quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Decepcionados com igreja



Durante os últimos meses, li alguns depoimentos, que de fato, me comoveram. Irmãos em Cristo, porém dispersos por aí, alguns ligados a uma igreja, outros não. Pessoas que sinceramente querem viver para Deus, mas a decepção que tiveram com a "igreja" foi grande. Estarei reiniciando uma série de estudos com esta temática.

Nesta primeira parte vou colocar dois depoimentos, de duas pessoas. Um foi postado pela própria pessoa em seu blog, outro foi dado como comentário em outro blog, dando sua opinião sobre disputa eclesiástica. Retirei a identificação pessoal dos depoimentos, em seguida vou colocar meu comentário, que eu dei a uma das pessoas. Acredito que muitos estejam na mesma situação que os depoentes. Faço isso, na esperança de ajudar quem está assim.

DEPOIMENTO I: 
"Qualquer disputa por poder, dentro da Igreja, enfraquece o testemunho, a missão, a pregação do Evangelho, a busca pelos desgarrados, o trabalho na seara... Porque nossa luta não é contra a carne, mas espiritual. Não sou nada, em Igreja nenhuma. Não tenho cargo, não quero ser da liderança, não aspiro a posto nenhum.

Se Deus me abençoar para mostrar e pregar a Palavra e o Amor dEele, defeituosa de nascença como sou, a qualquer pessoa que encontrar pela frente, já vou achar uma honra e um favor. Às vezes me pergunto porque após anos eu não tenho ânimo para ir à Igreja. Oro em casa, leio a Bíblia em casa, canto sozinha, deposito dízimo e contribuiçoes no caixa eletrônico.

É por causa de coisas assim, Congressos, reuniões, publicações, disputas. Eu fico triste com isso, porque fora da Igreja as pessoas estão morrendo sem Deus, e o número dos que morrem sem saber que Ele veio e morreu por nós, por seu imenso Amor, é crescente. Quero ir para onde Ele me mandar, mas peço para ser sempre esse nada, dentro da instituição Igreja".

DEPOIMENTO II: 
"As vezes me pego assim, diante de mim mesma, e a perguntar o porque dos fatos, o que afinal é certo ou errado. Tenho fé, creio em Cristo muito mais do que em mim mesma, conheço Seu Poder e Seu Amor como muitos sequer imaginam conhecer um dia.

Já precisei Dele e fui socorrida e já fui socorrida sem saber que precisava Dele. Iniciei minha vida em Cristo diante do maior dos milagres, diante do milagre da vida - literalmente. Sei que minha própria vida e minha conversão por si só já é um milagre e me alegro nisso, agradeço e adoro por isso.
Vivi anos a fio dentro de uma única igreja, tive um único pastor e me entreguei de corpo e alma a um único ministério.

Esse ministério já não existe mais, esse pastor já não é mais pastor e essa igreja fechou suas portas. O que se chama de pecado, de ira, de inveja, vaidade e adultério (nos dois sentidos da palavra) entraram nessa igreja e tomaram por completo seus líderes, impedindo-os de verem a verdade e consequentemente se libertarem de todas essas coisas.

Vi desmoronar sonhos, dissolverem-se adoradores, dispersarem-se ovelhas, acusarem-se inocentes, mentiras sendo ditas com vozes doces e suaves, acusações atiradas de púlpito sem direito de defesa ou resposta, pastores e apóstolos reunidos e sentados à mesa do café e combinando como atacar e destruir aqueles que supostamente os afrontavam.

Vi usarem a Bíblia e o Nome de Deus para acusar e condenar, enfim, como se diz entre nós, vi o diabo "sentado e rindo" dentro da igreja enquanto os ditos crentes se degladiavam.

Descobri , com o passar do tempo, que amizades que eram declaradas não passavam de interesse pessoal, chacorrices ditas pelas costas de quem se entregava e se dedicava com amor, e o pior, vi roubarem a alegria do rosto de muitas pessoas.

Hoje, coloco em dúvida muitas coisas que aprendi naquele lugar e com aquelas pessoas.
Me martirizo em dúvidas sobre pentecostalismos e doutrinas e já não sei mais o que fazer. São quase 2 anos sem igreja, visitando uma ou outra mas nunca estando em nenhuma.

Sinto uma falta imensa, mas não consigo mais me entregar. Moro numa cidadezinha pequenina e conheço de trás pra frente toda crentolândia desse lugar. Conheço suas histórias, suas famílias, seus atos e desatos, e creio que isso seja o que mais me assusta e me afasta do convívio com eles.

Nessa tal igreja que fechou, eu conseguia ficar sim, porque encontrava lá o amor que era pregado, e durante muitos anos foi verdadeiro e maravilhoso, mas não suportou quando o pecado tomou a cúpula pastoral.

Uma tristeza só. Hoje vejo andando por aí, pastores sofrendo de depressão bipolar profunda e virando a cara para todos nas ruas, odiando com uma força que me assusta e tendo muita vergonha de tudo, vejo pastoras que sustentam as piores mentiras para defender suas crias e que se escondem envergonhadas dentro de casa, invadidas pela solidão e desprezo de grande parte da cidade que conhece seus atos.

Vejo castelos que desmoronaram, vidas retalhadas e tentando mostrar um equilíbrio que não existe e areia espalhada por todos os lados.
Vejo a mentira tomando o corpo da verdade e impedindo a cura, o perdão e o sorriso.
Vejo um apóstolo se vangloriando em cima do fechamento dessa igreja só porque essa o assustava.

Cansei de ver os interesses humanos acima dos interesses de Deus.
Não suporto mais ver inocentes pagando o preço alto pelo que não fizeram.
Não aguento mais mentiras ditas com lágrimas, voz doce, pestanas caídas e com tanta cara de pau.
Me enojo diante de tanta falsidade e hipocrisia, e em resumo, me afasto do convívio denominacional.

É muito simples me dizerem que preciso da igreja , que sem ela não sobrevivo, que preciso estar em comunhão com irmãos , que tenho que olhar para Deus e não para os homens.... é muito simples dizer isso para os outros, eu mesmo já disse muito para pessoas que um dia eu julguei estarem desviadas, mas quando é você quem vive essas dores e dúvidas, fica tudo mais difícil.

Já tive até mesmo vontade de mudar dessa cidade tão lindinha, só pra encontrar uma outra igreja, mas sei que os homens estarão em todas e que encontrarei tudo igual a aqui.
Então, vou ficando nessa em que estou, sozinha, visitando uns e outros, recusando convites para estar com uns e outros, mas nunca negando a Cristo.
Vou caminhando assim, com ELE, mas um dia aqui e outro lá, orando para que esses ditos líderes reconheçam seus erros e sejam curados, pois sei que são pessoas boas e merecedoras da Graça de Deus.
Vou seguindo meu caminho, esperando um dia encontrar as tão famosas águas tranquilas e os tão desejados pastos verdejantes que com tanta alegria eu já experimentei".

MEU COMENTÁRIO
O grande problema da religião é este: Deus só é Deus dentro de suas estreitas paredes! Desse modo, a gente de uma certa maneira, fica “viciado” pela religião, e acreditando que as visitas a um determinado lugar ou endereço equivalem a usufruir a “presença de Jesus”, quando se afasta daquela “congregação”, sempre se sente desviado de Deus.

Trata-se de um poder tão grande esse da religião, que muita gente de fato deixa de orar, de ler a Palavra, de testemunhar a fé, de dizer o que pensa e crê, de ser sal da terra e luz do mundo, de enfrentar o mal, de repreender o diabo, de celebrar o amor de Deus, etc...apenas porque não gosta de um lugar e decidiu que ali não dá. Assim nascem os “desviados”.

Algumas vezes a pessoa deixa o Caminho mesmo. Perde a exultação na esperança e não crê na Graça de Deus. Porém, quem conheceu a Graça de Deus em Cristo se torna indesviável. Pode até não gostar da “cultura de igreja”. Pode até, circunstancialmente, não desejar nenhum envolvimento. Pode até estar vivendo uma estação de desapontamento e falta de alegria no convívio cristão, razões jamais faltarão, como no seu depoimento.

