quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Pastores em perigo


Perigos que rondam a integridade e a ética do pastor parecem mais intensos do que nunca. “Foi um momento de fraqueza dor e curiosidade doentia”. Com essas palavras, o pastor reformado Robert Charles Sproul Jr., da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, admitiu ter visitado o site de relacionamentos Ashley Madison, voltado para pessoas casadas que procuram um caso. O caso do pastor veio à tona em agosto, quando um grupo de hackers autointitulado Impac Team violou o sigilo do site e obtiveram quase 25 gygabites de informações sigilosas sobre milhões de cadastrados e freqüentadores eventuais do Ashley Madison, cujo slogam – “A vida é curta; curta um caso” – faz sucesso também aqui no Brasil, onde é um dos 150 sites mais acessados pelos internautas.

Sproul Jr, de 50 anos, foi imediatamente afastado do Ministério Ligonier, organização cristã internacional de linha reformada e conservadora fundada por seu pai, o respeitado pastor RC Sproul, que ainda integra o Conselho da entidade. Um dos temas centrais da pregação do Ligonier e, justamente, a santidade do cristão. Mas Sproul Jr. Disse que caiu na tentação de “atiçar as chamas da sua imaginação”.

E o escândalo envolvendo o líder evangélico pode ser só a ponto de um iceberg, já que os hackers que se apoderaram dos dados ameaçam vazar listas de milhões de iformações pessoais e revelações íntimas dos usuários, inclusive “perfis com fantasias secretas dos clientes”, se o site não for retirado do ar. Especula-se que outros 400 líderes evangélicos estariam apavorados com a quebra de sigilo do “site dos adúlteros”.

Em Junho, evangélicos de todo o mundo já haviam sofrido o choque com a notícia de que o pastor e conferencista Tulian Tchividjian afastou-se da congregação que dirigia, a Igreja Presbiteriana Coral Ridge, na Flórida. O motivo? Um escândalo sexual. O caso ganhou ainda mais repercussão por Tchividjan, embora não carregue o sobrenome, é neto do célebre evangelista Billy Graham, um dos mais respeitados líderes da história contemporânea da igreja. Do alto dos seus 96 anos, Billy Graham permanece como reserva ética e moral da fé cristã, sem jamais ter se envolvido em escândalos financeiros, desvios morais ou simples suspeitas quanto à sua integridade.

Melhor sorte não teve o neto que, admitiu ter se relacionado “inadequadamente” com uma amiga após descobrir que a mulher, Kim, também tivera um caso extraconjugual. Pregador carismático, e com fama florescente, Tchividjan, aos 42 anos, tem agora de enfrentar o difícil – e nem sempre possível – caminho da restauração pessoal, familiar e ministerial. A última informação é que, ele deu entrada no divórcio no dia 27 de agosto.

Nos dois pastores citados (Sproul Jr. e Tchividjian) não faltaram boas influências. Porém, nem todo pastor consegue conviver com condições de estrelato sem se deixar picar pela mosca azul. Mark Driscoll, queridinho dos neo-reformados, caiu na armadilha do ego. Palestrante requisitado e figurinha constante de programas de TV e entrevistas, chegou àquele perigoso ponto que um líder já se sente forte o bastante para não dar satisfações.

Ele desagradou seus subordinados na Igreja Mars Hills, em Seattle (EUA), pelo excesso de autoritarismo e acabou sendo afastado do comando no ano passado. Os outros pastores se queixaram de prestação de contas insuficientes de contas em Mars Hills, uma igreja com quase 15 mil membros e presença em cinco estados americanos. Segundo eles, “o poder se consolidou no topo com Driscoll”, que tinha “rédea livre” para fazer o que queria. Agora, Driscoll tem dito que precisa voltar a ser “gente comum” e repensar a vida e a vocação.

Fatos como esses tem ocorrido em vários países, e não é diferente no Brasil, mas pergunta que fica é : por quê ocorre?

O pastor Jasiel Botelho, palestrante na área de famíla e ministério, lembra que, via de regra, apenas pecados na área sexual chamam a atenção quando cometidos por um pregador da Palavra de Deus. “Hoje, eu creio que a maior tentação ministerial é ter uma grande igreja”, assevera Botelho, que é fundador e presidente da missão Jovens da Verdade. No seu entender, a coisa funciona mais ou menos da seguinte maneira: “Se tenho uma igreja com milhares de membros, sou relevante e serei convidado para os congressos nacionais e internacionais, adquirindo poder financeiro e influência política”.

Para ele, as prioridades dos pastores mudaram muito. “Antes, considerávamos o ministério na mais alta conta. Hoje, ele vem atrás de muita coisa, inclusive métodos de crescimento da igreja”.

“Apesar de viver rodeado de ovelhas, o pastor é um ser solitário; não tem amigos, só tem colegas de ministério e concorrentes ao cargo pastoral. Pastores necessitam uns dos outros, isto é, precisamos de mentoria”, concorda o escritor e conferencista Geremias do Couto, pastor da Assembléia de Deus. “Por força do pastoreio, ouvimos muito, mas não temos a quem expressar as nossas fragilidades, até por falta de confiança”.

Embora o sistema eclesiástico de cada denominação trate- ou deixe de tratar -  a questão à sua maneira, Couto acredita que, em sua expressão local, o pastor deveria ter um grupo de apoio para estar ao seu lado e sustentá-lo em todas as circunstâncias. Apesar de fazer mea culpa, admitindo que a classe, em regra geral, acha que não precisa disso, ele critica a falta de iniciativa da sua e de outras denominações. "A meu ver, muito pouco, ou nada mesmo, se faz nesse sentido. Há um projeto interdenominacioanal chamado Pastores de Pastores, que poderia servir como modelo para as igrejas. É basicamente um sistema em que os pastores se reúnem para serem pastoreados, orarem juntos e compartilharem suas experiências, fragilidades e em que áreas necessitam de suporte".
Fonte: Trechos da matéria "Sombras no Púlpito", da edição nº 48 da Revista Cristianismo Hoje.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Suicídio!


Paulo disse que sofreu tantas angustias na Acaia que esteve a ponto de “desesperar da própria vida”.

Estamos falando de Paulo, o apostolo, o mesmo que viu a Luz na Estrada e que conheceu o amor de Deus como muito pouca gente jamais sonhou em conhecer.

Ora, Paulo não era esquizofrênico; não tinha nenhuma Desordem Bipolar; não sofria de depressão; não era acossado por nenhuma Síndrome do Pânico; não tinha nenhum tumor maligno pressionando seu cérebro; não era enfermo de nada que fosse essencial; e não sofria de nenhuma forma de doença mental que pudesse lhe fazer ter impulsos incontroláveis e ou à revelia — como muitas vezes acontece com pessoas que se suicidam.

A menos que você me diga que um “salvo” não sofre de nenhum desses males (o que seria um terrível equivoco, com danos irreparáveis no papel de um pastor em relação aos que sofrem) — a implicação de não poder negar essa possibilidade conduz imediatamente à seguinte conclusão:

É possível que uma pessoa que sofra tais perturbações possa ficar em tamanho estado de desespero, que venha a praticar um ato suicida como quem busca a morte como “esperança”.  

A Bíblia não fale em suicídio na perspectiva de juntar a ele qualquer forma de “interpretação” do ato.

De fato Sansão se matou, mas não se suicidou. Matou-se porque dele veio a decisão de derrubar o Templo e morrer no desastre. Entretanto, sua motivação era de vida e esperança de libertação — pois cria que aquele ato poderia trazer livramento para o seu povo por algum tempo.

Creio que quem se mata em razão do desespero da presente existência, e o faz na esperança de uma vida pós-morte, de fato se mata, embora não esteja se suicidando.

O suicida é aquele que não tendo pulsões provocadas por nada interno ou externo a si mesmo, mata-se por uma total descrença nesta ou em qualquer outra vida.

Assim, em minha opinião, somente um ser totalmente ateu e materialista em sua visão da existência tem o poder de matando-se, suicidar-se.

Os demais são coitados buscando alivio e vida, não morte.

Portanto, o suicídio não deve ser nunca objeto de juízo humano, pois, de fato, ninguém sabe quem, matando-se, suicidava-se.

Além disso, como a Bíblia não “teologiza” sobre o tema, tem-se mais uma razão para não especular. Afinal, trata-se de “terra santa”, na qual se deve entrar sem as sandálias das falsas certezas e das muitas presunções.

Ante um suicida inerte dentro de um caixão, tem-se que apenas calar.

Sim! Porque qualquer fala, juízo ou interpretação acerca do tema pode nos fazer incorrer no risco de blasfêmia contra a vida humana!

O que se sabe pela experiência é que todo aquele que na existência tem na morte seu maior inimigo, esse quer viver. Mas quando o que a pessoa conhece de pior na existência é a própria vida, então, nesse dia, tal pessoa quer morrer; posto que para ela a morte fala de algo melhor que a existência.

Ora, digo isso tudo desnecessariamente, pois, de fato, qualquer das causas físicas e psicológicas por mim mencionadas no início desta carta, por si mesmas já possuem o poder de levar uma alma adoentada ou um cérebro adoecido, ao desespero do suicídio.

“Crentes” podem sofrer de tudo o que qualquer pessoa sofre nesta vida.

Ou então me diga qual é a área da vida que um “crente” recebeu licença divina de não experimentar.

É claro (mais que claro) que uma mente que esteja normal e bem fixada na fé, não apela para o suicídio apesar dos desesperos da presente existência.

Do mesmo modo que uma pessoa sadia na mente e na fé não apela para um monte de coisas que se vê os “crentes” apelarem todos os dias.

Portanto, o suicídio deve ser sempre combatido em razão da esperança e da promessa da vida já AQUI, mas nunca deve ser tratado como ato de auto-perdição ou de pecado imperdoável contra os céus.

Na realidade nossa percepção acerca do suicídio é “católica”; e foi desenvolvida nos porões escuros da “Igreja” nos anos chamados de “Idade das Trevas”.

Peça a Deus que livre você de ter que aprender o entendimento da misericórdia acerca desse tema por ter tido que lidar com ele relacionado a alguém de sua família e de sua casa.

Ora, se tal dia chegar você saberá em seu coração que aquele ente querido estava buscando vida em face da dor de existir — seja porque razão for.

A ênfase da Escritura é em não matar os outros, mas não fala do ato de auto-morte em razão da dor.

Assim, no que Jesus fez silencio e no que as Escrituras ficam caladas, quem ousará condenar quem quer que seja?

O trabalho de um pastor é fazer prevenção de todo ato de morte. Entretanto, isso tem a ver com a vida AQUI, mas não deve se estender para trazer juízo relacionado à vida ALÉM.


Nele, em Quem todo aquele que busca vida a encontra,

Fonte: www.caiofabio.net/




terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Pr. Ricardo Gondim admite não acreditar no poder de Deus

Pastor Ricardo Gondim admite que não acredita no poder de Deus: "Acredito nas iniciativas humanas"


Ricardo Gondim é um pastor que, ao longo das duas últimas décadas, apresentou à comunidade evangélica sua metamorfose interpretativa da Bíblia e da teologia: foi do pentecostalismo (quando ainda mantinha a igreja que lidera ligada às Assembleias de Deus) ao “progressismo” que defende a união civil homossexual e uma visão heterodoxa do cristianismo.

Em um artigo publicado em seu blog, Gondim revelou que não acredita mais que Deus intervenha nos destinos da humanidade, e frisou que agora considera-se, provisoriamente, um “humanista apofático”.

"Não creio mais na promessa religiosa de que livramentos sobrenaturais nos alcançarão, vindos de um Deus que se senta em um trono. Acredito nas iniciativas humanas, nos movimentos solidários, na busca incessante da justiça, na ação profética de instituições que defendem a dignidade humana. Sou irmão de quem arregaça as mangas e luta pelos desvalidos", escreveu, transparecendo grande parte da influência de filosofias de esquerda que abraçou e, com frequência, compartilha nas redes sociais.

O humanismo, movimento filosófico surgido na Europa durante a Renascença e inspirado na civilização greco-romana, valoriza a busca pelo saber com o propósito de que a humanidade desenvolva uma cultura capaz de explorar o potencial da sociedade para o bem. Entre estudiosos cristãos, essa é uma filosofia controversa, pois para alguns seria uma espécie de mensagem do Evangelho "intelectualizada", enquanto para outros, é uma distorção dos ensinamentos de Cristo que termina por negar a Deus.

"Sou humanista. Com isso, quero dizer que não espero milagres sobrenaturais para minha vida, família, cidade, país ou mundo. Descartei há muito tempo o Deus maquinista, o soberano que conduz a história nos trilhos da providência. O grave e tenebroso sofrimento que condena homens e mulheres esbofeteou a minha cara. Sofri na carne o impensável", acrescentou Gondim.

Em seu artigo, o pastor da Igreja Betesda resume a visão apofática, à qual atualmente está alinhado: "A teologia apofática é, em termos bem simples, aquela que se recusa a fazer afirmações propositivas sobre Deus. Os apofáticos se contentam com o que se pode negar a respeito de Deus. Explico melhor. Não há como afirmar nada sobre Deus que seja conclusivo, taxativo, descritivo. Podemos dizer apenas o que ele não pode ser. Deus não pode ser mau, discriminatório, injusto, estúpido, dissimulado", descreveu.

Gondim afirma que, em sua visão, "não há como ajustar a vida para resgatar a teologia”, e que a opção restante seria "ajustar a teologia para encontrar algum sentido em nossa vida banal".

"Se minha espiritualidade desceu do altar do teísmo, ela pousou no chão das fábricas, nos cortiços malcheirosos das periferias urbanas, nos acampamentos de refugiados. Creio na religião como espaço de resistência. Sou defensor da religião que promove a compaixão, a sensibilidade e a gentileza. Afasto-me da que se alimenta do delírio metafísico de esperar por Deus, como uma ‘Mulher-maravilha’ ou um ‘Super-homem'”, asseverou, resumindo de forma simplista a fé no sobrenatural.

Na sequência de seu parágrafo conclusivo nas delineações de seu raciocínio, Gondim reitera que não crê no Deus que opera milagres: "Essa divindade que tira ônibus do barranco, cura, esporadicamente crianças condenadas pela leucemia ou faz com que o estuprador fique impotente na hora em que violenta a menina não existe. A bola está com a humanidade. Se não tomarmos vergonha na cara, destruiremos o planeta. Se não procurarmos criar uma cultura de acolhimento e cuidado, cultivaremos a intolerância. Se não fizermos valer o bem, o mal se alastrará e seremos os demônios de nosso próprio inferno".

"Sou um humanista apofático. Amo tanto a Deus como o mundo em que vivo", concluiu.

Texto: Site gospel+
Fonte: Ricardo Gondim via Gospel+ e Point Rhema.

Meu Comentário: 
Considero Pr. Ricardo Gondim um dos pensadores evangélicos desse país. No meu blog, há alguns textos dele que eu postei. Ele é um dos fundadores da Igreja Betesda, que já foi Assembléia de Deus Betesda. Na década de 80, Gondim foi intérprete de Jimmy Swaggart em sua cruzada no Maracanã em 1987, trabalhou também na Cruzada Boas Novas com o saudoso missionário Bernard Johnson. 

Hábil escritor, é autor de vários livros como: Os Santos entram em Guerra, Orgulho de Ser Evangélico, É proibido, Artesãos de Uma Nova História, O que os Evangélicos não Dizem, entre outros.

Do final de 2004 para cá, nesses últimos 13 anos, Gondim vem trilhando um caminho diferente, vamos dizer assim. No campo da ideologia política, ela caminha mais à esquerda. Mas é no campo teológico que suas posições vem ganhando contornos polêmicos pelos evangélicos de linha mais conservadora. 

Particularmente respeito Ricardo Gondim pela sua história, seus pensamentos expressos seja através do seu site, livros. Muitos já o tacharam como herege, mas da minha parte eu prefiro dizer que ele deve estar vivendo uma crise existencial estilo Asafe e Habacuque. Pode passar como fase ou se tornar mais aguda, o que é perigoso, pois o coloca numa linha tênue entre a teologia liberal e o próprio ateísmo.

Diferente dele, devo dizer que continuo crendo num Deus soberano, que como João viu no Apocalipse está assentado no trono. Creio sim, num Deus que opera milagres e que intervém na história humana, como já interveio no passado, intervém no presente e intervirá no futuro, porque assim a Bíblia o diz. Isso para mim, basta na minha singela fé. Minhas orações em favor de Ricardo Gondim.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Billy Graham, 99 anos - o embaixador de Deus

Esse é o título do documentário que tem como capa a imagem acima. Distribuído aqui no Brasil pela Comev, esse documentário também pode ser visto na internet através do Youtube. Recomendo o vídeo, pois o achei muito inspirador. Mostra um pouco da vida e ministério do famoso evangelista norte-americano. Trás depoimentos de quem conheceu Graham e sua esposa Ruth.  

Hoje aos 99 anos, embora lúcido, enfrenta as debilidades da idade e algumas doenças. Atualmente, seu filho, Franklin Graham cuida da instituição e das cruzadas e seu neto, Will Graham, organiza cruzadas entre os jovens. Porém mesmo com essa idade, o evangelista Billy Graham ainda comenta temas atuais à luz da Palavra.

Mais do que um líder espiritual reverenciado e influente, conselheiro de presidentes americanos e de chefes de estado pelo mundo todo, Billy Graham foi, acima de tudo, um pescador de homens. Seu rosto e sua voz são reconhecidos mundialmente. Mas Billy sempre preferiu que as atenções estivessem voltadas ao seu mestre Jesus Cristo. Está produção mostra o que Deus é capaz de realizar através de quem dedicou sua vida a cumprir Sua soberana vontade.

Nascido em uma fazenda leiteira em Charlotte, Carolina do Norte, Billy Graham foi levado pelos pais para a Associação de Igrejas Presbiterianas Reformadas, Frank Graham e Morrow Coffey Graham, que mudou a denominação Batista Sulista em 1934 durante um encontro presbiteriano, conduzido pelo pastor Mordecai Ham. Graham foi ordenado no ministério Batistas Sulista em 1939. Billy Graham casou-se em 1943 com Ruth Bell que depois passou a se chamar Ruth Graham, filha de missionários presbiterianos na China, o pai dela L. Nelson Bell era cirurgião geral e destacado membro na história da antiga Presbyterian Church in the United States. Poucas pessoas tiveram mais influência em Billy Graham do que o Dr. Bell. O casal tem 5 filhos, 19 netos e 28 bisnetos. Em 14 de junho de 2007, faleceu em Montreat, Carolina do Norte, na casa do casal Graham, a Sra. Ruth Bell Graham.

Após graduar em Wheaton, Graham foi co-fundador da Youth for Christ (Mocidade para Cristo) junto com o evangelista Charles Templeton. Ele viajou como evangelista por todo os Estados Unidos e Europa levando os ensinamentos cristãos. Graham planejou uma série de missões em Los Angeles em 1949 e as missões levaram 8 semanas, mais do que o planejado que eram 3 semanas. Ele liderou as missões em Londres que duraram 12 semanas, e uma missão na cidade de Nova York na Madison Square Garden em 1957 que durou 16 semanas.

Do começo até o fim do seu ministério, Graham desfrutou de uma reputação privilegiada devido às suas cruzadas serem feitas em lugares onde outros evangelistas consideravam impossível. Durante a Guerra Fria, Graham falava a grandes multidões em países da Europa Oriental e na União Soviética. Durante o Apartheid, Graham foi constantemente recusado à visitar a África do Sul, até que o governo finalmente permitiu que pudessem fazer a cruzada. A primeira cruzada de Graham na África do Sul ocorreu a partir de 1973. Ele usou a cruzada para denunciar o Apartheid ocorrido no mundo. Graham foi um dos poucos pregadores que conseguiram falar na Coréia do Norte. Graham se opôs a segregação racial durante os anos 60 e pagava fiança de Martin Luther King, sempre quando era preso nas cadeias do sul dos Estados Unidos durante a era dos direitos civis nos anos 60.

Em suas cruzadas, eventos evangélicos de massa que organiza desde 1948 em estádios, parques e outros locais públicos, Billy Graham já alcançou uma audiência direta de quase 210 milhões de pessoas em 185 países. O foco de seus sermões geralmente é "Jesus Cristo é o único Caminho de Salvação.“

Abaixo um pequeno vídeo da Cruzada de Billy Graham no Brasil em 1974 no Maracanã. Uma amostra também dos evangélicos da época.




terça-feira, 14 de novembro de 2017

O barulho dos evangélicos



Por Vicente Vilardaga

Para o sociólogo e professor da USP Ricardo Mariano, o radicalismo no discurso conservador das igrejas evangélicas nunca foi tão evidente. Mariano é um estudioso do tema desde o início dos anos 90. Suas pesquisas na área de sociologia da religião abarcam desde a demonização pentecostal dos cultos afro-brasileiros até a reação dos evangélicos ao Novo Código Civil. Ele percebe que o discurso moralista está ocupando a mente da população e entrando na pauta dos debates de maneira decisiva na próxima eleição presidencial. O evangélico conservador está cada vez mais barulhento. 
Mariano escreveu um livro fundamental para se entender religião no país chamado Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Edições Loyola), já na quinta edição, no qual fala especialmente da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, e da teologia da prosperidade, em que a igreja é intermediária de uma barganha entre Deus e os homens pela bonança terrena e o futuro celestial. 
Mariano deu essa entrevista para o blog sobre o avanço parlamentar e a mobilização política dos pentecostais quando havia acabado de voltar do encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado na última semana de outubro em Caxambu (MG). O evento contou com a participação de 1200 cientistas sociais que trataram exaustivamente dos impasses atuais da democracia brasileira. Foi marcado pela preocupação sobre os destinos do país e a crise na pesquisa científica, abandonada e sem verbas. 
A religião foi um dos assuntos em pauta. Mariano, que é secretário geral da Anpocs, apresentou um estudo oportuno sobre a expansão e o ativismo político dos grupos evangélicos conservadores no país. Esses grupos se opõem à ampliação dos direitos civis de minorias sexuais e querem impedir todo tipo de aborto, inclusive em casos de estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos. 
Eles têm crescido muito nos últimos tempos numa onda moralista e cerceadora dos direitos individuais que se alastra por toda sociedade. Embora não representem a totalidade dos 60 milhões de evangélicos brasileiros, uma comunidade bastante heterogênea, eles apontam uma tendência geral conservadora que pode ser verificada na população religiosa e nos seus representantes parlamentares. “Nos legislativos municipais, estaduais e federal, a maioria, mas não todos, tende a sustentar projetos de lei de caráter conservador no plano moral relativos à sexualidade e à família, por exemplo”, diz Mariano. “Propõem projetos para tratar e reverter a homossexualidade e pretendem discriminar casais de mesmo sexo.” Assuntos relativos à moralidade têm sido um ponto de coesão para os evangélicos. A grande maioria da sua bancada na Câmara, que hoje tem pelo menos 80 deputados, 15% da casa, está de acordo com esses temas. 
O que se percebe, segundo ele, é que a radicalização do discurso religioso, em especial relacionado ao conservadorismo moral, pode dar frutos e resultar em dividendos eleitorais a curto prazo. O deputado Marco Feliciano, do PSC, por exemplo, conseguiu visibilidade inédita nos tempos em que comandou a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e expandiu o público de seu discurso hiperconservador. Conseguiu deslanchar. Havia sido eleito com 200 mil votos, em 2010, e saltou para 400 mil, em 2014. “A cruzada moral é apresentada como trunfo da representação política em defesa do evangelho e dos evangélicos”, afirma Mariano. A fórmula funciona muito bem para eleições parlamentares, mas aumenta a rejeição ao político e tira sua competitividade na disputa por cargos majoritários, decididos em eleições com segundo turno. Jair Bolsonaro, que já é candidato à presidência e tem uma agenda de direita vai ter oportunidade de testar esses limites nas próximas eleições. 

 “Os evangélicos procuram instrumentalizar seu poder político partidário, eleitoral e parlamentar para defender seus interesses institucionais e corporativos, obter recursos públicos para suas obras sociais, isenção do pagamento de taxas e cargos públicos.”

“Os evangélicos passaram a se incorporar em todos os setores, no futebol e até mesmo no tráfico. Boa parte dos traficantes no RJ tem se aproximado de igrejas pentecostais. Antes havia uma fronteira entre as igrejas e o mundo do crime e essa fronteira desapareceu. Você vê a molecada no tráfico dando dízimos ou promovendo shows gospel. E os pastores dão essa abertura porque querem convertê-los.”

“O crescimento do pentecostalismo no Brasil e na América Latina transformou o campo religioso brasileiro nas últimas décadas. Hoje são mais de 60 milhões de evangélicos. Nas periferias das grandes e médias cidades e, em especial, nas regiões metropolitanas é onde os pentecostais mais crescem. Criou-se um cinturão evangélico nas periferias, locais onde os sindicatos, partidos e poderes públicos não chegam”.

“Caberá à população arcar com o custeio do que está deixando de ser pago pelas igrejas em taxas de limpeza urbana. A dívida total é de 920 milhões, mas não é só das igrejas evangélicas.”

“A questão da laicidade, praticamente invisível até os anos 90, emergiu com força à medida que os evangélicos ocuparam a política partidária e eleitoral e os meios de comunicação de massa.”

“O fato é que o STF bancou o ensino religioso confessional. A meu ver, essa decisão foi lamentável. Ainda que o ensino religioso seja facultativo, na prática ele é obrigatório, porque as escolas não oferecem outras opções aos estudantes.”

“Nos legislativos municipais, estaduais e federal, a maioria, mas não todos, tendem a sustentar projetos de lei de caráter conservador no plano moral relativos à sexualidade e à família, por exemplo.”

“Nos últimos 30 anos, quase triplicaram o tamanho de sua bancada. 15% dos deputados federais atualmente são evangélicos.”

“No momento, são cerca de 80 deputados federais atuando na Frente Parlamentar Evangélica. A maior bancada é da Assembleia de Deus, seguida pela da Igreja Universal e, por fim, a dos batistas. Em geral, são os parlamentares vinculados à Assembleia de Deus os mais ativos ou os que mais se destacam na promoção de pautas moralistas conservadoras no Congresso Nacional.”

“Desde o início da redemocratização, todos os candidatos e partidos de médio ou de grande porte negociam apoios e alianças com autoridades evangélicas, sobretudo pentecostais, já que isso é pouco usual e aceitável nas igrejas protestantes históricas.”

“A TV aberta contém 20% da programação religiosa. Grande parte dela é ocupada por evangélicos, sobretudo pela Igreja Universal.”

“Lula é o pré-candidato com maior apoio entre os evangélicos: com 32% de intenção de voto nesse segmento religioso. Mas esse apoio é inferior ao que ele obtém no restante do eleitorado, que é de 36%. Entre os católicos, Lula alcança 40%.”

“Bolsonaro é um aliado antigo de líderes da frente parlamentar evangélica, como Marco Feliciano, João Campos, entre outros. Ele tem se esforçado em construir relações e alianças com dirigentes evangélicos na tentativa de catapultar a sua eleição a presidente da República. Mas candidaturas de centro direita podem inviabilizar completamente a candidatura do Bolsonaro, que é visto também como um sujeito controverso no meio evangélico.”

“Entre os partidos controlados por grupos evangélicos o PRB se destaca pelo pragmatismo, ou pelo peemedebismo, isto é, opta por fazer parte da base de apoio aos governos de plantão, seja de que partido for, em troca de cargos. E o PSC assumiu perfil partidário de extrema direita nos últimos anos.”

“Os evangélicos progressistas são minoritários e pouco visíveis dentro e fora do parlamento.”

“Deus prospera os seus leais servos, os cristãos, por meio da doação de dízimos, de ofertas, que expressam a comprovação de sua fé. Eles podem auferir prosperidade, felicidade, vitória em seus empreendimentos. E a prosperidade não é de ordem só material, mas é a prosperidade de um modo geral na vida.”

“Parte da população tem enorme dificuldade de lidar com as mudanças comportamentais em fluxo nas últimas décadas, com a emergência de novos arranjos familiares e das transformações nas relações de gênero, com a visibilidade pública da união civil de pessoas do mesmo sexo, das novas formas de afeto inclusive sexuais que escapam aos padrões familiar e sexual heteronormativos hegemônicos. Muitos vêem tais mudanças como indecência, falta de vergonha na cara, irrupção de nova Sodoma e Gomorra, o fim dos tempos.” 

Como foi a última reunião da Anpocs? Quais os temas que dominaram o encontro? 
As atividades acadêmicas que abordaram fenômenos religiosos, como o ativismo político de grupos evangélicos conservadores, ocuparam importante espaço no Encontro da ANPOCS, mas não dominaram o encontro, que contou com a participação de mais de 1.200 pesquisadores. Dada a atual conjuntura sociopolítica e econômica, o objeto de destaque das reflexões e dos debates foi a democracia brasileira e seus impasses, a crise política, a polarização político-ideológica, os conflitos no interior do judiciário e entre instituições jurídicas e políticas e o cenário eleitoral de 2018.

E a corrupção? 
Também foi assunto. Foram objeto de debate a crise da democracia, o combate à corrupção e os embates políticos e judiciais em torno disso, a crescente desconfiança da população nas instituições políticas, o quadro de desemprego, endividamento, de agravamento da desigualdade, da criminalidade, da precarização do trabalho e da flexibilização dos direitos trabalhistas. Tal situação deu margem até para manifestações, a partir de junho de 2013, de grupelhos propondo a volta dos militares ao poder. O próprio Bolsonaro tem insuflado tal movimento, alardeando que pretende governar com ministros militares. 

O clima não está muito favorável mesmo. 
O clima político atual, além de conflituoso, é de muita incerteza, de insegurança, de intensa preocupação sobre o que vai ocorrer a curto e médio prazos, seja na eleição presidencial no ano que vem, seja na condução da política econômica e da dívida pública, seja nas áreas de educação, saúde, segurança pública, previdência social, etc. 

Você acha que a sociedade está guinando para a direita, que essa minoria está ganhando massa? 
Temos um governo federal francamente de direita, impopular, com exíguos 3% de aprovação, apoiado e, ao mesmo tempo, refém de uma maioria parlamentar de perfil conservador, fisiológico e disposta a reverter parte da legislação de defesa do meio ambiente, dos territórios indígenas, dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais. No extremo, a bancada ruralista propôs a redefinição do trabalho escravo no país visando a dificultar sua fiscalização e punição. Tendo em vista os resultados nas eleições de 2016, pode-se dizer que parte do eleitorado guinou para a direita, como comprova a baixa performance dos candidatos do PT. Além disso, movimentos de direita, como MBL, entre outros, ampliaram seu ativismo e sua visibilidade nas redes sociais. 

Os políticos evangélicos estão desse lado mais conservador? 
Claramente. Mas no que concerne a questões morais, de ordem comportamental. Nos legislativos municipais, estaduais e federal, a maioria, mas não todos, tendem a sustentar projetos de lei de caráter conservador no plano moral relativos à sexualidade e à família, por exemplo. Propõem projetos para tratar e reverter a homossexualidade. Pretendem discriminar casais de mesmo sexo por meio do Estatuto da Família. Querem impedir todo tipo de aborto, inclusive em casos de estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos, através do Estatuto do Nascituro. 

São muito pragmáticos de um modo geral. 
Eles procuram instrumentalizar seu poder político partidário, eleitoral e parlamentar para defender seus interesses institucionais e corporativos, obter recursos públicos para suas obras sociais, isenção do pagamento de taxas, cargos públicos, etc. Recentemente, tentaram obter perdão de dívidas previdenciárias para igrejas no Refis. Procuram ocupar o espaço público com seus símbolos religiosos, construindo praças da bíblia, criando o dia do evangélico e coisas do gênero, tendo por referência a ação católica de colocar crucifixos em edificações públicas, como tribunais e escolas e erguer estátuas de Cristo. 

E a atuação partidária? 
Entre os partidos controlados por grupos evangélicos o PRB se destaca pelo pragmatismo, ou pelo peemedebismo, isto é, opta por fazer parte da base de apoio aos governos de plantão, seja de que partido for, em troca de cargos. O PRB sustentou os governos petistas de Lula e Dilma e está apoiando o governo Temer, além dos governos paulistas tucanos. Os parlamentares do PRB tendem a votar com os demais evangélicos em temas de ordem moral. Mas eles, inclusive seus deputados que são pastores e bispos, não encabeçam os projetos de lei de cunho moral, muito menos os mais controversos. Já o PSC, sobretudo a partir de 2013, quando Marco Feliciano presidiu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, assumiu publicamente uma orientação político-ideológica de direita no campo econômico e superconservadora no plano moral. Pastor Everaldo, presidente do PSC, como candidato à presidência da República, defendeu o Estado mínimo, a privatização da Petrobras. O PSC assumiu perfil partidário de extrema direita nos últimos anos. À medida que assumiu perfil mais extremista, o PSC perdeu parlamentares entre as eleições de 2010 e 2014. Em geral, são os parlamentares vinculados à Assembleia de Deus os mais ativos ou os que mais se destacam na promoção de pautas moralistas conservadoras no Congresso Nacional. Caso dos deputados Marco Feliciano, João Campos, Sóstenes Cavalcanti, Eduardo Bolsonaro, Hidekazu Takayama. No Senado, Magno Malta, que é batista. 

Quem compõe essa grande bancada evangélica? 
No momento, são cerca de 80 deputados federais atuando na Frente Parlamentar Evangélica. A maior bancada é da Assembleia de Deus, seguida pela da Igreja Universal e, por fim, a dos batistas. Essas três igrejas dispõem da maior proporção de parlamentares. Em sua maioria, os deputados evangélicos atuam em partidos pequenos, como PRB, PSC, DEM e em partidos ainda menores. Eles têm diminuta presença nos grandes partidos, como PT, PSDB e PMDB. Com poucas exceções, estão imersos no baixo clero. 

E qual é o grau de coesão dos evangélicos? 
Eles não formam um bloco coeso, uniforme e homogêneo. Estão divididos em diversos partidos e igrejas distintos e concorrentes. Apresentam coesão somente em torno de pautas específicas, sobretudo em questões de ordem moral, envolvendo a sexualidade, a instituição familiar, os costumes, as representações artísticas, as relações de gênero, o aborto, a união civil de pessoas de mesmo sexo, etc. O moralismo de cunho bíblico constitui forte fator de coesão desse grupo religioso e político. 

Mas não existem evangélicos progressistas? 
Não são todos que apoiam tal agenda moral ou que sustentam esse moralismo na arena pública. Os progressistas são minoritários e pouco visíveis dentro e fora do parlamento. Eles defendem os direitos humanos, minorias, a laicidade do Estado e da escola pública, políticas redistributivas. 

A Marina Silva está nesse grupo? 
Sim. Ela defende intensamente a laicidade do Estado, até como forma de se defender da acusações de que, se for eleita presidente, ela discriminará outras religiões e favorecerá os evangélico. Defendeu a laicidade em 2010 e em 2014. Ela é missionária da Assembleia de Deus. Tem posições próprias em relação a aborto e união civil de pessoas do mesmo sexo, mas defende que nessas questões mais controversas o ideal seria a realização de plebiscitos e não a decisão do Congresso. Ela tenta evitar um confronto direto seja com defensores da laicidade do Estado, seja com feministas, grupos LGBT ou defensores de direitos humanos. A saída pela via do plebiscito é uma saída em que a vontade do povo se realiza independentemente das posições politicas-religiosas da presidente. 

Como funciona a teologia da prosperidade, que impulsiona muitos pentecostais em sua ascensão social? 
Algumas igrejas pentecostais pregam essa teologia. Deus prospera os seus leais servos, os cristãos, por meio da doação de dízimos, de ofertas, que expressam a comprovação de sua fé. Eles podem auferir prosperidade, felicidade, vitória em seus empreendimentos. E a prosperidade não é de ordem só material, mas é a prosperidade de um modo geral na vida. Essa é uma crença bastante controversa porque dentro do próprio meio evangélico, critica-se essa espécie de barganha entre Deus e os homens, em que as igrejas figuram como intermediários. É muito distinto do protestantismo puritano dos séculos 16 e 17, que era muito ascético. Eles estavam preocupados fundamentalmente com a salvação celestial. O foco agora é o inverso. Eles não abandonaram evidentemente a crença na salvação, mas a ênfase é mais materialista, voltada para a felicidade terrena. 

Que outras pautas promovem a coesão entre os evangélicos? 
Outra pauta é a defesa da liberdade religiosa. Lideranças pentecostais vivem alardeando que a liberdade religiosa deles está sempre ameaçada. Eles se consideram discriminados e perseguidos preferenciais dos governos petistas, de grupos feministas e LGBTs, ou daqueles que nomeiam de gayzistas, esquerdopatas, bolivarianistas, cristofóbicos. A terceira pauta que concorre para promover sua coesão é a defesa de seus interesses corporativistas. Nas câmaras municipais, muitos parlamentares evangélicos afora lutam para flexibilizar as regras e a aplicação do código de edificações e das leis de silêncio ou ruído em prol de suas igrejas, propõem e negociam projetos para isentá-las do pagamento de taxas. No Congresso Nacional, desde a Constituinte, ocupam em grande número a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, a fim de defender seus interesses como concessionários de inúmeras emissoras de rádio e TV. 

As igrejas devem hoje mais de 900 milhões de reais em taxas. 
As associações religiosas no país gozam de isenção tributária, não pagam impostos. Contudo, são obrigadas a pagar taxas, como as de limpeza urbana e as contribuições previdenciárias de seus funcionários. Em muitas cidades, vereadores evangélicos conseguiram isentar as igrejas do pagamento de taxas de limpeza urbana, entre outras. Caberá à população arcar com o custeio do que está deixando de ser pago pelas igrejas. A dívida total é de 920 milhões, mas não é só das igrejas evangélicas. Como disse, deputados evangélicos tentaram obter perdão fiscal dessas dívidas. 
E as diferenças na base evangélica? 
Na Câmara Federal, eles estão divididos em dezenas de partidos e igrejas. Concorrem entre si, sustentam posições teológicas diferentes, optam por apoiar distintos candidatos a eleições majoritárias. Apresentam, portanto, uma série de divisões, clivagens, inclusive em votações. Mesmo no impeachment, votação que promoveu enorme coesão desses parlamentares, foram 89%. Onze por cento deles votaram contra o impeachment. O consenso é praticamente impossível, e não só em matéria política. Edir Macedo, por exemplo, já deu várias declarações públicas em defesa do aborto. 

Outro caso em que se percebe grande união foi na eleição do bispo Marcelo Crivella no Rio. 
No Rio, cerca de 90% dos pentecostais, segundo os órgãos de pesquisa, votaram em Crivella para prefeito. Ele conquistou grande parte do eleitorado das regiões mais pobres. Mas venceu muito em função da fragilidade da candidatura de seu adversário, Marcelo Freixo, do PSOL, vinculado a um partido muito pequeno, e com uma trajetória política na zona sul carioca, que sensibiliza só o público de classe média branca universitária que forma uma base eleitoral muito restrita. Era um candidato com uma pauta mais vinculada ao legislativo, sem bases populares, sem apelo na periferia do Rio. Tinha uma boa atuação parlamentar, mas pouco apelo eleitoral. Havia também um contexto de extrema fragilidade da esquerda no Brasil. Tudo isso prejudicou a candidatura do Freixo. 

Seja como for dá para perceber uma enorme expansão política dos pentecostais. 
O crescimento do pentecostalismo no Brasil e na América Latina transformou o campo religioso brasileiro nas últimas décadas. Hoje são mais de 60 milhões de evangélicos. Essa transformação se acentua e se radicaliza a partir dos anos 80 e, nos últimos 40 anos, esse processo avança célere. Nas periferias das grandes e médias cidades e, em especial, nas regiões metropolitanas é onde os pentecostais mais crescem. Criou-se um cinturão evangélico nas periferias, locais onde os sindicatos, partidos e poderes públicos não chegam. 

Eles se integraram totalmente na sociedade brasileira. 
Uma coisa importante é que os evangélicos, sobretudo pentecostais, eram vistos, até fim do século 20, como um segmento à parte na sociedade brasileiro, isolado, sectário, e isso mudou. Eles ganharam enorme visibilidade pública e deixaram de ser vistos como algo à parte, isolado, sem relação com a cultura brasileira, que era católica. Eles passaram a se incorporar em todos os setores, no futebol e até mesmo no tráfico. Boa parte dos traficantes no RJ têm se aproximado dessa igreja. Antes havia uma fronteira entre as igrejas pentecostais e o mundo do crime e essa fronteira desapareceu. Você vê a molecada no tráfico dando dízimos ou promovendo shows gospel. E os pastores dão essa abertura porque querem convertê-los. 

