domingo, 28 de maio de 2017

Caio Fábio e as lições do Dossiê Cayman para a liderança evangélica

O reverendo 
Para além do esfacelamento evangélico geral, duas forças se destacaram nos últimos anos como interlocutores entre evangélicos e vida pública: o reverendo Caio Fábio e a Igreja Universal. Um pela força carismática pessoal, a outra pela força institucional. As duas forças têm muito a recomendá-las: Caio declarou após a eleição de FHC em 1994 que havia votado em Lula porque votou pensando nos milhões de miseráveis neste país; e a IURD, desde fins de 1995, critica o presidente fortemente na Folha Universal pela sua indiferença ante a situação do povo. Mas, apesar dos aspectos positivos, essas duas forças representam modelos inadequados de presença evangélica na esfera pública. 

A comunidade evangélica deve muitíssimo a Caio Fábio nos últimos vinte anos. A partir de 1993, ele se tornou o único evangélico, além do Bispo Macedo, a ter projeção fora do mundo evangélico. Há quatro anos, um colega meu, cientista político, me disse: “esse Caio Fábio me parece gente séria”, ou seja, relativizava a imagem negativa dos evangélicos. De lá para cá, uma série de incidentes complicaram essa trajetória: Caio parecia defender a Globo contra a Universal, e Cabrera contra Maluf; afirmou que a Universal não era nem evangélica; e caiu na arapuca do dossiê. 

Não há espaço aqui para um exame detalhado do último caso, envolvendo supostas contas de FHC, Covas e Serra num paraíso fiscal. Caio é acusado na mídia de ter intermediado a venda do dossiê, porque é um bode expiatório conveniente (hoje, para o público em geral, há uma plausibilidade intrínseca em qualquer acusação financeira contra pastor evangélico). Por tudo que conhecemos a seu respeito, é altamente improvável que tivesse motivação pecuniária. Mas isso não é tudo que precisamos dizer a respeito do incidente. Em primeiro lugar, ele agiu errado, ainda que, como disse Ciro Gomes, “por patriotismo”. Em vez de contactar o Ministério Público, contactou políticos da oposição. Além disso, foi ingênuo em insistir com o caso quando políticos experientes reagiram com cautela. Mas o caso transcende a pessoa de Caio. Ele encarnou um estilo de liderança e de intermediação evangélica com a esfera pública, e foi esse estilo que levou ao problema. 

Zuenir Ventura, autor do prefácio da autobiografia de Caio, se pergunta no Jornal do Brasil “o que leva alguém assim a se meter numa operação tão espúria?” Zuenir conclui que Caio pode “ter sido tomado pelo delírio megalô de que seria capaz de mudar a história do país”. O que ficou evidente com o desenrolar do caso foi o isolamento de Caio. Parecia que ele não tinha avalista. Nem os amigos de outrora da mídia, nem os da política ou da sociedade civil carioca, e muito poucos do mundo evangélico, saíram em sua defesa para repudiar as táticas insinuantes da mídia. Pelo menos com relação aos evangélicos, Caio colhia o fruto da sua trajetória isolacionista, que o colocou em esferas onde estaria vulnerável (a pressões políticas e a associados duvidosos), mas sem o respaldo de uma assessoria adequada. 

O mais grave de tudo (e que torna necessário comentar o caso, pois não se trata de um problema meramente pessoal) é que o kairos da Associação Evangélica (AEVB) foi perdido. Havia uma oportunidade de ouro no começo da década, para colocar as relações entre mundo evangélico e sociedade num patamar mais sadio. Havia um desejo de um novo modelo, após a vergonha da Confederação Evangélica durante a Constituinte; e a Universal ainda não estava tão hegemônica no meio evangélico. Era o momento de desenvolver institucionalmente a AEVB, de dar-lhe corpo e densidade, construindo uma liderança colegiada forte, com base na identidade teológica da missão integral. Em vez disso, a AEVB ficou no pior dos mundos: um líder personalista que a promoveu junto com seu próprio nome enquanto interessava, mas que a deixou esvaziada (e endividada) depois. Sem outro líder carismático capaz de assumir, só restava fazer o que deveria ter sido feito desde o início — mas já enfrentando o descrédito, um momento menos favorável e a desilusão dos líderes que haviam lutado pela idéia original. 