Então se pergunta: Para o que serve a igreja como ajuntamento humano? Bem, para mim ela é Fundamental, embora não seja Essencial. Cristo é Essencial. Sem Ele não há salvação! A Igreja é Fundamental. Sem ela não se cresce em maturidade e comunhão! Sem Jesus não há nada. Sem a Igreja não há muitas coisas boas. A Carta aos Hebreus diz que não devemos deixar de nos congregar com os irmãos. A saúde humana demanda convívio.

Bem, dizendo isto não estou desencorajando você a deixar de ir a uma igreja. Ao contrário: penso que você precisa muito congregar. E também não estou dando nenhum pouquinho de força para você ficar onde está, ou seja: lugar nenhum. O pior é que quanto mais esse pensamento se instala, mais a pessoa se “sente” longe de Deus mesmo. Trata-se, portanto, de um afastamento psicológico de Deus, e baseado na culpa de não gostar da representante de Deus na terra: a “igreja”. Assim, quanto MENOS a pessoa gosta da “igreja”, MAIS julga que está longe de Deus.

Ora, o caminho é justamente o inverso: eu tenho que ter uma relação muito forte e firme na Graça de Deus com Deus, a fim de suportar a “igreja”. Ou seja: eu tenho que ser Igreja a fim de poder conviver com a “igreja”. Do contrário, aconteceria comigo o que acontece com milhares: quando não agüentam mais a “igreja”, deixam a fé; e assumem seu desvio de Deus, indo de mal a pior.

Portanto, o que aconselho nesses casos é pegar sua Bíblia e lê-la. Reiniciar a vida oração (isto quando a pessoa parou com essas duas atividades). Saiba que Deus é seu Pai. Creia em Jesus e saiba que se você é Dele ninguém e nem nada a tirarão de Suas mãos. E, por último, procure um lugar leve, legal de estar, e freqüente sem neurose. A Palavra faz o resto do trabalho. No mais você é livre para ficar onde for bom. Simplesmente abrace o seu chamado em Cristo

Postado originalmente em 06/08/2008, no primeiro ano do blog Cristianismo Radical.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A vitória de Trump pode ajudar Lula em 2026?




Na minha opinião, a vitória de Donald Trump para seu retorno a Presidência dos Estados Unidos, pode por incrível que possa parecer, acabar favorendo o Presidente Lula a ganhar a reeleição em 2026.

Explico.

Sem dúvidas existe algumas semelhanças no que ocorre no mundo político e religioso do Brasil e Estados Unidos,  mas também a diferenças gritantes.

O sistema eleitoral brasileiro é muito diferente do país do Tio Sam. Lá além de ter Colégio Eleitoral, não tem um sistema eleitoral unificado como aqui com o TSE. Cada um dos 50 Estados americanos tem suas regras. Na verdade, o nosso na verdade é uma das poucas coisas em que o Brasil está na frente dos States.

Trump ganhou 2016, no Colégio Eleitoral e perdeu na votação popular. Já em 2020 perdeu para o Biden no voto popular e no Colégio Eleitoral. Bom, quem ficou descontente com o atual governo americano mudou o voto em 2024 e votou no Trump em vez da Vice do Biden. E não foi aprimeira vez que isso ocorreu nas Américas.

Em 1972, Nixon teve uma grande vitória eleitoral, sendo reeleito. Dois anos depois ele renunciou para não ser afastado. Na eleição seguinte em 1976, um governador desconhecido da Géórgia venceu o vice que se tornou presidente com a renúncia de Nixon. Vitória de Jimmy Carter contra Gerald Ford.

Depois de ganhar em 1976, Carter foi derrotado eleitoralmente por Ronald Reagan em 1980. Reagan ganhou em 44 Estados e Carter só em 6. No Colégio Eleitoral foi de 489 a 49 votos. Foi um massacre eleitoral!

Os republicanos ainda ganharam em 1984 (com Reagan) e 1988 (com Bush pai).

