quinta-feira, 29 de maio de 2008

A integridade do evangelho: uma avaliação do neopentecostalismo

Elas ocupam um enorme espaço na televisão aberta, chegando a milhões de lares brasileiros todos os dias. As três mais conhecidas e salientes têm nomes parecidos — Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e Igreja Mundial do Poder de Deus. Esses nomes apontam para objetivos ousados e ambiciosos. Seus líderes máximos adotam, respectivamente, os títulos de bispo, missionário e apóstolo. Elas são o fenômeno mais recente, intrigante e explosivo do “protestantismo” tupiniquim. Trata-se das igrejas neopentecostais, denominadas por alguns estudiosos “pentecostalismo autônomo”, em virtude de seus contrastes com os grupos mais antigos desse movimento.
É difícil categorizá-las adequadamente, não só por serem ainda recentes, mas porque, ao lado de alguns traços comuns, também apresentam diferenças significativas entre si. A Igreja Mundial investe fortemente na cura divina. Seu apóstolo garante que ninguém realiza mais milagres do que ele. Seu estilo é personalista e carismático. Caminha no meio dos fiéis, deixa que as pessoas recolham o suor do seu rosto para fins terapêuticos, às vezes é ríspido com os auxiliares. O missionário da Igreja Internacional é simpático e bonachão; parece um pastor à moda antiga. É também polivalente: prega, canta, conta piadas, anuncia produtos e serviços. Controla com rédea curta o seu pequeno império. Todavia, nenhuma dessas igrejas vai tão longe na ruptura de paradigmas quanto a IURD. Dependendo do ângulo de análise, parece protestante ou católica. Seu carro-chefe é a teologia da prosperidade. Defende sem pejo a ética da sociedade de consumo. Seu líder está entrando na lista dos homens mais ricos do país.
Uma avaliação simpática e honesta das igrejas neopentecostais aponta para alguns aspectos que precisam ser reconsiderados a fim de que elas se tornem genuínos instrumentos do evangelho de Cristo.
O problema hermeneutico
Uma grave deficiência dessas novas igrejas está, na maneira como interpretam a Bíblia. A Bíblia se torna um joguete, uma peteca lançada para lá e para cá ao sabor das conveniências. Tomam-se diferentes declarações, episódios e símbolos bíblicos e, sem esforço algum de interpretação, passa-se diretamente para a aplicação, muitas vezes de uma maneira que nada tem a ver com o propósito original da passagem. O que é ainda mais grave, os textos bíblicos são usados de modo mágico, como se fossem amuletos ou talismãs, como se tivessem um poder imanente e intrínseco. A Bíblia é encarada prioritariamente como um livro de promessas, de bênçãos, de fórmulas para a solução de problemas, e não como a revelação especial na qual Deus mostra como as pessoas devem conhecê-lo, relacionar-se com ele e glorificá-lo.
Uma nova linguagem
Na sua releitura da Bíblia, os neopentecostais por vezes criam uma nova terminologia, muito diferente dos conceitos bíblicos tradicionais. Privilegiam-se expressões como “exigir nossos direitos”, “manifestar a fé”, “declarar a bênção”, todos os quais apontam para uma espiritualidade antropocêntrica, ou seja, voltada para as necessidades, desejos e ambições dos seres humanos, e não para a vontade e a glória de Deus. Alguns dos temas bíblicos mais profundos e solenes redescobertos pelos reformadores do século 16 são quase que inteiramente esquecidos. Não mais se fala em pecado, reconciliação, justificação pela fé, santificação, obediência. O evangelho corre o risco de ficar diluído em uma nova modalidade de auto-ajuda psicológica, deixando de ser “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”.
O conceito de fé talvez seja aquele que esteja sofrendo as maiores distorções. No discurso de muitas igrejas do pentecostalismo autônomo, a fé se torna uma espécie de poder ou varinha de condão que as pessoas utilizam para obter as bênçãos que desejam. Deus fica essencialmente passivo até que seja acionado pela fé do indivíduo. É verdade que Jesus usou uma linguagem que aparentemente aponta nessa direção (“tudo é possível ao que crê”, “vai, a tua fé te salvou”). Mas o conceito bíblico de fé é muito mais amplo, a ênfase principal estando voltada para um relacionamento especial entre o crente e Deus. Ter fé significa acima de tudo confiar em Deus, depender dele, buscar a sua presença, aceitar como verdadeiras as declarações da sua Palavra. O objeto maior da fé não são coisas, mas uma pessoa — o Deus trino.
Fundamento questionável
A teologia da prosperidade, que serve de base para boa parte da pregação e das práticas neopentecostais, é uma das mais graves distorções do evangelho já vistas na história cristã. Essa abordagem teve início nos Estados Unidos há várias décadas, sob o nome de “health and wealth gospel”, ou seja, evangelho da saúde e da riqueza. No neopentecostalismo, essa se torna a principal chave hermenêutica das Escrituras. Tudo passa a ser visto dessa perspectiva reducionista acerca do relacionamento entre Deus e os seres humanos. O raciocínio é que Cristo, através da sua obra na cruz, veio trazer solução para todos os tipos de problemas humanos. Na prática, acaba se dando maior prioridade às carências materiais e emocionais, em detrimento das morais e espirituais, muito mais importantes.
Tradicionalmente, as maiores bênçãos que o homem podia receber de Deus incluíam o perdão dos pecados, a reconciliação, a paz interior e, num sentido mais amplo, a salvação. Dentro da nova perspectiva teológica, as coisas mais importantes que Deus tem a oferecer são um bom emprego, estabilidade financeira, uma vida confortável, felicidade no amor e coisas do gênero.
Conclusão
O neopentecostalismo representa um grande desafio para as igrejas históricas e pentecostais clássicas. Esse movimento tem encontrado novas formas de atrair as massas que não estão sendo alcançadas pelas igrejas mais antigas. Nem todos os grupos padecem dos males apontados atrás. Muitas igrejas neopentecostais são modestas, evangelizam com autenticidade e não se rendem à tentação dos resultados rápidos, dos projetos megalomaníacos e dos métodos incompatíveis com o evangelho. O grande problema está nas megaigrejas e seus líderes centralizadores, ávidos de fama, poder e dinheiro. Estes precisam arrepender-se e voltar às prioridades da mensagem cristã, buscando em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, para que então as demais coisas lhes sejam acrescentadas.