Eles avançam também nos meios de comunicação de massa. 
Muito. A TV aberta contém 20% da programação religiosa. Grande parte dela é ocupada por evangélicos, sobretudo pela Igreja Universal. Eles compram os horários de programação ou as próprias emissoras. A Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares, cunhado do Edir Macedo, compra programação, mas também dispõe de canal a cabo. A Renascer dispõe de canal a cabo. A Universal dispõe de TV aberta – a Record disputa a segunda posição no mercado com o SBT. Além disso, eles dispõem de uma imensa rede radiofônica e muitas portais na internet, editoras e bandas gospel. Vendem milhões de bíblias e livros religiosos e de autoajuda. 

Há uma estratégia bem definida de ocupação do espaço político. 
Os pentecostais ingressaram na política partidária para valer na Constituinte, período que coincide com sua ocupação dos meios de comunicação de massa e com o boom pentecostal. Antes da Constituinte havia apenas dois deputados pentecostais. Em 1986, eles elegeram 18, um crescimento de 900% na sua representação parlamentar, 13 deles da Assembleia de Deus. Foram pastores da Assembleia de Deus que disseminaram o boato persecutório e conspiratório de que a Igreja Católica pretendia retomar sua posição oficial junto ao Estado brasileiro a partir da elaboração da nova carta magna. A partir daí, substituíram o lema “crente não se mete em política” pelo “irmão vota em irmão”. Na atual legislatura, passaram a dispor de cerca de 80 deputados federais e três senadores, um dos quais se tornou prefeito do Rio de Janeiro. Então, nos últimos 30 anos, quase triplicaram o tamanho de sua bancada. 15% dos deputados federais atualmente são evangélicos. 

O caso Crivella mostra que, em certas situações, eles podem apoiar maciçamente um candidato. 
Podem, mas, desde 1989 nunca deram apoio maciço, uniforme, a um único candidato. Naquela eleição, no primeiro turno, eles se dividiram entre os diferentes candidatos. Só no segundo turno, quando restaram apenas Collor e Lula, lideranças pentecostais apoiaram em peso a candidatura do caçador de marajás. Na ocasião, difundiram o boato persecutório de que a eleição de Lula estabeleceria o comunismo no Brasil, comunismo atípico, pois associado ao catolicismo de esquerda, mas que iria impor sérios obstáculos à sua liberdade religiosa. Diziam que os evangélicos seriam perseguidos, seus pastores iriam para o paredón, seriam presos, torturados, suas igrejas seriam transformadas em galpões, supermercados. Esse tipo de boato persecutório foi muito forte durante o segundo turno da eleição presidencial de 1989. 
Tanto na Constituinte como na primeira eleição pós ditadura militar, boatos persecutórios e conspiratórios foram fundamentais na arregimentação e mobilização política e eleitoral deles. Há pelo menos três décadas são experts em fazer uso das “fake news” com fins políticos e eleitorais. 

Esse sentimento persecutório é característico dos políticos evangélicos? 
Isso tem ocorrido em todas as eleições desde o início da redemocratização. Candidatos evangélicos a deputados federal, estadual, a vereador, a senador e mesmo a cargos majoritários, como o Crivella, têm insistido que os evangélicos são perseguidos, discriminados, e que o principal recurso de que dispõem para assegurar sua liberdade religiosa e defender a família, consistem em eleger seus irmãos de fé para protegê-los no parlamento de seus inimigos esquerdopatas. 

O Bolsonaro exerce atração entre os evangélicos. Ele pode aglutinar essas forças? 
Os evangélicos são minoritários no Brasil, têm 32% da população, segundo o Datafolha. São muitos, mas são minoria. Eles não têm como eleger um presidente, evangélico ou não, somente com seus votos. E Jair Bolsonaro não demonstra por enquanto a capacidade de aglutiná-los. Bolsonaro não é evangélico. É casado com uma evangélica e tem filhos evangélicos, como Eduardo Bolsonaro, batista, que lidera o Escola sem partido. Ele foi batizado em Israel, em 2016, pelo pastor Everaldo e divulgou as imagens do batismo nas redes sociais para tentar ampliar seu eleitorado nesse meio religioso. Bolsonaro é um aliado antigo de líderes da frente parlamentar evangélica, como Marco Feliciano, João Campos, entre outros. Ele tem se esforçado em construir relações e alianças com dirigentes evangélicos na tentativa de catapultar a sua eleição a presidente da República. No momento, ele tem apoio eleitoral entre os evangélicos superior ao que dispõe no conjunto do eleitorado, 21% contra 16%, respectivamente. Da mesma forma, ele é menos rejeitado pelos evangélicos (27%) que no total do eleitorado (33%). 

O Lula é exatamente o contrário. 
Lula é o pré-candidato com maior apoio entre os evangélicos: com 32% de intenção de voto nesse segmento religioso. Mas esse apoio é inferior ao que ele obtém no restante do eleitorado, que é de 36%. Entre os católicos, Lula alcança 40%. Além disso, ele tem maior rejeição entre os evangélicos (46%). No eleitorado, a rejeição é de 42%. Bolsonaro e Marina Silva, missionária da Assembleia de Deus, dispõem de maior apoio entre os evangélicos do que no total do eleitorado. 

Você não acredita que Bolsonaro tenha grande futuro? 
Candidaturas de centro direita podem inviabilizar completamente a candidatura do Bolsonaro, que é visto também como um sujeito controverso no meio evangélico. Líderes denominacionais e parlamentares, como Malafaia e Feliciano, também são controversos em seu meio religioso. São criticados e contestados, por várias razões. Bolsonaro mais ainda. Feliciano não representa 60 milhões de fiéis, de forma alguma. Nem Malafaia, nem Edir Macedo. São figuras polêmicas, controversas no meio evangélico, que, como disse, é plural, muito diversificado internamente. Bolsonaro, porém, pode se beneficiar desse discurso em torno da restauração da ordem, da moral, anticorrupção, antipolítica, da formação de um governo forte com suporte militar para avançar em parte do eleitorado evangélico, sobretudo pentecostal. Talvez por conta disso, Bolsonaro disponha, nesse momento, da intenção de apoio de um quinto dos evangélicos. 

Tem uma pauta de governo forte para as próximas eleições. 
É uma pauta que se aproxima de parte da pauta política dos evangélicos, sobretudo no que se refere à demanda para que os poderes públicos assegurem a moralidade cristã no ordenamento jurídico do país. Parte da população tem enorme dificuldade de lidar com as mudanças comportamentais em fluxo nas últimas décadas, com a emergência de novos arranjos familiares e das transformações nas relações de gênero, com a visibilidade pública da união civil de pessoas do mesmo sexo, das novas formas de afeto inclusive sexuais que escapam aos padrões familiar e sexual heteronormativos hegemônicos. Muitos vêem tais mudanças como indecência, falta de vergonha na cara, irrupção de nova Sodoma e Gomorra, o fim dos tempos. O discurso hipermoralista de Bolsonaro e de vários deputados evangélicos joga lenha nessa fogueira e apregoa a discriminação estatal a minorias sexuais. 

Ser hipermoralista é uma vantagem nesse negócio? 
A cruzada moral é apresentada como trunfo da representação política em defesa do evangelho e dos evangélicos. Confere visibilidade e dá retorno eleitoral, ao menos para candidatos ao legislativo. Feliciano, ao presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em 2013, foi acusado de fundamentalista, intolerante, fanático pela grande imprensa, por inúmeros oponentes políticos e em manifestações públicas. O que aconteceu? Ele dobrou sua votação, passando de 200 mil votos em 2010 para 400 mil, em 2014. 

Radicalizou e levou. 
Mostrar-se radical, radicalizar o conservadorismo moral ou a defesa corporativista em prol de suas igrejas pode resultar em dividendos eleitorais. E é isso que muitos deles buscam, a fim de obter maior visibilidade pública, escapar da obscuridade do baixo clero, sedimentar e estender seu eleitorado. Radicalizar a defesa de uma pauta extremamente conservadora e controversa pode torná-los expoentes de determinada causa. Tal estratégia de construção da identidade política por meio do ativismo radical em defesa de pautas controversas é que ela, praticamente, inviabiliza a eleição para os cargos majoritários, sobretudo em eleições decididas em segundo turno, já que tende a resultar em elevados índices de rejeição. 

Como estamos evoluindo na questão da laicidade do Estado? 
A questão da laicidade, praticamente invisível até os anos 90, emergiu com força à medida que os evangélicos ocuparam a política partidária e eleitoral e os meios de comunicação de massa. Até então, os crucifixos católicos estavam (e continuaram) presentes em escolas públicas, em casas legislativas, em tribunais de Justiça. Mas ninguém reclamava de laicidade. Não era questionada. A ocupação católica do espaço público estava naturalizada, em função de sua hegemonia religiosa e da incipiente diversidade religiosa. Os evangélicos passaram a questionar os privilégios católicos. Em seguida, políticos evangélicos passaram a se envolver em uma série de conflitos e acirrados debates públicos, provocando a reação de defensores de direitos humanos, organizações feministas, LGBTs. Associações de ateus passaram a questionar a presença de símbolos religiosos em edificações públicas e no espaço público. O avanço do pluralismo religioso, do pluralismo cultural e da diversificação das formas de viver e de concepções de bem comum resultou numa série de conflitos em torno da laicidade do Estado, da escola pública, do ensino religioso, etc. Os conflitos se intensificaram. Lutam pela definição da laicidade, pela secularização da política partidária e eleitoral, pelo restabelecimento, nos moldes do liberalismo político clássico, das fronteiras entre Estado e igrejas, política e religião, público e privado. 

Como costuma ser essa relação entre Estado e igreja? 
O Estado brasileiro se tornou laico oficialmente com o advento da República. Na Constituição de 1934, ocorreram diversos retrocessos. A Igreja Católica, seu poder religioso e político renovado e a Liga Eleitoral Católica conseguiram reverter certos aspectos da laicidade estabelecidos em 1889. A Constituição brasileira de 1988 manteve o Estado laico e a separação republicana entre religião e Estado. Nossa constituição, desde 1934, prevê também a colaboração recíproca entre igreja e estado em prol do interesse coletivo. É a questão, por exemplo, da assistência social. O governo Collor, com seu projeto econômico neoliberal, passou a apelar para a participação de setores da sociedade civil na resolução de problemas sociais. Abriu-se mais espaço para a atuação assistencial das igrejas em parceria com os poderes públicos. Isso avançou nos governos seguintes até se tornar frequente moeda de troca eleitoral. 

