sexta-feira, 12 de junho de 2009

MERCADO DA FÉ

Frei Betto

Como os supermercados, as Igrejas disputam clientela. A diferença é que eles oferecem produtos mais baratos e, elas, prometem alívio ao sofrimento, paz espiritual, prosperidade e salvação.

Por enquanto, não há confronto nessa competição. Há, sim, preconceitos explícitos em relação a outras tradições religiosas. Se não cuidarmos agora, essa demonização de expressões religiosas distintas da nossa pode resultar, no futuro, em atitudes fundamentalistas, como a "síndrome de cruzada", a convicção de que, em nome de Deus, o outro precisa ser desmoralizado e destruído.

Quem mais se sente incomodada com a nova geografia da fé é a Igreja Católica. Quem foi rainha nunca perde a majestade... Nos últimos anos, o número de católicos no Brasil decresceu 20% (IBGE, 2003). Hoje, somos 73,8% da população. E nada indica que haveremos de recuperar terreno em futuro próximo.

Paquiderme numa avenida de trânsito acelerado, a Igreja Católica não consegue se modernizar. Sua estrutura piramidal faz com que tudo gire em torno das figuras de bispos e padres. O resto são coadjuvantes. Aos leigos não é dada formação, exceto a do catecismo infantil. Compare-se o catecismo católico à escola dominical das Igrejas protestantes históricas e se verá a diferença de qualidade.

Crianças e jovens católicos têm, em geral, quase nenhuma formação bíblica e teológica. Por isso, não raro encontramos adultos que mantêm uma concepção infantil da fé. Seus vínculos com Deus se estreitam mais pela culpa que pela relação amorosa.

Considere-se a estrutura predominante na Igreja Católica: a paróquia. Encontrar um padre disponível às três da tarde é quase um milagre. No entanto, há igrejas evangélicas onde pastores e obreiros fazem plantão toda a madrugada.

Não insinuo assoberbar ainda mais os padres. A questão é outra: por que a Igreja Católica tem tão poucos pastores? Todos sabemos a razão: ao contrário das demais Igrejas, ela exige de seus pastores virtudes heróicas, como o celibato. E exclui as mulheres do acesso ao sacerdócio. Tal clericalismo trava a irradiação evangelizadora.

O argumento de que assim deve continuar porque o Evangelho o exige não se sustenta à luz do próprio texto bíblico. O principal apóstolo de Jesus, Pedro, era casado (Marcos 1, 29-31); e a primeira apóstola era uma mulher, a samaritana (João 4, 28-29).

Enquanto não se puser um ponto final à desconstrução do Concílio Vaticano II, realizado para renovar a Igreja Católica, os leigos continuarão como fiéis de segunda classe. Muitos não têm vocação ao celibato, mas sim ao sacerdócio, como acontece nas Igrejas anglicana e luterana.

Ainda que Roma insista em fortalecer o clericalismo e o celibato (malgrado os escândalos freqüentes), quem conhece uma paróquia efervescente? Elas existem, mas, infelizmente, são raras. Em geral, os templos católicos ficam fechados de segunda à sexta (por que não aproveitar o espaço para cursos ou atividades comunitárias?); as missas são desinteressantes; os sermões, vazios de conteúdo. Onde estão os cursos bíblicos, os grupos de jovens, a formação de leigos adultos, o exercício de meditação, os trabalhos voluntários?

Em que paróquia de bairro de classe média os pobres se sentem em casa? Não é o caso das Igrejas evangélicas, basta entrar numa delas, mesmo em bairros nobres, para constatar quanta gente simples ali se encontra.

Aliás, as Igrejas evangélicas sabem lidar com os meios de comunicação, inclusive a TV aberta. Pode-se discutir o conteúdo de sua programação e os métodos de atrair fiel. Mas sabem falar uma linguagem que o povo entende e, por isso, alcançam tanta audiência.