• Trecho do artigo publicado na Revista Ultimato, edição nº 312, de Maio-Junho/2008, por Alderi Souza de Matos, doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. Fonte: Revista Ultimato, www.ultimato.com.br/

20 comentários:

  1. Caro Juber Donizete,
    A paz do Senhor!

    Torna-se cada vez mais difícil para a igreja de Cristo, combater os modismos que surge nos dias atuais.
    São muitas as inovações introduzidas por essas igrejas neopentecostais.Até hoje não consigo entender o propósito da fogueira santa,da água do rio jordão,do sal grosso e tantas outras inovações.O crente não precisa de sal grosso pois somos o sal da terra,o fogo do Espírito nos aquece, e rios de águas vivas fluem do nosso interior.

    "E também houve entre o povo falsos profetas,como entre vós haverá falsos doutores,que introduzirão encobertamente heresias de perdição,e negarão o Senhor que os resgatou,trazendo sobre si mesmos repentina perdição."(2Pe.2:1)

    Um abraço!

    francivaldojacinto.blogspot.com

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  2. Irmão Francivaldo,

    Durante anos, eu tenho ministrado seminários, sobre seitas e heresias, além de escatologia e missões. Alertava para o perigo externo, que representava as seitas. Mas hoje, o que eu vejo é que temos de fazer o alerta para o perigo que vem de dentro (infelizmente hà muita coisa anti-bíblica, sendo pregada no meio evangélico). Deus disse, através do profeta Oséias, que o seu povo estava sendo destruído porque faltava conhecimento. Então como diz Eclesiastes: "É tempo de falar". Obrigado pela visita.

    Pr. Juber

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  3. A Paz Juber

    Ótimo Post que reflete a realidade de algumas igrejas no Brasil Atual, recentemente escrevi um artigo sobre minha indignação contra a população mais humilde sendo usada para levantar fundos,

    Estão pregando um evangelho sem raiz para o povo e infelizmente problemas virão.

    Como o irmão Francivaldo Lembrou

    "E também houve entre o povo falsos profetas,como entre vós haverá falsos doutores,que introduzirão encobertamente heresias de perdição,e negarão o Senhor que os resgatou,trazendo sobre si mesmos repentina perdição."(2Pe.2:1)



    A Paz esteja contigo.