Seja como for, o voto evangélico se tornou fundamental para ganhar uma eleição. 
Desde o início da redemocratização, todos os candidatos e partidos de médio ou de grande porte negociam apoios e alianças com autoridades evangélicas, sobretudo pentecostais, já que isso é pouco usual e aceitável nas igrejas protestantes históricas. Em 2006, a campanha da candidatura Lula estabeleceu como uma de suas prioridades a conquista do voto evangélico. Entre outras coisas, Lula prometeu a ampliação das parcerias do governo federal com as igrejas, como forma de tentar obter apoio e votos desses religiosos. 

A laicidade é um assunto quente? 
Quentíssimo. E esquentou mais ainda com todas as controvérsias públicas ocorridas em torno dos direitos humanos. O debate sobre a criminalização da homofobia e o aborto tomou de assalto a disputa eleitoral para a presidência em 2010. Mesmo ano em que o III Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo governo Lula, enfrentou acirrada oposição católica e evangélica. Muitos líderes e políticos evangélicos se opuseram à candidatura da Dilma, o que a forçou a recuar afirmando que não iria sancionar nenhuma lei que pudesse prejudicar a liberdade religiosa dos evangélicos. A partir dos conflitos travados na Comissão de Direitos Humanos e Minorias em 2013, evangélicos se afastaram do governo Dilma. Não à toa, 89% dos parlamentares evangélicos votaram a favor do impeachment. Na Câmara dos Deputados, tais conflitos resultaram em impasses. Nem defensores dos direitos humanos e nem a bancada cristã conseguiram fazer avançar suas propostas e seus projetos de lei no ordenamento legal. Representantes de minorias sexuais decidiram recorrer ao STF. 

Por quê? 
O STF aprovou, em 2011, a união civil de pessoas de mesmo sexo. Logo em seguida, aprovou o aborto de anencéfalos. Isso gerou enorme revolta entre deputados evangélicos, que propuseram projetos de lei prevendo o impeachment de ministros do STF que usurparem poderes do legislativo e do executivo e que igrejas de caráter nacional possam propor ao STF Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Por outro lado, gerou expectativas positivas em seus adversários quanto ao maior progressismo do STF comparado ao conservadorismo do Congresso. Contudo, após a decisão do STF a favor do ensino religioso confessional, tais expectativas, provavelmente, retrocederam. 

O STF deu uma guinada conservadora? 
Por certo, tornou-se mais arriscado recorrer ao STF para defender a laicidade do Estado. A votação foi apertada, seis ministros de um lado, cinco do outro. O STF aprovou a disciplina de ensino religioso facultativo, mas na modalidade confessional, que estava prevista na concordata entre o Estado brasileiro e Santa Sé. Um dos 20 artigos desse acordo propunha a confessionalização do ensino religioso. O governo Lula deu de bandeja esse acordo para a Igreja Católica, que foi aprovado a toque de caixa pelo Congresso Nacional, a despeito de inúmeras manifestações públicas que o questionaram. 

Isso é um erro, um retrocesso? 
O fato é que o STF bancou o ensino religioso confessional. A meu ver, essa decisão foi lamentável. Ainda que o ensino religioso seja facultativo, na prática ele é obrigatório, porque as escolas não oferecem outras opções aos estudantes. Os pais desconhecem que seja uma disciplina facultativa. Os que conhecem e não querem que seus filhos cursem ensino religioso na modalidade confessional não dispõem de disciplina alternativa para seus filhos. Os colégios não oferecem opções. Os alunos são colocados em uma salinha qualquer ou no pátio. E ficam sob o risco de sofrer bullying, assédio, discriminação dos colegas e dos próprios professores. Isso pode colocar muitos alunos em situação difícil. Alunos de minorias religiosas podem vir a sofrer ainda mais nas mãos de professores incautos, dispostos a utilizar a sala de aula como escola dominical.

Publicado originalmente em Estadão, via http://www.noticiascristas.com

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Quando a vida começa? Aborto é assassinato? Pesquisar células-tronco é brincar com pequenos seres humanos? Manipular embriões é crime?




 





Ao lado de “paz” e “amor”, “vida” é uma daquelas poucas palavras capazes de provocar unanimidade. Quem pode ser contra? “Amor” e “paz”, no entanto, são conceitos cuja definição não desperta polêmica. Com “vida” é diferente. Ninguém é capaz sequer de explicar o que é vida. Só no Aurélio há 18 tentativas. Por mais de 2 mil anos, essa indefinição foi motivo de inquietação só para poucos filósofos. Em geral, nos contentamos em falar que vida é vida e pronto. Hoje, porém, a ciência mexe fundo neste conceito. Expressões como “proveta” e “manipulação genética” estão cada vez mais presentes no cotidiano. E a pergunta sobre o que é vida, e quando ela começa, virou uma polêmica que vai guiar boa parte da sociedade em que vamos viver. A resposta sobre a origem de um indivíduo será decisiva para determinar se aborto é crime ou não. E se é ético manipular embriões humanos em busca da cura para doenças como o mal de Alzheimer e deficiências físicas.
“Ter embriões estocados em laboratório é um evento tão novo e diferente para a humanidade que ainda não tivemos tempo de amadurecer essa idéia”, diz José Roberto Goldim, professor de bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Biologicamente, é inegável que a formação de um novo ser, com um novo código genético, começa no momento da união do óvulo com o espermatozóide. Mas há pelo menos 19 formas médicas para decidir quando reconhecer esse embrião como uma pessoa.”
Vida é quando acontece a fecundação? Isso significa dizer que cerca de metade dos seres humanos morre nos primeiros dias, já que é muito comum o embrião não conseguir se fixar na parede do útero, sendo expelido naturalmente pelo corpo. Vida é o oposto de morte – e então ela se inicia quando começam as atividades cerebrais, por volta do 2º mês de gestação? Vida é um coração batendo, um feto com formas humanas, um bebê dando os primeiros gritos na sala de parto? Ou ela começa apenas quando a criança se reconhece como indivíduo, lá pelos 2 anos de idade? Para a Igreja, vida é o encontro de um óvulo e um espermatozóide e, portanto, não há qualquer diferença entre um zigoto de 3 dias, um feto de 9 meses e um homem de 90 anos. Mas então por que não existem velórios com coroas de flores, orações e pessoas de luto para embriões que morrem nos primeiros dias de gravidez? Essa é uma discussão cheia de contradições e respostas diferentes. Um debate em que a medicina fica mais perto de ser uma ciência humana do que biológica e em que frequentemente se encontram cientistas usando argumentos religiosos e religiosos se valendo de argumentos científicos. Por isso, o melhor a fazer é começar pela história de como a idéia de vida apareceu entre nós.

A história da vida

Saber onde começa a vida é uma pergunta antiga. Tão velha quanto a arte de perguntar – a questão despertou o interesse, por exemplo, do grego Platão, um dos pais da filosofia. Em seu livro República, Platão defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos. Por trás da afirmação estava a idéia de que casais deveriam gerar filhos para o Estado durante um determinado período. Mas quando a mulher chegasse a idade avançada, essa função cessava e a indicação era clara: o aborto. Para Platão, não havia problema ético algum nesse ato. Ele acreditava que a alma entrava no corpo apenas no momento do nascimento.
As idéias do filósofo grego repercutiram durante séculos. Estavam por trás de alguns conceitos que nortearam a ciência na Roma antiga, onde a interrupção da gravidez era considerada legal e moralmente aceitável. Sêneca, um dos filósofos mais importantes da época, contou que era comum mulheres induzirem o aborto com o objetivo de preservar a beleza do corpo. Além disso, quando um habitante de Roma se opunha ao aborto era para obedecer à vontade do pai, que não queria ser privado de um filho a quem ele tinha direito.
A tolerância ao aborto não queria dizer que as sociedades clássicas estavam livres de polêmicas semelhantes às que enfrentamos hoje. Contemporâneo e pupilo de Platão, Aristóteles afirmava que o feto tinha, sim, vida. E estabelecia até a data do início: o primeiro movimento no útero materno. No feto do sexo masculino, essa manifestação aconteceria no 40º dia de gestação. No feminino, apenas no 90º dia – Aristóteles acreditava que as mulheres eram física e intelectualmente inferiores aos homens e, por isso, se desenvolviam mais lentamente. Como naquela época não era possível determinar o sexo do feto, o pensamento aristotélico defendia que o aborto deveria ser permitido apenas até o 40º dia da gestação.
A teoria do grego Aristóteles sobreviveu cristianismo adentro. Foi encampada por teólogos fundamentais do catolicismo, como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, e acabou alçada a tese oficial da Igreja para o surgimento da vida. E assim foi por um bom tempo – até o ano de 1588, quando o papa Sixto 5º condenou a interrupção da gravidez, sob pena de excomunhão. Nascia aí a condenação do Vaticano ao aborto, você deve estar pensando. Errado. O sucessor de Sixto, Gregório 9º, voltou atrás na lei e determinou que o embrião não formado não poderia ser considerado ser humano e, portanto, abortar era diferente de cometer um homicídio. Essa visão perdurou até 1869, no papado de Pio 9º, quando a Igreja novamente mudou de posição. Foi a solução encontrada para responder à pergunta que até hoje perturba: quando começa a vida? Como cientistas e teólogos não conseguiam concordar sobre o momento exato, Pio 9º decidiu que o correto seria não correr riscos e proteger o ser humano a partir da hipótese mais precoce, ou seja, a da concepção na união do óvulo com o espermatozóide.
A opinião atual do Vaticano sobre o aborto, no entanto, só seria consolidada com a decisão dos teólogos de que o primeiro instante de vida ocorre no momento da concepção, e que, portanto, o zigoto deveria ser considerado um ser humano independente de seus pais. “A vida, desde o momento de sua concepção no útero materno, possui essencialmente o mesmo valor e merece respeito como em qualquer estágio da existência. É inadmissível a sua interrupção”, afirma dom Rafael Llano Cifuentes, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O catolicismo é das únicas grandes religiões do planeta a afirmar que a vida começa no momento da fecundação e a equiparar qualquer aborto ao homicídio. O judaísmo e o budismo, por exemplo, admitem a interrupção da gravidez em casos como o de risco de vida para a mãe. Isso mostra que a idéia de vida e a importância que damos a ela varia de acordo com culturas e épocas. Até séculos atrás, eram apenas as crenças religiosas e hábitos culturais que davam as respostas a esse debate cheio de possibilidades. Hoje, a ciência tem muito mais a dizer sobre o início da vida.

