Na
Bíblia, vemos profetas falsos e verdadeiros cujas palavras se revelaram falsas.
CRAIG KEENER|19/JANEIRO/2021
Image: Spencer Platt / Getty Images
Em
algumas eleições, as profecias são mais do que suposições com 50 por cento de
chance de darem certo ou errado. Em 2016, Jeremiah Johnson, pastor e profeta,
previu com precisão o primeiro mandato de Trump, antes mesmo de ele despontar
como líder nas primárias republicanas. Robertson não foi o único a ver outra
vitória do presidente em 2020. A maioria das profecias que vieram a público,
incluindo as de Johnson, ficou do lado de Trump, às vezes mencionando uma
eleição disputada.
Mas mesmo
alguns dos que votaram em Trump sentiam que Deus estava dizendo que Biden
venceria desta vez. Ron Cantor, líder do judaísmo messiânico que vive em
Israel, disse que ouviu duas vezes de Deus que Biden venceria porque a igreja
estava idolatrando Trump. Ele disse aos seguidores: “Mesmo que um milagre
acontecesse e [Trump] fosse, de fato, reeleito, o que parece menos provável a
cada hora que passa, provando ser verdade o que disseram os outros profetas, o
aviso aqui permanece o mesmo.”
Se os
resultados da eleição se mantiverem, apesar das recontagens e contestações na
justiça, todos aqueles que previram a vitória de Trump eram falsos profetas?
Os erros
nas profecias não transformam todos os que se enganam em falsos profetas, assim
como os erros no ensino não transformam todos os que se enganam em falsos
mestres. No entanto, falsos profetas existem — e até mesmo os cessacionistas,
que não acreditam que o verdadeiro dom de profecia é para hoje, concordam que
existem.
Quer
venham de falsos profetas ou não, profecias erradas de grande notoriedade
correm o risco de trazer grande desonra ao nome de Deus e devem ser tratadas
com especial seriedade. Pessoas que já zombam dos cristãos podem encontrar
ainda mais motivos para os ridicularizarem. Deuteronômio 18 adverte contra
profecias equivocadas, embora se refira a profetizar “com presunção”; o termo
em hebraico normalmente envolve rebelião insolente (como em Deuteronômio 1.43 e
17.13).
“Se o que
o profeta proclamar em nome do SENHOR não acontecer nem se cumprir, essa
mensagem não vem do SENHOR”, diz Deuteronômio 18.22. “Aquele profeta falou com
presunção. Não tenham medo dele”.
Ouvindo de Deus
No
entanto, mesmo uma profecia verdadeira pode ser mais confusa do que muitos de
nós gostaríamos. Na Bíblia, profetas verdadeiros com frequência agiam de
maneiras que outras pessoas consideravam excêntricas (Jr 19.10; At 21.11), e
seus contemporâneos às vezes os consideravam mentalmente desiquilibrados (2Rs
9.11; Jr 29.26; Jo 10.20).
Contrastando com as profecias sobre os propósitos divinos de longo prazo, a maioria das profecias na Bíblia sobre os propósitos divinos de curto prazo são condicionais, sejam ou não declaradas como tais. Assim, a profecia de Jonas — “Daqui a quarenta dias Nínive será destruída” (Jn 3.4) — não se cumpriu na geração de Jonas porque Nínive se arrependeu.
Jeremias
explica esse processo claramente: “Se em algum momento eu decretar que uma
nação ou um reino seja arrancado, despedaçado e arruinado, e se essa nação que
eu adverti converter-se da sua perversidade, então eu me arrependerei e não
trarei sobre ela a desgraça que eu tinha planejado. E, se noutra ocasião eu
decretar que uma nação ou um reino seja edificado e plantado, e se ele fizer o
que eu reprovo e não me obedecer, então me arrependerei do bem que eu pretendia
fazer em favor dele”(Jr 18.7–10). As perspectivas sobre como funciona a
profecia condicional variam. Minha opinião pessoal é que Deus conhece de
antemão as escolhas humanas ou resultados finais, mas ele também acomoda dentro
do tempo pessoas limitadas ao tempo.
Da mesma
forma, às vezes Deus adia os resultados prometidos. Elias profetizou a
destruição da linhagem de Acabe (1Rs 21.20–24). Ainda assim, depois que Acabe
se humilhou, Deus disse a Elias em particular: "Visto que [Acabe] se
humilhou, não trarei essa desgraça durante o seu reinado, mas durante o reinado
de seu filho" (21.29). Da mesma forma, Deus encarregou Elias de três
tarefas (1Rs 19.15–16). Elias cumpriu pessoalmente uma delas — chamar Eliseu.