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  4. Marcos,

    Temos que ver que um crescimento marcado por toda sorte de desencontros, principalmente, o teológico, é temerário. Sem contar na questão da exploração, como você disse. Infelizmente a chamda teologia da prosperida, vem conquistando adeptos, não por sua qualidade, mas por sua popularidade. Que o Senhor nos guarde. Obrigado pelo comentário.

    Pr. Juber

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  5. Teus olhos são sóis adormecidos
    Perdidos no profundo da noite
    Luzeiros na procura da aurora
    Que viajam sem rumo ou norte

    Procuram a ironia do tempo
    Os gritos que um rosto apregoa
    Uma taça de ouro frio
    O tempo que uma alma magoa


    Boa semana


    Abraço

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  6. A paz do Senhor pastor Juber donizete.
    Ótimo post,pertinente,que Deus continue o abençoando.
    Daquele que ama a Assembléia de Deus e seus orgãos hitóricos.

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  7. Caro Profeta,

    Obrigado pela visita, como você é poeta, vou deixar uma reflexão em forma de poesia:

    Deus teceu minha rede do tempo
    Com a misericórdia e o castigo
    E até o orvalho da tristeza
    Tem o brilho de seu amor
    Bendita essa mão que tudo conduz, Bendito o coração que tudo planeja
    Entronizado onde habita a glória,
    Na terra de Emanuel,
    Na jornada da vida, há rios profundos,
    E cercas de espinhos pontiagudos.
    Agora, porém, udo isso já ficou para trás!
    Ah, se eu tivesse uma harpa bema afiada!
    Ah, se eu pudesse bradar Aleluia
    Junto ao coro triunfal,
    Que canta, onde habita a glória,
    Na terra de Emanuel!

    Deus lhe abençoe,

    Juber

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  8. Muito bom teu Blog gostei
    faça uma visita la no meu sei que vai gostar muito
    fik na Paz.
    www.vidaprofetica.blogspot.com

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  9. Irmão Lucimauro,

    O momento é de alerta ao que for diferente ao Evangelho de Cristo. Grato pela participação.

    Pr. Juber

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  10. Irmão Felipe,

    Agradeço pelas palavras, visitei o seu blog e gostei muito.

    Graça e Paz,

    Pr. Juber

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  11. Caro Juber,

    A paz do Senhor. Parabéns pelo blog e pelo bom gosto, reproduzindo esse artigo da revista evangélica que é, na minha opinião, a melhor do Brasil, mesmo não sendo uma expressão do pentecostalismo.

    Um abraço
    Paulo Silvano

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  12. Prezado Paulo Silvano,

    É um prazer receber seu comentário no meu blog, pela 1ª vez. Obrigado pelas palavras. Sobre o artigo, também concordo com você em relação a Revista Ultimato, sou leitor dela há anos. Volte outras vezes.

    Um abraço

    Juber

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  13. Prezado Juber,

    Ahgradeço pela visita e comentário q deixou no post "Um prato de experiências" em meu blog. Seja bem-vindo.

    Abraço.

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  14. Sidnei,

    Esse blog, dia 31/05, fez dois meses. Durante esse período, tenho tido a oportunidade de estar conhecendo outras pessoas, como você e interagindo via blog. Tem sido uma experiência enriquecedora. Obrigado pela visita.

    Abraço.

    Juber

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  15. Obrigado pelo comentário lá no Notícias Cristãs.
    Que tal trocarmos links?

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  16. Irmão Márcio,

    Proposta aceita, já vou colocar o
    seu blog nos meus links. Obrigado pela visita.

    Graça e Paz,

    Juber

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  17. Irmão Daladier,

    Obrigado pela adição do meu blog, fiz o mesmo com o seu.

    Nele, que é o mesmo que nos chama,

    Juber

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  18. Olá!...muito obrigado pelo comentário na Arca Perdida...é sempre muito bom encontrar pessoas que apreciam este tipo de literatura como a de Tolkien e de C.S. Lewis...

    Até mais!

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  19. Caro Hobbit,

    Estou aguardando sair em vídeo o segundo filme das Crônicas de Nárnia, para ver. Tolkin, em "O Senhor dos Anéis", faz uma analogia sobre o poder, fantástica. Quanto a C.S.Lewis, acho simplesmente perfeito a forma, como ele transmite a mensagem através de seus personagens.

    Obrigado pela visita.

    Juber

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