A Igreja Católica tenta correr atrás com as suas showmissas, os padres aeróbicos ou cantores, os movimentos espiritualistas importados do contexto europeu. É a espetacularização do sagrado; fala-se aos sentimentos, à emoção, e não à razão. É a semente em terreno pedregoso (Mateus 13, 20-21).
Não quero correr o risco de ser duro com a minha própria Igreja. Não é verdade que ela não tenha encontrado novos caminhos. Encontrou-os, como as Comunidades Eclesiais de Base. Infelizmente não são suficientemente valorizadas por ameaçarem o clericalismo.


FONTE: wwww.correiocidadnia.com.br - Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Garamond), entre outros livros.

14 comentários:

  1. Muitos dos males levantados aqui por Frei Betto se assemelham em muito aos da igreja evangélica, ele é que é que desconhece o outro lado da cerca!

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  2. A Paz do Senhor JUBER DONIZET.
    Amado IRMÃO, Talvez é por esses motivos reais que Pilatos tenha perguntado: (O QUE É A VERDADE?eu andei por mil caminhos...eu não sei' 'mais meu lugar é aqui!).

    E O MEU É AQUI..
    ABRAÇÃO.

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  3. Caro Pr. Juber,
    A Paz do Senhor!

    Ainda uqe Frei Beto não conheça o "outro lado da cerca", como mencionou nosso comentarista anônimo, em linhas gerais é exatamente isso que acontece, mesmo com nossos defeitos (dos evangélicos), que não são poucos.

    Parabéns pela postagem, que nos leva também a uma reflexão.

    Um grande abraço!
    Pr. Carlos Roberto

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  4. Caro Anônimo,

    Você está certo nesse aspecto, quanto a semelhança dos males (católico e evangélico). Se soubessem o que tem do "outro lado da cerca", ficariam atônitos.

    Obrigado pela participação.

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  5. Josué,

    Obrigado pelo carinho. Apesar de ter minhas discordâncias de Frei Betto (como por exemplo sua simpatia por Fidel Castro), no entanto admirei sua postura quando depois de participar do primeiro ano de governo Lula, pediu demissão por não concordar com a quebra dos ideais que seguia. Escreveu depois o livro "A mosca azul", falando sobre a sedução do poder. Postura diferente de alguns líderes evangélicos que ficam loucos para poder participar de algum Conselho da Presidência, só para ficar perto do poder e do dinheiro.

    Abraço e obrigado pela visita.

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  6. Prezado Pr. Carlos,

    Sem dúvida. Se eles (Frei Betto e outros), tivessem conhecimento dos bastidores que rolam nas Convenções de Ministros, Sínodos ou Presbitérios, ficariam de queixo caído.

    Abraço.

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  7. Olá, Juber...

    Penso que as comunidades eclesiais de base não foram uma saída, mas um equívoco.

    Um abraço,

    Maya

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  8. Maya,

    É pode-se dizer que sim, pelo menos no que tange a Igreja Católica.

    Obrigado pela participação.

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  9. Amado Juber,

    foi impossível me conter a não republicaresse texto no "Verdades Nuas"...

    Desejo-se um lindo e abençoado domingo, com muita graça e muita unção , em Cristo Jesus !!


    bjuss

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  10. Imagina se nós dessemos mais exemplo, como estaria a Igreja Católica? Muito feliz seu post. E oremos por um País verdadeiramente evangélico.

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  11. Alice,

    Pode republicar à vontade. Uma boa semana para você também.

    Obrigado pela participação.

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  12. Daladier,

    Como estaria a Igreja Católica eu não sei, mas se nós dessemos mais exemplos, com certeza estaríamos melhores do o estado atual.

    Abraço e obrigado pela participação.

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  13. Irmãos,

    O Beto fez uma ótima autocrítica. Deveríamos seguir o exemplo, pois sabemos que não estamos com essa bola toda, pelo menos no que diz respeito à educação bíblica do povo crente.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  14. Clóvis,

    Sim. O Frei Betto, fez uma autocrítica, que muitas vezes não fazemos. Nosso ensino nas igrejas para jovens, crianças, adultos, não está lá estas coisas mesmo. Temos muito o que melhorar.

    Abraço.

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