Acabo de voltar de ver novamente o filme Lutero, produzido no ano de 2003 e não tem como não se emocionar. O filme é de
muito bom gosto. Retrata Lutero de modo suficientemente humano para que aquele
que nada sabe de sua vida tenha uma boa idéia de quem ele foi. Além disso,
esteticamente, a produção é refinada, com uma bela fotografia, com cenários
ótimos, e com reconstituição bem realista dos fatos com devem ter sido no
Século XVI.
É verdade que seria impossível se produzir um filme mais profundo
sobre a pessoa do Reformador, e que incluísse mais de seus conflitos,
angustias, rupturas e decisões de santa profanidade, todas elas necessárias
quando se trata de quebrar paradigmas da morte instalados diabolicamente “em
nome de Deus”. Entretanto, o que foi descrito é mais que suficiente para que se
veja como foi a Reforma, do que ela pretendia libertar os seres humanos, e,
também, no que nós, Reformados e Evangélicos, nos tornamos no curso dos
séculos, negando a Graça de Deus e a Palavra da Vida, e voltando às práticas
fetichistas, canônicas, e legalistas das quais aquele evento histórico
pretendia nos libertar.
A ironia de toda a história é que a Reforma Protestante
acabou por, de certa forma, salvar a Igreja Católica da força obscurantista que
haveria de destruí-la, caso a Reforma não lhe tivesse servido de advertência
histórica quanto ao fato de que há limites para o abuso humano feito em nome de
Deus. De fato, hoje, a Igreja Católica é bem menos obscurantista que a Igreja
Evangélica, isto é se não tomarmos em conta as poucas exceções Reformadas que
não se deixaram levar pelo doutrinarismo elitista e jactante dos Protestantes,
ou pelo ritualismo mecânico, ou pelo engessamento do próprio espírito da
Reforma à letra da Reforma.
Fora essas poucas exceções
ainda remanescentes do que a Reforma propôs, todos os demais, tanto
Protestantes Históricos quanto os Evangélicos Tradicionais ou Pentecostais,
entregaram-se ao espírito Católico Medieval, e que Hoje se faz representar em
sua forma mais desgraçadamente excelente pela Igreja Universal do Reino de
Deus, a qual, sinceramente, é a maior corruptora contemporânea do que o
Evangelho de Jesus propõe. Sim, quem quer que vá ver Lutero não deve pensar na
Igreja Católica, que, em si mesma, sofre o seqüestro histórico que as suas
próprias leis e cânones paralizantes e moralistas criaram para ela própria.
Não, ao se ver Lutero, a fim de entender a sua mensagem contemporânea no nosso
país e no mundo, tem-se que pensar no espírito pagão, sincretista, fetichista,
e anti-graça ensinado de modo massivo pela IURD e assimilado por boa parte dos
Evangélicos.
Ora, quanto a isto, quero deixar claro que não digo nada pessoal
contra ninguém—Deus o sabe! Todavia, seja qual for o preço a pagar pela
declaração da verdade do Evangelho, digo a quem interessar que para mim já há
muito não me é possível deixar de falar essas coisas, e, tanto mais quanto os
dias se passam, mais claro fica para mim que esta é uma hora de grande decisão.
Pelo amor de Deus!
Quem tiver olhos, veja. Quem tiver ouvidos, ouça. E quem
tiver coração e fé, seja bravo e corajoso, e rompa em sua própria vida todos
esses grilhões do medo e da catividade que sobre nossos ombros foram postos por
aqueles que da Reforma quiseram manter apenas a cisão com a Igreja Católica,
vindo eles próprios a tornar-se algo muito pior e mais feio do que o que havia
na Idade Média.
Ora, é verdade que já não se pode matar com o descaramento
daqueles dias. No entanto, o que se faz em nome de Deus é muito pior, visto que
é absolutamente incompatível não só com a Palavra, mas com os tempos e suas
luzes de esclarecimento. Hoje não se vende mais o céu, mas sim a Terra. As
nossas indulgências já não têm a ver com a salvação, mas com a prosperidade
terrena. Assim, não busque por relíquias sagradas entre nós, e nem busque por
bulas papais, mas sim enxergue o sal grosso, as campanhas de prosperidade, as
barganhas com Deus—e, sobretudo, veja como tudo era e continua a ser movido
pela dinheiro e pelo poder.
Sim, o que digo acerca da “igreja” é minha declaração contra a
bruxaria que se faz em nome de Jesus, oprimindo o povo, criando dificuldades a
fim de vender salvações. Sei que os tempos são os mesmos. Todavia, sei que mais
do que nunca se precisa de uma Revolução Espiritual entre nós, sob pena de que
vejamos a Nova Era e todas as filosofias orientais dominarem a Terra, e isto
apenas porque o Cristianismo insiste em não se converter à Graça de Deus, pois,
prefere o poder que alcançou na Terra do que os tesouros do Reino de Deus.
Veja
Lutero e tente se enxergar. Veja Lutero e tente discernir o nosso tempo. Veja
Lutero com olhos atuais, e você saberá do que estou falando.
Todavia, é necessário expandir o tema da Reforma para algo que é também muito importante; ou seja: a desbeatificação de
Lutero, a fim de que haja a desbeatificação da Reforma.
Para
os Protestantes Reformados [e também o seu subproduto: o mundo evangélico]
Lutero é uma espécie de Elias ou João Batista [esse é o significado]; e a
Reforma é uma espécie de Pentecoste Doutrinário; ou seja: um pentecoste de
intelecto e letras.
