolutamente sucedera. Em muitos casos trata-se quase de uma fórmula como para se ligar um liquidificador. Pessoalmente, não creio que seja possível definir como essas realidades relacionadas à obra de Deus “funcionam”.

TEOLOGIA SISTEMÁTICA, SOMENTE NAS CARTAS DOUTRINÁRIAS

Desejo mostrar-lhe que a doutrina do Espírito Santo tem que ser erigida com base nas Cartas doutrinárias, não em Atos. Em primeiro lugar, não podemos construir doutrinas em Atos e confirmá-las nas Cartas. O contrário é que é o certo. Em Atos há somente fatos, não a interpretação teológica deles.

A que as Cartas nos apresentam sobre o recebimento do Espírito Santo tem a ver sempre com a pregação da Palavra de Deus. Leia Romanos 10:17, onde se diz que a fé salvadora “vem pelo ouvir, e pelo ouvir a Palavra de Deus”. Observe ainda o que diz Gálatas 3:2 e 5, onde está registrado que o Espírito é concedido quando as pessoas estão ouvindo a Palavra com fé. Paulo pergunta: “... recebestes o Espírito pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?”. Atente sobretudo ao v.5: “Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura o faz pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?”

O que Paulo está dizendo é que “a fé vem pela pregação, e a pregação pela palavra de Cristo” (Rm. 10:17).

E mais, quando ouvimos a Palavra de Deus e ela produz fé no coração, o Espírito do Senhor vem sobre nós ─ isto acontece na experiência Primeira, no Encontro, a que chamamos regeneração e conversão. O que também faz sentido com Atos 10:44, que revela que o Espírito Santo do Senhor caiu sobre todos os que ouviram a Palavra na casa de Cornélio, na hora da pregação. A salvação, portanto, vem com a invocação de Jesus, como está dito em Romanos 10:13: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. Isto implica a invocação do Espírito Santo. E... “o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem” (Lc. 11;13).

O Espírito Santo é concedido àqueles que ouvem a Palavra de Deus com fé. Isto na experiência primeira, quando o Espírito vem selar, salvar, regenerar, colocar-se como penhor na alma de todo aquele que crê em Jesus (Ef. 1:13-14). Portanto, qualquer recebimento do Espírito Santo ─ teologicamente falando ─ tem a ver com a pregação das Escrituras. Sem ela não há fé salvadora. Sem fé salvadora o Espírito não se derrama em selagem, em regeneração salvadora no coração.
Se todos os que são de Cristo têm o Espírito Santo (conforme diz Rm. 8:9: “E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”), então qual é a experiência cristã que deve receber o nome de batismo com o Espírito Santo?

Próxima postagem: O batismo com Espírito Santo conforme o Novo Testamento. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário