Católicos em Tacloban, nas
Filipinas, em 2014.JULIÁN
ROJAS
Catolicismo perdeu força na Europa e na América por causa dos escândalos, da falta de espiritualidade e da irrupção de novas correntes dentro do cristianismo
O
futuro das religiões será decidido nos próximos 20 anos em dois continentes. A
batalha é travada palmo a palmo, mas a China e grande
parte da África subsaariana são agora os pontos estratégicos que podem mudar o
status quo da espiritualidade. Nenhum movimento é casual. O Papa viajará
antes do fim do ano para o Japão e três países africanos: Moçambique, Ilhas
Maurício e Madagascar. Nos últimos tempos, viajou para Mianmar, Bangladesh,
Quênia, Uganda e Filipinas. Viajou porque foi convidado. Mas a questão de fundo
lembra também que são as regiões onde o catolicismo está crescendo mais e onde
a Igreja acredita que poderá atenuar a hemorragia que sofre na Europa e na
América.
Os
dados do anuário do Vaticano não parecem tão alarmantes. Em
parte porque são contabilizados pelos batismos e não pela prática religiosa e
porque o aumento da expectativa de vida contribui para um maior volume no total
de batizados. Assim, em uma população mundial de 7,408 bilhões, os católicos
batizados são 1,313 milhão (17,7%). 48,5% deles estão na América, 21,8% na
Europa, 17,8% na África, 11,1% na Ásia e 0,8% na Oceania. A população católica
cresceu 9,8% entre 2010 e 2017. Mas a alta é diferente em cada continente e as
regiões tradicionais perdem força. Na Europa, o crescimento é de 0,3%, na
América de 8,8%, na Ásia de 12,2% e na África de 26,1%.
A
disputa com outras religiões e confissões, especialmente com o islã e os
evangélicos, é fundamental. Mas teorias como o choque de civilizações de Samuel
Huntington e certo alarmismo pelo crescimento do islã podiam fazer sentido há
uma década. Se o cristianismo (e o catolicismo em particular) cultivar bem as
regiões-chave, acreditam os especialistas, se imporá. O professor Philip
Jenkins, autor de inúmeros ensaios sobre o assunto e referência na questão,
previu que em 2050 a proporção de cristãos em relação aos muçulmanos será de
três para um. De fato, sua tese é que o cristianismo será a religião mais
numerosa graças ao crescimento em lugares como a Ásia. Para isso, no entanto,
algumas tendências devem ser corrigidas.
A
maior queda no número de fiéis (batizados), vocações (aspirantes a sacerdote) e
praticantes (aqueles que vão à missa aos domingos) na Europa aconteceu nos anos
setenta e oitenta. “Existem várias causas, como o bem-estar econômico, o que
levou a dedicar os domingos a outras coisas. Também a difusão da pílula
anticoncepcional, que mudou práticas sexuais. Outros fenômenos culturais e
sociais, como o Maio de 68, também contribuíram para uma mudança nos valores
tradicionais”, diz o sociólogo da religião e diretor do Centro de Estudos das
Novas Religiões, Massimo Introvigne.
Enquanto na Polônia o catolicismo resiste melhor à queda,
os escândalos de pedofilia tiveram um grande impacto em países como a Irlanda,
que liderava a lista de Estados crentes na Europa e hoje está na média. Mas a
praga do abuso de menores teve maior impacto nos EUA e na América Latina, onde
um novo fenômeno surgiu em paralelo naquele período. “Aconteceu uma grande
passagem dos católicos a grupos evangélicos, especialmente pentecostais. Houve
um tempo em que na América Latina você nascia católico e morria católico. Hoje,
no entanto, já há 20% de protestantes pentecostais, enquanto há um século só
atingiam 1%. Há 50 anos, quase todos eram católicos. Mas muitos o eram de forma
nominal, participavam de algumas festas, mas não na vida da Igreja regular”,
explica Introvigne.
A
Igreja católica mudou algumas atitudes, até agora demasiado estáticas, na
aproximação aos fiéis. Na reforma que será realizada pela Santa Sé, um novo
departamento de evangelização será situado no topo do organograma dos
dicastérios. A escolha das viagens do Papa também não é casual e têm um impacto
muito alto em áreas onde o catolicismo está crescendo, como a África. O
problema aí, no entanto, é a conversão de muitos fiéis, que chegam ao
cristianismo com uma cultura que às vezes inclui a poligamia ou a ignorância do
celibato dos sacerdotes. “A África é o grande desafio. Mas esses números têm de
ser gerenciados. O batismo não é o fim do processo, é preciso acompanhá-los”,
diz Introvigne.
O
interesse pela Ásia, o segundo mercado potencialmente mais importante para o
catolicismo, baseia-se principalmente no acordo assinado pelo Vaticano e a China há um ano.