Mas em 1992 e 1996, os democratas voltaram com Bill Clinton. Depois os republicanos ficaram mais 8 anos com Bush Filho em 2000 e 2004. E com Obama, os democratas voltam novamente em 2008 e 2012. 

Por aqui não é muito diferente: Em 2018 ganhou a direita, em 2022, a esquerda, mesmo que por pequena margem.

Mas aí você me pergunta: O que isso ajuda o Lula? Não está mais para ajudar ao Bolsonaro e a direita brasileira em vez de Lula e a esquerda?

Acontece que o Donald Trump é para lá de polêmico. E como por aqui no Brasil, desde 2018, o representante da direita é o Bolsonaro, que aliás faz questão de falar em semelhanças entre ele o famoso republicano norte-americano. 

Creio que é um pêndulo na verdade. Se o governo de Trump for visto por aqui como bom até 2026, o candidato, ou candidatos da direita terão mais chance mesmo. Acontece que se o Trump fizer coisas exageradas e que podem ser temidas por quem se define mais ao centro da esquerda e direita, pode favorecer o Lula, porque podem pensar que é melhor continuar com ele do que arriscar na versão Trumpiana brasileira.

O Daniel Parreira da Revista Veja também concorda ao dizer que:  A vitória de Trump, "permite ao presidente e à esquerda evocar novamente o fantasma da ameaça à democracia no Brasil e, assim, pregar a reorganização e a revitalização da frente ampla que derrotou Bolsonaro..."

Mas é só um palpite. 

O artigo da Veja está em: https://veja.abril.com.br/politica/vitoria-de-trump-anima-bolsonaro-mas-tambem-pode-ser-util-a-lula




segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O que é o Cinturão da Bíblia dos EUA, os Estados onde líderes religiosos acreditam que Trump é 'enviado de Deus' para ser presidente

 

  • Cecilia Barría
  • Role,BBC News Mundo

Minutos antes do culto de domingo na Igreja Batista Reformada da Graça, em Elgin, uma cidade com cerca de 2 mil habitantes no Estado de Oklahoma, no sul dos EUA, o pastor Dusty Deevers, de 36 anos, impecavelmente vestido e com um sorriso no rosto, dá as boas-vindas a uma centena de fiéis.

No saguão do templo, com suas paredes brancas imaculadas, há alguns panfletos com o desenho do que parece ser um bebê sem vida.

"Enquanto você lê este parágrafo, três crianças são massacradas injustamente nos Estados Unidos", diz o texto, que se refere ao aborto como o "holocausto" dos nossos tempos, uma questão controversa e fundamental na campanha eleitoral americana, às vésperas das eleições de 5 de novembro.

Esses panfletos são um vínculo claro entre política e religião, dois setores que caminham cada vez mais juntos para parte do eleitorado nos Estados Unidos.

A maioria das pessoas que frequentam o culto são famílias brancas jovens, com muitos filhos, que compartilham o mesmo ritual todos os domingos.

Às 10h45, começa a cerimônia religiosa, com Deevers tocando violão e cantando junto aos fiéis. A apresentação é seguida por um sermão baseado em uma passagem bíblica do Evangelho de João.

Deevers, um senador nascido em Elgin, é pai de seis filhos, tem mestrado em Divindade e um negócio no setor imobiliário. Ele prega no púlpito aos domingos, e propõe leis como senador às segundas-feiras no Capitólio de Oklahoma, onde mais de 80% dos legisladores são republicanos.

Dusty Deevers de terno e gravata na rua.

Crédito,Cecilia Barría

Legenda da foto,O pastor-senador Dusty Deevers argumenta que é preciso mudar as estruturas de poder

Ele representa a dualidade político-religiosa que caracteriza a maioria dos líderes locais.

Uma dualidade comum no chamado Cinturão da Bíblia dos Estados Unidos, do qual Elgin faz parte. Uma vasta parte do país com fortes convicções religiosas e conservadoras, onde poucos discutem quem vai ganhar a disputa entre o republicano Donald Trump, que se apresenta como protestante, e a democrata Kamala Harris, uma mulher que cresceu em um lar de tradição protestante e hindu e que é casada com um judeu.