Ora, é
inegável o impacto histórico, social, econômico, ideológico, intelectual,
psicológico, ético, e de projeto de sociedade [que seria de democracia
capitalista] que a Reforma provocou.
De fato, a coragem que se demanda desta geração é bem maior do que
aquela que fez com que camponeses oprimidos pelo papado de Roma tiveram que ter
a fim de iniciar a Reforma. Digo isto porque ‘ali’ a mudança não era radical.
A Reforma arrancou os ídolos do lugar do culto, e os retirou da devoção dos fiéis; aboliu o papado, acabou com boa parte do clero conforme a formatação católica, e afirmou que a Graça, Cristo, a Escritura e a Fé eram os ‘pilares’ sobre os quais a “igreja” deveria ter seus fundamentos.
No entanto, a Reforma não se viu livre das técnicas gregas de ‘fazer teologia’ e suas sistematizações, e nem abriu mão do logicismo grego, antes utilizando-se dele a fim de criar seus próprios credos, dogmas, doutrinas e leis morais. Autores como Caio Fábio chegam a afirmar que a Reforma é um Catolicismo que fez Dieta.
A Reforma arrancou os ídolos do lugar do culto, e os retirou da devoção dos fiéis; aboliu o papado, acabou com boa parte do clero conforme a formatação católica, e afirmou que a Graça, Cristo, a Escritura e a Fé eram os ‘pilares’ sobre os quais a “igreja” deveria ter seus fundamentos.
No entanto, a Reforma não se viu livre das técnicas gregas de ‘fazer teologia’ e suas sistematizações, e nem abriu mão do logicismo grego, antes utilizando-se dele a fim de criar seus próprios credos, dogmas, doutrinas e leis morais. Autores como Caio Fábio chegam a afirmar que a Reforma é um Catolicismo que fez Dieta.
Conhecer os escritos de Lutero e sua
vida é então um exercício fascinante para qualquer um que se interesse pela
psicologia do homem da Reforma. E mais: pela alma coletiva que se estabeleceu
no movimento Reformado e isso muito tem a ver com o próprio espírito
separatista de Lutero.
Lutero foi um homem; e nada
além de apenas um homem. Ele não era o homem moralmente mais ilibado de sua
sociedade [longe disso]; nem o mais culto; nem o mais inteligente; nem o mais
sábio [a sabedoria andou muito longe dele muitas vezes], nem o mais influente;
e menos ainda o mais “adequado”; pois, psicologicamente era um homem com muitos
tormentos; e, depois de conhecer a Graça, ainda assim sofreu algumas seqüelas
de outros tempos.
De fato, Lutero
foi o pivô, o elemento histórico e fenomenológico de uma força Inconsciente
Coletiva que estava pronta para derramar-se sobre a Europa já fazia alguns
séculos; embora nos últimos cem anos antes de Lutero a tal força tivesse ganhado
muito mais intensidade com os pré-reformadores; todos eles pessoas bem mais
equilibradas que o Reformador alemão.
Assim, Lutero não é um
Paulo; ele está mais para um Gideão; para um homem apanhado pelas
circunstancias e que teve seu papel beneficamente superlativizado pelas
perseguições que sofreu; de modo que um Lutero “deixado”, não perseguido, teria
sido um Lutero sem significado histórico.
Quando sua angustia de alma
foi aplacada um pouco pelo entendimento do texto de Paulo aos Romanos (e depois
aos Gálatas), sua insurgência contra Roma veio misturada com muitos elementos
convergentes — a saber: o clamor das ruas, a insatisfação de muitos clérigos, a
necessidade que alguns principados europeus tinham de ter um motivo religioso
que os permitisse romper com o papado por uma causa nobre (e a “Reforma” lhes
pareceu ideal); e, sobretudo, pela perseguição romana, a qual deu a ele
[Lutero] o imediato status de inimigo qualificado do maior poder da terra: a
Igreja de Roma.
De fato foi Roma quem
promoveu a Reforma, e não Lutero.
Quanto mais se lê sobre
Lutero (ou, sobretudo, cartas, sua correspondência com
amigos, príncipes e reis), mas me convenço do seguinte:
1. Ele era um homem em busca de libertação para suas pulsões sexuais
descomunais;
2. Ele revoltava-se com a opressão da Igreja sobre o povo;
3. Ele foi impactado intelectualmente pela certeza de que se Paulo estava
certo, a Igreja de Roma estava errada;
4. Ele não hesitou (tanto por convicção como também por revolta) em
enfrentar Roma com a verdade do Evangelho;
5. Uma vez que isso foi feito o próprio Lutero se tornou símbolo de algo
maior do que ele;
6. O amparo que teve para traduzir a Escritura para o alemão popular deu ao
que iniciara o poder revolucionário que o movimento ganhou;
7. A alquimia do movimento misturava piedade pessoal do povo, muita revolta
popular, uma grande dose de interesse político numa eventual ruptura com Roma,
e o grito libertário de Lutero, o qual se fundamentava na Escritura, e, nela,
sobretudo, em Paulo.
Entretanto, a inadequação humana dele
para com o que de fato aconteceu exclusivamente pela Graça Soberana, é a melhor
expressão da liberdade de Deus usando ou qualquer um; dependendo de
Seu desígnio.
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