O padre Bernardo Cervellera, diretor da prestigiosa publicação católica Asia
News, acredita que o continente pode se tornar em poucos anos o maior
viveiro de fiéis. “A Ásia é hoje o centro do mundo, do ponto de vista da
população e da economia. O futuro vai ser decidido lá, mas é um lugar onde há
um choque entre o economicismo tecnológico, levado ao mais alto nível como na
China, Japão e Coreia, e as grandes religiões com a tentação do
fundamentalismo. Existe um desencontro entre a religiosidade desses povos e a
indiferença do mundo econômico. E nessa luta a Igreja tem uma missão de
salvaguardar a dimensão humana”.
O
Vaticano tinha muito interesse em virar a página de um período de
distanciamento e conflito com um país em que existem 12 milhões de católicos
oficiais (150.000 novos batismos por ano) e 40 milhões de cristãos, embora
alguns especialistas calculem que o número real pode superar os 88 milhões de
militantes do Partido Comunista da China.
O acordo não está
funcionando tão bem quanto a Santa Sé desejaria e foi criticado pela Igreja
local, sobre o degelo das relações diplomáticas, rompidas desde os anos
cinquenta. Depois de décadas de perseguição, a China poderia se tornar o país
com a maior população cristã do mundo em 2030, com 247 milhões de fiéis. E isso
poderia mudar definitivamente o equilíbrio.
ALÉM DE SOMAR FIÉIS,
EVANGÉLICOS GANHAM PODER NA AMÉRICA LATINA
Naiara Galarraga
Marcelo de Oliveira está imensamente agradecido à
sua Igreja evangélica, que o resgatou das garras
da cocaína à qual esteve preso durante duas décadas. Dezesseis anos em seu
seio, 16 anos limpo. Rita Pereira já não se endivida desde que se uniu à dela.
Nenhum deles nasceu nessa fé, como contaram em junho enquanto participavam
da Marcha para Jesus em São Paulo, a maior festa
evangélica do Brasil. São só dois dos rostos de uma revolução silenciosa que
começou nos anos setenta e quebrou um monopólio que a Igreja
católica sustentou por cinco séculos na América Latina, como
explica o sociólogo e ex-ministro peruano José Luis Pérez Guadalupe no recente
estudo Evangélicos y Poder.
Basta circular por qualquer cidade ou povoado da
região, principalmente em áreas periféricas pobres ou rurais, para constatar o
quanto se multiplicaram os templos das diversas denominações
evangélicas. Todos os especialistas insistem que é um movimento nada
homogêneo. Os fiéis aumentaram de maneira espetacular. No Brasil, o país mais
populoso da América Latina e com mais católicos do mundo, os evangélicos já são
30% de seus 210 milhões de habitantes. Em alguns países muito menos populosos,
como Guatemala e El Salvador, representam quase metade da população depois de
um aumento acelerado nas últimas cinco décadas. Se 92% dos latino-americanos
professavam em 1970 o catolicismo imposto por espanhóis e portugueses na
conquista, em 2017 esse total estava reduzido a 59%, diante do avanço dos
evangélicos (19%) e do agnosticismo.
Os motivos que levam tantos milhões de
latino-americanos a se converter às novas denominações, dinâmicas, muito mais
adaptadas à modernidade do que a Igreja católica, são variados. Mas muitas
pessoas são impulsionadas por suas famílias para abandonar vícios, sejam as
drogas ou o álcool que tantos estragos causa nas famílias, ou superar qualquer
outro problema.
Não só são mais numerosos, como também têm mais
poder desde que, nos anos oitenta, atravessaram as portas dos templos
para entrar na política e no mundo dos negócios. A
Guatemala tem um presidente evangélico, o cômico e teólogo Jimmy Morais,
enquanto na Costa Rica outro, Fabricio Alvarado, chegou ao segundo turno da
última eleição presidencial. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro é católico,
mas tem uma aliança com as Igrejas evangélicas − que têm entre seus fiéis nada
menos que um de cada seis congressistas. Nesta semana, Bolsonaro assistiu ao
culto semanal na sede da Câmara de Deputados e prometeu que um dos dois juízes
que espera nomear para o Supremo Tribunal Federal será "terrivelmente evangélico", um passo
importante, porque foi o STF que aprovou as normas que protegem o direito ao
aborto em três casos e o casamento igualitário.
Euler
Morais, um ex-deputado que participou do culto com o presidente em Brasília,
apresenta-se como um dos impulsionadores para que os evangélicos brasileiros
entrassem em política. Ele diz que graças a essa mudança os deputados protestantes
deixaram há muito tempo de ser meros observadores, e a defesa da família
tradicional e dos costumes cristãos é só parte de sua ação política. Eles se transformaram em
uma voz influente em política econômica e de segurança e querem participar da
transformação prometida por Bolsonaro, que no culto se definiu como "instrumento" de Deus.
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