As outras duas tarefas foram cumpridas por Eliseu e por um profeta que ele, por
sua vez, comissionou. A maior parte da missão foi cumprida por outra pessoa.
Frequentemente,
as profecias bíblicas trazem mais indicações sobre o que [acontecerá] do que
sobre quando. Por exemplo, os dois primeiros capítulos de Joel descrevem uma
invasão iminente de gafanhotos como o dia do Senhor, o tempo do juízo de Deus.
O último capítulo, entretanto, parece descrever uma invasão real no dia final
do julgamento de Deus (3.9-17, especialmente o versículo 14). Ou seja, nas
profecias, eventos mais próximos podem prenunciar eventos posteriores, sem se
preocupar em especificar o tempo entre eles. Os cristãos veem as profecias do
Antigo Testamento sobre a vinda do Messias desta forma: Ninguém reconheceu de
antemão que Jesus viria duas vezes.
Mas a
maioria das profecias sobre as eleições nos EUA foram condicionais? Ou elas
estavam simplesmente erradas? Afinal, qualquer um pode dizer: “O resultado da
eleição será tal e tal, desde que um número suficiente de pessoas votem em tal
e tal.” (Dadas as probabilidades contra Trump, entretanto, as profecias
prevendo sua eleição foram um tanto ousadas.)
Ouvindo nossos próprios ecos
Mas mesmo
cristãos piedosos às vezes podem interpretar mal o que ouvem. Nem todos sempre
ouvem Deus com tanta clareza quanto Moisés, face a face (Nm 12.6-8). Natã teve
de se corrigir quanto à garantia que havia dado a Davi, depois que o Senhor
falou com ele (2Sm 7.3-5). Mesmo profetas da corte como Natã, também piedosos,
podem fazer suposições erradas em tempos favoráveis.
Esse
problema, entretanto, não se limita aos profetas da corte.
Quando
João Batista ouviu que Jesus estava curando pessoas, ele questionou sua
identidade (Mt 11.2–3; Lc 7.18–20). Provavelmente João fez isso porque, antes,
ouvira de Deus que aquele que viria batizaria com o Espírito e com fogo (Mt
3.11; Lc 3.16). Pelo que João soubera, Jesus não estava batizando ninguém com
fogo. O que João ouviu de Deus estava certo, embora a inferência que João fez
estivesse errada, porque ele, como todos os profetas, via apenas uma parte do
cenário maior.
Não só
todas as profecias são parciais, mas, o que é mais perigoso, às vezes podemos
confundir a nossa interpretação errada com a mensagem de Deus. Alguns de nós
talvez se lembrem de momentos em que oramos pelo cônjuge ou emprego certos;
quanto mais envolvidos emocionalmente estivermos em uma decisão, mais difícil
será pensar e ouvir com clareza [sobre ela].
Talvez
seja por isso que Lucas se abstém de chamar o discurso guiado pelo Espírito, em
Atos 21.4, de “profecia”. Os amigos de Paulo disseram-lhe “pelo Espírito” para
não ir a Jerusalém. Apesar disso, Deus já havia dito ao próprio Paulo para ir a
Jerusalém (o provável significado de Atos 19.21). Os amigos de Paulo tinham
ouvido corretamente que ele sofreria em Jerusalém (20.23; 21.11), mas
erroneamente inferiram, a partir dessa informação, que ele não deveria ir para
lá (21.12-14; ver também 2Rs 2.3-5,16-18). A subjetividade é algo confuso, mas
enquanto precisarmos da sabedoria do Senhor, temos de conviver com alguma
subjetividade.
E é assim
porque toda profecia é “em parte”, assim como os mestres conhecem "em
parte” (1Co 13.9). Até que Jesus volte, nosso conhecimento é limitado e parcial
(v. 9-12). Dizer que todas as profecias que entraram na Bíblia são perfeitas
não significa que nenhum dos servos de Deus jamais fez profecias imperfeitas. É
por isso que Paulo insiste em que cada profecia deva ser avaliada (1Co 14.29).
Ele nos avisa para não apagar o Espírito nem desprezar as profecias; em vez
disso, devemos pô-las à prova, ficando com o que é bom e rejeitando o que é mau
(1Ts 5.19-22).