Panfletos antiaborto com a frase: 'Como podemos resgatar aqueles que estão sendo levados à morte?'

Crédito,Cecilia Barría

Legenda da foto,Na entrada da igreja, há panfletos antiaborto com a frase: 'Como podemos resgatar aqueles que estão sendo levados à morte?'

Localizado no sul dos Estados Unidos, o Cinturão da Bíblia é um extenso território que inclui pelo menos nove Estados de maioria protestante, nos quais Trump venceu nas últimas eleições presidenciais.

E assim se espera que aconteça novamente em 5 de novembro.

É um cinturão majoritariamente vermelho — cor que identifica o Partido Republicano —, no qual a influência política dos líderes religiosos tem crescido nos últimos anos, e cuja "fivela" está no Estado conservador de Oklahoma.

'Não há como desconectar o cristianismo da política'

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"O que você achou do culto?", Deevers me pergunta, em uma primeira tentativa de descobrir quem sou eu, enquanto conversamos no escritório da igreja, sentados ao redor de uma mesa, com outros membros de seu círculo próximo.

"Posso fazer algumas perguntas antes de começar a entrevista?", ele fala. "Claro", respondo.

Depois de uma longa conversa sobre assuntos religiosos, ele me conta que, no curto prazo, sua agenda política visa banir o aborto, eliminar a pornografia e acabar com a cobrança de impostos sobre a renda e a propriedade.

São ideias da ala conservadora mais ultrarreligiosa, cada vez mais influente dentro do Partido Republicano liderado por Trump.

Mas, a longo prazo, seu objetivo é muito mais ambicioso: transformar os Estados Unidos, considerado o primeiro país claramente laico da história, numa nação cristã.

E para cumprir essa missão, parte essencial da estratégia é ocupar cargos políticos até chegar aos níveis mais altos de poder.

"Você quer converter a Casa Branca no reino de Deus?", pergunto a ele. "Tudo na Terra é o reino de Deus", ele se esquiva.

Gina Desmarais em um parque.

Crédito,Cecilia Barría

Legenda da foto,Gina Desmarais gostaria de viver num país com leis baseadas nas Escrituras

Sua visão política é de que "é preciso mudar as estruturas de poder".

"A maior esperança desta nação, e a melhor pessoa para preencher o vazio de liderança, é Cristo", explica.

É nisso que também acredita Aaron Hoffman, pai de cinco filhas que, aos 37 anos, se prepara para ser pastor de uma nova igreja batista.

Separar a Igreja do Estado, do ponto de vista deles, não faz sentido. "Não há como desconectar o cristianismo da política", afirma.

O assunto o afeta tão profundamente que lágrimas escorrem pelo seu rosto enquanto explica que os americanos se rebelaram por muito tempo contra Cristo, mas adverte que ainda podem se arrepender. Sua visão para o futuro é que as leis do país sigam as da Bíblia.

Caminhando pelo pátio da igreja, sob 35 graus neste domingo de julho, uma das fiéis que assistiu ao culto, Gina Desmarais, uma mulher branca de olhos claros, me conta que foi abençoada com quatro filhos.

Em vez de mandá-los para a escola, ela prefere educá-los em casa, para que sigam os valores cristãos. E se fosse possível, ela gostaria de viver num país governado de acordo com os ensinamentos da Bíblia.

"Você não pode obrigar as pessoas a serem cristãs, você não pode obrigar seus corações. Mas políticas e leis que estão alinhadas com as Escrituras são boas para todos, até mesmo para os que não são crentes", diz ela, com uma voz muito serena.

Ensinar a Bíblia nas escolas públicas

Essa visão política do cristianismo protestante teve manifestações bastante concretas no Cinturão da Bíblia neste ano.

No Estado da Louisiana, por exemplo, foi ordenado que todas as salas de aula tivessem os Dez Mandamentos pendurados nas paredes, enquanto no Alabama, a Suprema Corte determinou que os embriões congelados são "bebês", causando o fechamento temporário de algumas clínicas de fertilização in vitro por temor de que as equipes médicas sofressem consequências legais.

