segunda-feira, 8 de maio de 2017

Direitos humanos, um novo desafio

Há mais de 20 anos dedico minha vida à causa dos direitos humanos. Em minha trajetória, somam-se diversas experiências: como professora de Direitos Humanos em universidades no Brasil e no exterior; pesquisadora em centros de excelência no exterior; integrante de distintas organizações não governamentais; advogada pública; membro de organismos internacionais de proteção dos direitos humanos na ONU e OEA; e atual secretária Especial de Direitos Humanos.

É com esta experiência plural e multifacetada que aceitei o desafio lançado pelo Estado brasileiro da candidatura à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Promover, monitorar e proteger os direitos humanos na região constituem a vocação maior da Comissão Interamericana. Na experiência brasileira, casos submetidos à Comissão têm permitido significativos avanços em marcos legislativos e políticas públicas, cabendo menção aos seguintes:


a) casos de violência policial impulsionaram a adoção da Lei 9.299/96, que determinou a transferência da Justiça Militar para a Justiça Comum do julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares;
b) casos envolvendo tortura e desaparecimento forçado encorajaram a adoção da Lei 9.140/95, que estabeleceu indenização aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos;

c) caso relativo a assassinato de uma jovem estudante por deputado estadual propiciou a adoção da Emenda Constitucional 35/2001, que restringe o alcance da imunidade parlamentar;
d) caso envolvendo denúncia de discriminação contra mães adotivas e seus respectivos filhos ensejou a aprovação da Lei 10.421/2002, que estendeu o direito à licença-maternidade às mães de filhos adotivos;
e) caso envolvendo violência doméstica (caso Maria da Penha Maia Fernandes) culminou na adoção da Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher;
f) casos envolvendo violência contra defensores de direitos humanos contribuíram para a adoção do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos;
g) casos envolvendo violência rural e trabalho escravo contribuíram para a adoção do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo; h) casos envolvendo direitos dos povos indígenas permitiram a demarcação e homologação de suas terras; e
h) casos envolvendo violação aos direitos das pessoas privadas de liberdade impulsionaram a instalação das audiências de custódia.

Em 1978, quando a Convenção Americana de Direitos Humanos entrou em vigor, muitos dos Estados da América Central e do Sul eram governados por regimes autoritários. A agenda de direitos humanos era uma agenda contra o Estado, assumida sobretudo pela sociedade civil.

Naquele contexto, a Comissão exerceu um extraordinário papel ao denunciar graves e maciças violações de direitos durante regimes ditatoriais, especialmente na década de 70.

Desde então, a Comissão tem sido um relevante ator no processo de democratização nas Américas. Na atualidade, a emergência de regimes democráticos permitiu que os direitos humanos também passassem a constituir política de Estado, a partir de uma crescente institucionalidade voltada à proteção e à promoção dos direitos humanos.

À luz deste novo contexto, é lançado o desafio de repensar o papel da Comissão Interamericana. Sete são os princípios a inspirar a candidatura brasileira visando ao fortalecimento da Comissão:


1) efetividade (aprofundar a capacidade de diálogo e de cooperação entre a Comissão e os Estados, na busca de soluções amistosas; intensificar o diálogo regional-local é condição para garantir o maior grau de implementação de suas decisões);
,
2) eficiência (enfrentar os atrasos processuais, contribuindo para uma maior racionalização temporal de procedimentos, práticas e gestão dos casos);

3) transparência (contribuir para uma maior objetividade, clareza e publicidade dos procedimentos adotados);
4) institucionalidade (densificar a observância dos parâmetros jurídicos de proteção aos direitos humanos, com rigor técnico, de modo a fortalecer a juridicidade);
5) independência (atuar com imparcialidade, integridade e não-seletividade);
6) universalidade (ampliar o universo de Estados-partes no sistema interamericano, fomentando a maior incorporação dos parâmetros protetivos regionais); e
7) sustentabilidade (contribuir ao adequado funcionamento da Comissão, com recursos técnicos, administrativos e financeiros suficientes).
O sistema interamericano salvou e continua a salvar tantas vidas. Permitiu a desestabilização dos regimes ditatoriais; exigiu justiça nas transições democráticas; e agora demanda o aprimoramento das instituições democráticas com o combate às violações de direitos humanos e proteção aos grupos mais vulneráveis.
O respeito aos direitos humanos é condição essencial para a sustentabilidade democrática, para a capilaridade do Estado de Direito e para a construção da cultura da paz na região.
Direitos Humanos (Foto: Arte: André Mello)Arte: André Mello
Flavia Piovesan é professora de Direito da PUC/SP e secretária Especial de Direitos Humanos

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2017/04/direitos-humanos-um-novo-desafio.html

Meu Comentário: Como atualmente estou fazendo uma pós-graduação em Direitos Humanos, compartilho aqui no blog, esse texto da Dra Flávia Piovesan, que espero que consiga a vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e possa representar o Brasil lá. Aliás, creio que estaremos bem representados caso ela seja a escolhida. Em um momento onde discursos de ódio são cada vez mais frequentes no nosso país, e com o crescimento de defensores de políticas que lembram o período do autoritarismo, é oportuno ensinar sobre direitos humanos.

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