A ciência explica

O astrônomo Galileu Galilei (1554-1642) passou a vida fugindo da Igreja por causa de seus estudos de astronomia. Ironicamente, sem uma de suas invenções – o telescópio, fundamental para a criação do microscópio –, a Igreja não teria como fundamentar a tese de que a vida começa já na união do óvulo com o espermatozóide. Foi somente no século 17, após a invenção do aparelho, que os cientistas começaram a entender melhor o segredo da vida. Até então, ninguém sabia que o sêmen carregava espermatozóides. Mais tarde, por volta de 1870, os pesquisadores comprovaram que aqueles espermatozóides corriam até o óvulo, o fecundavam e, 9 meses depois, você sabe. Foi uma descoberta revolucionária. Fez os cientistas e religiosos da época deduzir que a vida começa com a criação de um indivíduo geneticamente único, ou seja, no momento da fertilização. É quando os genes originários de duas fontes se combinam para formar um indivíduo único com um conjunto diferente de genes.
Que bom se fosse tão simples assim. Hoje sabemos que não existe um momento único em que acontece a fecundação. O encontro do óvulo com o espermatozóide não é instantâneo. Em um primeiro momento, o espermatozóide penetra no óvulo, deixando sua cauda para fora. Horas depois, o espermatozóide já está dentro do óvulo, mas os dois ainda são coisas distintas. “Atualmente, os pesquisadores preferem enxergar a fertilização como um processo que ocorre em um período de 12 a 24 horas”, afirma o biólogo americano Scott Gilbert, no livro Biologia do Desenvolvimento. Além disso, são necessárias outras 24 horas para que os cromossomos contidos no espermatozóide se encontrem com os cromossomos do óvulo.
Quando a fecundação termina, temos um novo ser, certo? Também não é bem assim. A teoria da fecundação como início de vida sofre um abalo quando se leva em consideração que o embrião pode dar origem a dois ou mais embriões até 14 ou 15 dias após a fertilização. Como uma pessoa pode surgir na fecundação se depois ela se transforma em 2 ou 3 indivíduos? E tem mais complicação. É bem provável que o embrião nunca passe de um amontoado de células. Depois de fecundado numa das trompas, ele precisa percorrer um longo caminho até se fixar na parede do útero. Estima-se que mais de 50% dos óvulos fertilizados não tenham sucesso nessa missão e sejam abortados espontaneamente, expelidos com a menstruação.
Além dessa visão conhecida como “genética”, há pelo menos outras 4 grandes correntes científicas que apontam uma linha divisória para o início da vida. Uma delas estabelece que a vida humana se origina na gastrulação – estágio que ocorre no início da 3ª semana de gravidez, depois que o embrião, formado por 3 camadas distintas de células, chega ao útero da mãe. Nesse ponto, o embrião, que é menor que uma cabeça de alfinete, é um indivíduo único que não pode mais dar origem a duas ou mais pessoas. Ou seja, a partir desse momento, ele seria um ser humano.
Com base nessa visão, muitos médicos e ativistas defendem o uso da pílula do dia seguinte, medicação que dificulta o encontro do espermatozóide com o óvulo ou, caso a fecundação tenha ocorrido, provoca descamações no útero que impedem a fixação do zigoto. Para os que brigam pelo o direito do embrião à vida, a pílula do dia seguinte equivale a uma arma carregada.
Para complicar ainda mais, há uma terceira corrente científica defendendo que para saber o que é vida, basta entender o que é morte. E países como o Brasil e os EUA definem a morte como a ausência de ondas cerebrais. A vida começaria, portanto, com o aparecimento dos primeiros sinais de atividade cerebral. E quando eles surgem? Bem, isso é outra polêmica. Existem duas hipóteses para a resposta. A primeira diz que já na 8ª semana de gravidez o embrião – do tamanho de uma jabuticaba – possui versões primitivas de todos os sistemas de órgãos básicos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso. Na 5ª semana, os primeiros neurônios começam a aparecer; na 6ª semana, as primeiras sinapses podem ser reconhecidas; e com 7,5 semanas o embrião apresenta os primeiros reflexos em resposta a estímulos. Assim, na 8ª semana, o feto – que já tem as feições faciais mais ou menos definidas, com mãos, pés e dedinhos – tem um circuito básico de 3 neurônios, a base de um sistema nervoso necessário para o pensamento racional.
A segunda hipótese aponta para a 20ª semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto, capaz de se sentar de pernas cruzadas, chutar, dar cotoveladas e até fazer caretas. É nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais sensoriais dentro do cérebro, está pronto. Se a menor dessas previsões, a de 8 semanas, for a correta, mais da metade dos abortos feitos nos EUA não interrompem vidas. Segundo o instituto americano Allan Guttmacher, ONG especializada em estudos sobre o aborto, 59% dos abortos legais acontecem antes da 9ª semana.
Apesar da discordância em relação ao momento exato do início da vida humana, os defensores da visão neurológica querem dizer a mesma coisa: somente quando as primeiras conexões neurais são estabelecidas no córtex cerebral do feto ele se torna um ser humano. Depois, a formação dessas vias neurais resultará na aquisição da “humanidade”. E essa opinião também é partilhada por alguns teólogos cristãos, como Joseph Fletcher, um dos pioneiros no campo da bioética nos EUA. “Fletcher acreditava que, para se falar em ser humano, é preciso se falar em critérios de humanidade, como autoconsciência, comunicação, expressão da subjetividade e racionalidade”, diz o filósofo e teólogo João Batistiolle, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Para o filósofo Peter Singer, da Universidade de Princeton, nos EUA, levado às últimas consequências o critério da autoconsciência pode ser usado para considerar o infanticídio moralmente aceitável em algumas situações. Segundo ele, é lícito exterminar a vida de um embrião, feto, feto sem cérebro ou até de um recém-nascido extremamente debilitado se levarmos em conta que o bebê não têm consciência de si, sentido de futuro ou capacidade de se relacionar com os demais. “Se o feto não tem o mesmo direito à vida que a pessoa, é possível que o bebê recém-nascido também não tenha”, afirma o filósofo australiano, que atraiu a ira de grupos pró-vida que o acusam de ser nazista, embora 3 de seus avós tenham morrido no holocausto. “Pior seria prolongar a vida de um recém-nascido com deficiências graves e condenado a uma vida repleta de sofrimento.”
É o caso de bebês com anencefalia, que não têm o cérebro completamente formado. Dos fetos anencéfalos que nascem vivos, 98% morrem na 1ª semana. Os outros, nas semanas ou meses seguintes. Nesse caso, é melhor prolongar a existência do bebê ou abortar para evitar o sofrimento da criança? “Provavelmente, a vida de um chimpanzé normal vale mais a pena que a de uma pessoa nessa condição. Assim, poderia dizer que há circunstâncias em que seria mais grave tirar a vida de um não-humano que de um humano”, alega Singer. A tese é recebida com desprezo no campo adversário. “Há testemunhos entre pais de pacientes desenganados pela medicina de que é possível viver uma positividade mesmo dentro da situação de sofrimento”, afirma Dalton Luiz de Paula Ramos, professor da USP e coordenador do Projeto Ciências da Vida, da PUC-SP. Em julho de 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar liberando o aborto de fetos anencéfalos no país. A decisão final da Justiça, que legalizou definitivamente o aborto de anencéfalos no Brasil, saiu em abril de 2012.