E, em Oklahoma, a Superintendência de Ensino Público emitiu uma ordem em junho tornando o ensino da Bíblia obrigatório nas escolas públicas do Estado, gerando uma enorme polêmica.

Susie Stephenson

Crédito,Cecilia Barría

Legenda da foto,A professora Susie Stephenson pediu demissão em Oklahoma

Sendo Oklahoma um dos Estados com maior escassez de professores do país, a notícia não foi bem recebida por muitos docentes que, cansados ​​dos salários e do baixo orçamento destinado às escolas, afirmam que a ordem das autoridades vai contra a liberdade religiosa garantida na Primeira Emenda da Constituição do país.

A professora primária Susie Stephenson, uma protestante de 44 anos, denuncia que existe um clima hostil contra os professores.

Embora seja religiosa, sua posição é clara: "Devemos separar a Igreja do Estado".

Frustrada com a gestão do superintendente de Ensino Público, o republicano Ryan Walters, que em maio de 2023 chamou o sindicato dos professores de Oklahoma de "organização terrorista", Stephenson renunciou ao cargo.

"Sou cristã, a fé é muito importante na minha vida, mas não gostaria que outra pessoa ensinasse a Bíblia aos meus filhos, como vou saber como eles a interpretam!"

Walters, que ocupa um cargo eleito por voto popular, recusou um pedido de entrevista da BBC News Mundo.

Evento de campanha "Evangélicos por Trump", em 3 de janeiro de 2020

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Trump nomeou juízes e estabeleceu uma maioria conservadora na Suprema Corte, algo pelo qual muitos protestantes antiaborto são gratos a ele

Stephenson acredita que a medida faz parte de uma agenda política de líderes conservadores que promovem o nacionalismo cristão em Oklahoma.

Mas o que é o nacionalismo cristão?

Samuel Perry, professor da Universidade de Oklahoma e especialista em nacionalismo cristão, explica que se trata de uma ideologia que idealiza e promove uma fusão entre a vida civil americana e uma etnocultura anglo-protestante conservadora.

Na prática, ele acrescenta, existe uma estratégia política para ativar essa ideologia nas pessoas que sentem que sua influência está diminuindo no país, principalmente entre os membros da classe trabalhadora branca.

Os exemplos de Louisiana e Oklahoma ilustram como as escolas se tornaram um dos campos de batalha para as chamadas "guerras culturais" travadas por ultraconservadores e progressistas em todo o país.

"Em vez de impor a Bíblia, deveriam se preocupar com a pobreza nas escolas", diz Erika Wright, fundadora da Coligação de Escolas Rurais de Oklahoma, uma organização de pais que procura melhorar a educação pública.

Em Oklahoma, a pobreza atinge 15% da população, algo que parece impensável no país mais rico do mundo.

'Trump foi enviado por Deus'

Ao estabelecer pequenas igrejas nas comunidades mais pobres, os pastores do Cinturão da Bíblia têm muita influência entre os crentes, e muitos são voltados para o setor mais conservador do Partido Republicano.

E Trump se tornou o melhor veículo para este grupo conquistar avanços nos últimos anos.

Mas o pastor e senador Dusty Deevers acredita que Trump não vai tão longe quanto ele gostaria. "Está inclinando o Partido Republicano para a esquerda", argumenta. Por isso, quando pergunto em quem ele vai votar, ele me diz que ainda não tem certeza.

Outros pastores de Oklahoma, como Jackson Lahmeyer e Paul Blair, apoiam incondicionalmente o candidato republicano, assim como a maioria da população de Oklahoma.

"Trump foi enviado por Deus para governar este país", explica por telefone Lahmeyer, fundador do grupo Pastors4Trump ("Pastores por Trump"), cujo objetivo é "mobilizar o bloco de eleitores evangélicos".

Jackson Lahmeyer falando com os braços abertos.

Crédito,Jackson Lahmeyer

Legenda da foto,O pastor Jackson Lahmeyer disse que 'Trump foi enviado por Deus para governar este país'

Lahmeyer considera que "foi um milagre divino" que o ex-presidente tenha sobrevivido à tentativa de assassinato num comício em meados de julho. "Estávamos a um passo de uma guerra civil no nosso país."