O bispo A Igreja Universal apresenta um quadro bem diferente. O Bispo Macedo é um líder carismático que não é personalista, e que soube criar uma instituição forte para encarnar a sua visão. Na área política, o líder da Universal é o deputado federal Bispo Rodrigues. Ele é talvez o evangélico com mais poder político no Brasil hoje. Como virtual líder partidário (os deputados da IURD agirão em conjunto quase como um “partido” de porte médio), sua voz terá que ser ouvida por todos os evangélicos. Vamos ouvi-la em duas entrevistas. 

Na Folha Universal de 13 de dezembro, Rodrigues escreve sobre a legião de candidatos evangélicos avulsos. “O que esses candidatos sem nenhuma representatividade fazem é atrapalhar... aqueles que teriam reais chances de serem eleitos... Os segmentos evangélicos lançam oficialmente seus candidatos, mas correndo por fora, extraliderança, aparecem outros candidatos, o que faz com que ninguém seja eleito”. A crítica é justa, mas o problema surge quando Rodrigues condena genericamente os candidatos “extraliderança”. Isso lembra outra frase dele, de que são “os líderes evangélicos que elegem os políticos”. Parece que, para ele, a forma legítima de participação evangélica é via candidatos escolhidos pelos líderes denominacionais. Isso excluiria a participação autônoma de leigos, motivados mais por um conceito maior do reino de Deus do que por interesses institucionais. 

Que fazer? O problema não é Caio ou a Universal; é uma crise de modelos. A intermediação evangélica com a vida pública deveria ser feita por instituições, não por indivíduos. Mas por instituições especializadas, dirigidas por pessoas que não representem interesses denominacionais corporativistas nem sejam líderes personalistas. O problema é que o mundo evangélico brasileiro se caracteriza, de um lado, por uma profusão de líderes personalistas fortes e instituições fracas, e do outro lado, por uma grande instituição forte e corporativista, a IURD. A política evangélica navega perigosamente entre líderes personalistas e instituições corporativistas. 

O caminho da maturidade política envolve a superação do personalismo (criando instituições densas, embasadas na consciência cidadã evangélica) e do corporativismo (separando o reino de Deus e a igreja institucional, e dando espaço para a liderança leiga especializada). Em termos concretos, no nível da intermediação entre comunidade evangélica e esfera pública, precisamos persistir na tentativa de criar uma entidade representativa séria e atuante; e no nível da política strictu sensu, precisamos de uma pluralidade de entidades mobilizadoras dos cidadãos evangélicos em torno de diversas compreensões da vontade de Deus para a política. Com ou sem crise do real, o Brasil todo será beneficiado. 

Fonte: Paul Freston é professor de sociologia na Universidade Federal de São Carlos, SP. É autor de Evangélicos na política brasileira (Encontro Editora) e Fé Bíblica e crise brasileira (ABU Editora), entre outros. Revista Ultimato de março-abril de 1999.

Meu Comentário: Esse texto foi escrito há 18 anos atrás pelo Paulo Freston, e apesar do Caio Fábio ter ficado irritado com o escrito, acredito que o autor acertou na mosca quando fala dos modelos de liderança evangélica personificados em Caio Fábio e Edir Macedo.

Esse mês Caio foi preso (dia 24/05) e solto ontem (dia 27/05), em decorrência do processo do Dossiê Cayman que ocorreu em 1998, há 19 anos atrás. Creio que Deus que deu perdão e restauração e lhe concedeu um novo recomeço, mas como Davi, as consequências dos erros passados são inevitáveis.


Nenhum comentário:

Postar um comentário