A cura dentro de nós

Perto da deficiência física, porém, o nascimento de fetos anencéfalos é um problema pequeno. Segundo o IBGE, existem 937 mil brasileiros paraplégicos, tetraplégicos ou com um lado do corpo paralisado. Sem conseguir se mexer, muitos acabam morrendo por causa das escaras, feridas na pele criadas pela falta de circulação do sangue. Foram elas que mataram, em outubro de ano passado, o ator americano Christopher Reeve, célebre no papel do Super-Homem e ativista em prol dos estudos com células-tronco. Desde a década de 1980, esse tipo de células vem dando esperança a quem antes pensava que nunca voltaria a andar. Mas o futuro dessas pesquisas também está ligado à polêmica sobre onde começa a vida humana.
Do mesmo modo que as primeiras células que formam o embrião humano, as células-tronco são como curingas: ainda não foram diferenciadas para formar os tecidos que compõem o organismo. Podem se transformar em células ósseas, renais, neurônios, dependendo da necessidade e do poder de regeneração de cada órgão. Mesmo depois do nascimento, o corpo conserva essas células, sobretudo no cordão umbilical e na medula óssea. Injetando ou incentivando a migração de células-tronco adultas da medula para o coração, por exemplo, os cientistas estão conseguindo fazer o principal órgão humano se regenerar. Em pouco mais de um mês, pacientes com insuficiência cardíaca provocada por infartos ganham vida nova. A idéia é que a técnica das células-tronco, eleita pela revista Science como a mais importante pesquisa biológica do milênio, possa curar problemas renais, hepáticos, lesões da medula espinhal, mal de Alzheimer e até possibilitem a criação de órgãos em laboratório.
Até aí, nenhum conflito ético. Em 1998, porém, descobriu-se que as células-tronco mais potentes, capazes de se transformar em qualquer um dos 216 tecidos humanos e se replicar com grande velocidade, são as originais, o resultado da fecundação do óvulo com o espermatozóide. Os cientistas utilizam embriões com 3 a 4 dias de desenvolvimento (e entre 16 e 32 células), que sobram do processo de fertilização in vitro em clínicas especializadas. No laboratório, as células-tronco são retiradas num processo que provoca a destruição do embrião. Mas, se a vida começa na fecundação, os cientistas estariam lidando, em seus tubos de ensaio, com seres humanos vivos. O mesmo problema ético acontece com a inseminação artificial, que cria diversos embriões em laboratório e depois os descarta ou os congela. Não só os religiosos consideram essas técnicas um absurdo.
“Assim como não dá para dizer que matar um jovem é melhor que matar um adulto, não há diferença de dignidade entre um embrião e um feto de 6 meses”, afirma o professor Dalton, da USP. Um embrião, apesar de ser um amontoado de meia dúzia de células, muito menos complexo que uma mosca, carrega toda a informação genética necessária para a formação de um indivíduo. Nos seus 23 cromossomos paternos e 23 maternos, estão os 30 mil genes que determinarão os traços, a cor dos olhos, da pele, do cabelo, além de doenças como a síndrome de Down. Pensando nisso, países como a França chegaram a proibir pesquisas com células-tronco embrionárias. Hoje, os franceses permitem esses estudos, assim como a maioria dos outros países europeus e do Brasil. Desde março de 2005, a Lei de Biossegurança permite o uso de embriões descartados por clínicas de fertilização e congelados há pelo menos 3 anos – o prazo foi definido para evitar a produção de embriões exclusivamente para estudos. Há no país 20 mil embriões em condições de pesquisa dentro da lei. Mas uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles coloca o assunto em xeque.
Quer dizer então que o governo brasileiro proíbe o aborto mas permite a manipulação de embriões humanos vivos? Depende do que você considera humanos vivos. “A vida começou há milhões de anos e cada um de nós é fruto contínuo daquele processo”, afirma Fermin Roland Schramm, presidente da Sociedade de Bioética do Estado do Rio de Janeiro (Sbrio). “A pergunta pertinente não é quando começa a vida, mas quando começa uma vida relevante do ponto de vista ético. Um embrião num tubo de ensaio é apenas uma possibilidade de vida, assim como eu sou um morto em potencial, mas ainda não estou morto.” Como logo após a fertilização o zigoto tem grande probabilidade de não se tornar uma gravidez e ainda pode se dividir, alguns cientistas preferem chamar o embrião que ainda não se fixou no útero de “pré-embrião”. “A ética considera relações entre seres, entre um ‘eu’ e um ‘tu’. É difícil considerar um embrião um ‘tu’”, diz Fermin. “Já quando ele começa a estabelecer uma relação com a mãe, a interrupção do processo passa a ser mais problemática do ponto de vista moral.”
Outro ponto a favor dos que estão mexendo com os embriões é que novidades da ciência sempre assustaram. Foi assim com a fertilização artificial, com o transplante de coração e até com a transfusão de sangue. Hoje, esses avanços são essenciais para a saúde pública. “A única certeza que temos em relação às células-tronco adultas, encontradas no cordão umbilical, é que elas podem se diferenciar em células sanguíneas”, afirma a geneticista Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da USP, considerada a principal voz da classe científica na aprovação do dispositivo da Lei de Biossegurança que trata da pesquisa com células-tronco embrionárias. “Nunca vamos descobrir o potencial das células-tronco embrionárias se não pudermos estudá-las.”
Polêmicas à parte, às células-tronco embrionárias mostram que a solução para os males que perturbam o ser humano pode estar em nós mesmos. Ao contrário da discussão sobre o aborto, a polêmica das células-tronco surgiu com o esforço de fazer aleijados levantar e andar, doentes renais ganhar órgãos novos, cardíacos ter o coração reforçado. É um jeito de usar a essência da vida para encarar o maior inimigo da ciência: a morte, que também está no grupo das palavras que provocam unaniminade. É impossível gostar dela. O problema é que também não sabemos exatamente o que é morte. É quando o coração pára? Quando o cérebro deixa de funcionar? Cenas para a próxima reportagem.
FECUNDAÇÃO
Espermatozóides tentam penetrar no óvulo. Quando um deles vence a disputa, ainda são necessárias 24 horas até que as duas estruturas se fundam num único zigoto.
40 HORAS
Depois da fecundação, o número de células do zigoto dobra a cada 20 horas.
14 DIAS
O embrião chega à parede do útero. A menstruação pára e a mãe começa a suspeitar que está grávida.
4ª SEMANA
Uma versão rudimentar do que um dia será o coração começa a bater. O embrião mede cerca de 4 milímetros, o tamanho de um feijão.
6ª SEMANA
A aparência humana se define com o aparecimento dos primeiros órgãos. Já é possível reconhecer onde estão coração, cérebro, braços e pernas. O tamanho chega a 1 centímetro.
10ª SEMANA
O feto apresenta ondas cerebrais, podendo responder a estímulos, e ganha unhas. O fígado começa a liberar a bílis. Para muitos cientistas, neste estágio ele já é capaz de sentir dor.
17ª SEMANA
A mãe começa a sentir movimentos do feto, que já tem músculos e ossos. Nas próximas 3 semanas ele passará de 8,5 para 15 centímetros de tamanho.
5 MESES
O pulmão está pronto – é a última estrutura vital a se desenvolver. A partir daqui, o feto tem chances de sobreviver fora do útero.
Fonte: José Roberto Goldim (Ufrgs)

5 respostas da ciência

1. Visão genética
A vida humana começa na fertilização, quando espematozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único. Assim é criado um novo indivíduo, um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro. É também a opinião oficial da Igreja Católica.
2. Visão embriológica
A vida começa na 3ª semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas. É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez.
3. Visão neurológica
O mesmo princípio da morte vale para a vida. Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no cérebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa. O problema é que essa data não é consensual . Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8ª semana. Outros, na 20ª .
4. Visão ecológica
A capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida. Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Foi o critério adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do aborto.
5. Visão metabólica
Afirma que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozóides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural.

5 respostas da religião

1. Catolicismo
A vida começa na concepção, quando o óvulo é fertilizado formando um ser humano pleno e não é um ser humano em potencial. Por mais de uma vez, o papa Bento 16 reafirmou a posição da Igreja contra o aborto e a manipulação de embriões. Segundo o papa, o ato de “negar o dom da vida, de suprimir ou manipular a vida que nasce é contrário ao amor humano.”
2. Judaísmo
“A vida começa apenas no 40º dia, quando acreditamos que o feto começa a adquirir forma humana”, diz o rabino Shamai, de São Paulo. “Antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada homicídio.” Dessa forma, o judaísmo permite a pesquisa com células-tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco de vida para a mãe ou resulta de estupro.
3. Islamismo
O início da vida acontece quando a alma é soprada por Alá no feto, cerca de 120 dias após a fecundação. Mas há estudiosos que acreditam que a vida tem início na concepção. Os muçulmanos condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco para a vida da mãe. E tendem a apoiar o estudo com células-tronco embrionárias.
4. Budismo
A vida é um processo contínuo e ininterrupto. Não começa na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente em tudo o que existe – nossos pais e avós, as plantas, os animais e até a água. No budismo, os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras. Entre as correntes buditas, não há consenso sobre aborto e pesquisas com embriões.
5. Hinduísmo
Alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida. E como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano. Na questão do aborto, hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim, em geral se opõem à interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe.

5 respostas da lei

1. Brasil
Aqui, só há três situações em que o aborto é permitido: em casos de estupro, quando a gravidez implica risco para a gestante, ou em caso de fetos anencéfalos.
2. Eua
O aborto é permitido nos EUA desde 1973, quando a Suprema Corte reconheceu que o aborto é um direito garantido pela Constituição americana. Pode-se interromper a gravidez até a 24ª semana de gestação – na época em que a lei foi promulgada, era esse o estágio mínimo de desenvolvimento que um feto precisava para sobreviver fora do útero.
3. Japão
Foi um dos primeiros países a legalizar o aborto, em 1948. A prática se tornou o método anticoncepcional favorito das japonesas – em 1955 foram realizados 1 170 000 abortos contra 1 731 000 nascimentos. Hoje, o aborto é legal em caso de estupro, risco físico ou econômico à mulher, mas apenas até a 21ª semana – atual limite mínimo para o feto sobreviver fora do útero.
4. França
Desde 1975 as francesas podem fazer abortos até a 12ª semana de gravidez. Após esse período, a gestação só pode ser interrompida se dois médicos certificarem que a saúde da mulher está em perigo ou que o feto tem problema grave de saúde . Em 1988, a França foi o primeiro país a legalizar o uso da pílula do aborto RU-486, que pode ser utilizada até a 7ª semana de gestação.
5. Chile
Proíbe o aborto em qualquer circunstância. A prática é considerada ilegal mesmo nos casos que colocam em risco a vida da mulher. Em casos de gravidez ectópica – quando o embrião se aloja fora do útero, geralmente nas trompas – a lei exige que a gravidez se desenvolva até a ruptura da trompa, colocando em risco a saúde da mulher.

Para saber mais

O Futuro da Natureza Humana – Jürgen Habermas, Martins Fontes, 2004
Bioética – Marco Segre e Cláudio Cohen (org.), Edusp, 2002
Vida Ética – Peter Singer, Ediouro, 2002
Biologia do Desenvolvimento – Scott F. Gilbert, Sociedade Brasileira de Genética, 1994
Fonte: https://super.abril.com.br/ciencia/vida-o-primeiro-instante/

Por Eliza Muto e Leandro Narloch - 




MEU COMENTÁRIO: Na lei de Moisés conforme Êxodo 21:21,22, diz que se dois homens brigassem e na luta ferissem uma mulher grávida e ela abortasse, o que feriu pagaria uma multa ao marido da mulher. Se a mulher grávida morresse
Então a pena para o culpado seria a morte: olho por olho, dente por dente, vida por vida. Assim, a pena de morte seria no caso de morte da mulher e não do feto, cuja punição seria uma multa. Ou seja, por mais chocante que possa parecer, mas no único mandamento da Bíblia que fala sobre o aborto, descrito na lei mosaica, a vida do feto tinha menos valor que a da mulher.
Quem é contra o aborto, cita como referências que a vida começa no útero, os seguintes textos:
Jeremias 1:5; Salmo 119:16; Salmo 51:7; Eclesiastes 11:5. É bom lembrar que esses versículos falam da vida já no útero, mas não falam que dia/semana/mês de gestação ela começa e nem no caso de um embrião que ainda não se fixou no útero. São questões em aberto.
A igreja católica durante sua história já fixou o início da vida em três meses, 40 dias e por aí vai. Atualmente defende que começa na concepção. O bispo Edir Macedo da Igreja Universal, fez uma declaração polêmica ao dizer que em determinadas circunstâncias (não indiscriminadamente) era a favor do aborto e citou o texto bíblico de Mateus 26:24 para defender sua posição.
Particularmente sou contra o aborto, mas há casos muito difíceis de se analisar. Acredito que deve-se ter um cuidado pastoral de misericórdia com quem já praticou ou autorizou o mesmo. Porque há somente um pecado imperdoável que é contra o Espírito Santo, os demais havendo arrependimento e confissão podem ser perdoados (Salmo 103:3;9;10).