Ex-candidato ao Senado dos EUA por Oklahoma (ele perdeu a disputa para outro republicano), Lahmeyer se recusa a ser identificado como nacionalista cristão.

"Isso nada mais é do que um rótulo que a imprensa nos deu para nos representar como uma ameaça à democracia", afirma. "Não é verdade."

O pastor Paul Blair, líder da Igreja Batista Fairview em Edmond, um subúrbio de Oklahoma City, tampouco se define dessa maneira.

"Desculpa a roupa que estou usando", diz Blair, com traje esportivo, enquanto caminhamos para seu escritório dentro da igreja.

Sentado à sua mesa, o pastor me mostra fotos da época em que era jogador profissional de futebol americano na linha de ataque do Chicago Bears, no fim dos anos 1980.

Hoje, Blair organiza campos de treinamento para pastores (Liberty Pastor Training Camps), onde estudam temas como a influência cristã no governo ou a defesa cidadã da liberdade, para que os líderes religiosos "pensem biblicamente em todas as áreas da vida, incluindo no âmbito do governo civil, da economia, da sexualidade humana, da caridade e da família".

Paul Blair de camisa florida com a bandeira dos EUA ao fundo

Crédito,Cecilia Barría

Legenda da foto,O pastor Paul Blair argumenta que os cristãos sempre influenciaram o governo

Ele se define como um "pastor patriota" e acredita que seu país deveria regressar aos valores do momento da fundação, quando foi assinada a Declaração da Independência em 1776.

"O governo não pode controlar a igreja", diz o pastor, que foi candidato a senador por Oklahoma.

"No entanto, os cristãos sempre influenciaram o governo", acrescenta.

Blair acredita que Trump foi o vencedor legítimo das eleições de 2020 — e que as pessoas detidas por sua participação na invasão do Capitólio em janeiro de 2021 são "presos políticos".

Agora, ele tem esperança de que em 5 de novembro, Trump, que venceu em Oklahoma com 65% dos votos (um dos percentuais mais altos no país), se torne presidente dos Estados Unidos pela segunda vez.

Uma esperança compartilhada pelos líderes políticos protestantes conservadores que lutam em seus congressos locais para legislar contra tudo o que consideram progressista, como a diversidade de gênero, a livre orientação sexual ou a defesa do aborto como um direito.

Trump e seu candidato à vice-presidência, J. D. Vance, são as pessoas que personificam essa luta.

Trump e o aborto

Os seguidores do ex-presidente são gratos a ele, entre outras coisas, pela nomeação histórica, durante seu mandato, de três juízes para a Suprema Corte, garantindo uma maioria conservadora no mais alto órgão judicial do país por várias décadas.

Graças a essa maioria conservadora, a Suprema Corte acabou, em 2022, com o direito ao aborto que era garantido no país há quase meio século, deixando a decisão nas mãos de cada Estado.

E isso faz com que Estados do Cinturão da Bíblia, como Oklahoma e Arkansas, tenham leis muito restritivas sobre a interrupção da gestação, que só pode ser realizada se a vida da mãe estiver correndo perigo.

Um manifestante segurando uma Bíblia que diz "Graças a Deus por Trump", fora do Capitólio do Estado da Geórgia, em novembro de 2020

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Muitos eleitores de Trump saíram às ruas para exigir a vitória do seu candidato com a Bíblia nas mãos em 2020

Em outros Estados, a legislação inclui algumas exceções, como quando não se espera que o feto sobreviva, em caso de estupro ou se a gestação tiver até seis semanas.

A Carolina do Norte é o único Estado do cinturão que permite o aborto até os três meses de gravidez, uma exceção que os protestantes conservadores consideram inaceitável.

O aborto é justamente um dos principais temas destas eleições, já que a ala mais conservadora do Partido Republicano, a que tem mais poder no Cinturão da Bíblia, não está satisfeita com o que foi alcançado — e defende, inclusive, uma lei que proíba a interrupção da gravidez em todo o país, algo que talvez seja possível se Trump voltar ao poder.

Apesar das diferenças que possam ter com Trump, que muitos veem como um libertino nova-iorquino sem valores religiosos profundos, o magnata abriu as portas da Casa Branca a conhecidos líderes protestantes conservadores durante seu governo e continua participando de grandes eventos com pastores evangélicos que lhe deram apoio.

Como quase 40% da população americana se declara protestante, segundo o Pew Research Center, os republicanos se esforçam para tentar obter os votos daqueles que não conseguem perdoar os democratas por apoiar que as mulheres decidam livremente sobre a interrupção da gravidez, entre outras coisas.

Trump rezando ao lado de líderes religiosos no Salão Oval da Casa Branca em setembro de 2017

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Trump rezando ao lado de líderes religiosos no Salão Oval da Casa Branca durante sua presidência

Apesar de negar que vai buscar como presente uma proibição nacional do aborto, o que custou a ele críticas entre os mais ultraconservadores, muitos crentes veem Trump como um candidato muito mais próximo da sua fé do que a democrata Kamala Harris.

Embora o Partido Republicano tenha historicamente representado valores americanos conservadores, como o respeito pela tradição, pela família e pela religião, junto a ideias de liberdade individual e liberalismo econômico, a aparição de Trump na arena política há uma década provocou uma reviravolta.

Com Trump, criou-se um movimento dentro do partido com um forte componente político-religioso, que apela a uma base importante do eleitorado americano.

Por exemplo, durante seu governo, Trump assinou um decreto para criar um novo gabinete na Casa Branca chamado Iniciativa de Fé e Oportunidades.

"A fé é mais poderosa que o governo, e nada é mais poderoso que Deus" disse ele ao assinar o documento.

O rosto mais conhecido dos evangélicos na Casa Branca foi Paula White-Cain, que fez a invocação religiosa na sua posse e foi nomeada funcionária do governo na qualidade de assessora especial da Iniciativa de Fé e Oportunidades no Gabinete de Relações Públicas.

Donald Trump e Paula White-Cain

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,A pastora Paula White-Cain foi assessora pessoal de Trump para assuntos religiosos

Quando Trump perdeu as eleições em 2020, muitos pastores saíram dizendo que haviam roubado a presidência dele, e muitos se juntaram ao recém-formado movimento de direita radical ReAwaken America Tour, liderado pelo empresário de Oklahoma, Clay Clark.

Atualmente, eles continuam a organizar eventos com a participação de evangélicos, defensores de armas, anti-imigrantes, anti-LGBTQ+, anticomunismo e qualquer pessoa que sinta que seu estilo de vida está ameaçado — e que apenas Trump os representa.

Não é raro escutar ou ver cartazes nestes eventos com frases como "estamos em guerra" e "somos soldados de Deus".

Os mesmos slogans que se repetem várias vezes nas redes sociais, a plataforma perfeita para a rápida propagação destas ideias num momento em que as organizações religiosas desenvolveram uma gigantesca indústria de comunicação online.

Algumas dessas ideias estão incluídas no chamado Projeto 2025, a polêmica proposta radical de ex-assessores de Trump para reformular o governo federal e aspectos-chave da vida americana.

O projeto traça quatro objetivos principais: restaurar a família como peça central da vida americana; desmantelar o Estado administrativo; defender a soberania e as fronteiras da nação; e garantir os direitos individuais dados por Deus para viver livremente.

Embora o próprio Trump tenha se distanciado do projeto, muitos acreditam que os influentes grupos conservadores e religiosos por trás da iniciativa vão impor a ele essa agenda caso volte à Casa Branca.

Apoiadores de Trump em um culto religioso durante um evento do ReAwaken America Tour em Manheim, na Pensilvânia, em outubro de 2022

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,'Jesus é meu salvador, Trump é meu presidente', é um slogan comum em eventos político-religiosos daqueles que são fiéis ao ex-presidente

FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/

MEU COMENTÁRIO: Lendo esse artigo da BBC eu penso: como o Brasil e os Estados Unidos estão parecidos!