Certos
ensinamentos populares tornaram muitas profecias contemporâneas ainda mais
problemáticas. Acredito que os excessos cometidos no ensino da “confissão
positiva” introduziram uma grande fonte de erro em potencial na questão da
profecia. Até mesmo muitos círculos hoje em dia que repudiam a teologia do “dar
nome e tomar posse” agora se envolvem em “declarações proféticas”. Algumas
dessas declarações pretendem ser afirmações de fé. Afinal de contas, Jesus nos
convida a dar ordem até aos montes pela fé (Mc 11.23). Mas a fé é apenas tão
boa quanto seu objeto, o qual, por sua vez, Jesus especifica no versículo
anterior como sendo Deus (v. 22). As “declarações” proféticas são vazias, a
menos que sejam autorizadas e dirigidas por Deus. Como diz Lamentações: “Quem
poderá falar e fazer acontecer, se o Senhor não o tiver decretado?” (Lm 3.37).
Ouvindo coisas diferentes
As
pessoas mais proeminentes que afirmam falar por Deus nem sempre estão certas,
mas isso não significa que Deus não fale. Em 2008, um pastor etíope, que nada
sabia a meu respeito, profetizou com precisão sobre meu filho e sobre eu estar
escrevendo dois livros grandes. O que me confundiu foi ele ter dito que meu
segundo livro seria maior do que o primeiro. Eu esperava que meu comentário de
Atos saísse primeiro; mas ele acabou tendo mais de 4 mil páginas. Embora eu
tenha ficado parcialmente impressionado, pensei que Mesfin estava errado sobre
um livro maior. Mas meu livro sobre milagres, que no fim teve apenas 1.100
páginas, acabou saindo antes do meu comentário de Atos. Mesfin estava certo e
eu errado.
Este ano,
muitos cristãos ouviram líderes profetizarem que Trump venceria novamente a
eleição. Alguns, como Jeremiah Johnson, insistiram em afirmar que sua profecia
acabaria se revelando verdadeira. Outros, como Kris Vallotton, pediram
desculpas publicamente. Por ora, [pelo que parece] muitos decidirão que a
profecia foi contingente, mal calculada ou, mais provavelmente, errada.
Embora eu
não tenha apoiado Trump, sou alguém que deseja ver as profecias piedosas se
confirmarem, e posso entender a decepção.
Não sou
profeta, mas meus próprios sonhos já me causaram dúvidas. Por exemplo, em março
de 2016, oito meses antes da eleição, sonhei que Trump poderia ser como o Jeú
da Bíblia (2Rs 10.28–31) e precisava se arrepender. Em maio de 2016, sonhei que
Deus estava irado com os (futuros) maus tratos de Trump às crianças refugiadas.
Mais tarde, sonhei que suas palavras provocariam tumultos raciais. Após a
eleição de 2016, escrevi em meu diário: “Eu me pergunto por que, após ter tido
esses pesadelos com ele, muitos outros não estão vendo a mesma coisa”. No ano
seguinte, sonhei que estava alertando os apoiadores de Trump sobre uma reação
adversa: “Eles semeiam vento e colhem tempestade” (Os 8.7).
Não
consegui me livrar desses sonhos, embora muitas pessoas que respeito apoiassem
o presidente, e por motivos que eu compreendia. Às vezes, minha própria
perspectiva vacilou, já que sou pró-vida e aprecio o respeito do presidente
pelos evangélicos. Em agosto de 2020, sonhei que Trump perdeu a eleição desse
ano. Foi apenas um sonho. Tenho sonhos dos mais diversos e, mesmo quando alguns
parecem significativos, nem sempre tenho certeza de como interpretá-los. Alguns
são provavelmente influenciados por pesquisas noticiadas pela BBC, antes de eu
ir para a cama. Mas os sonhos ao menos me motivam a orar.
As
perspectivas são diferentes, e cada um de nós tem somente uma peça do
quebra-cabeça maior. De uma coisa podemos ter certeza: O Senhor continua no
controle da história, e podemos viver pautados em sua Palavra nas Escrituras,
que é certa, aconteça o que acontecer.
Se,
contrariando todas as probabilidades, Trump de repente se tornasse presidente,
as profecias chamariam a atenção do público para a obra de Deus. Caso
contrário, pode ser que, em vez disso, Deus esteja chamando a atenção para uma
necessária faxina em muitos círculos carismáticos. O encorajamento do Espírito
nem sempre se traduz nas palavras que queremos ouvir; “declarações proféticas”
podem nos entorpecer para o que Deus realmente está dizendo; e, dependendo do
que outros dizem que Deus disse, pode ser um negócio arriscado (veja 1Rs
13.11–32).
Como
cristão carismático, gosto de ver profecias se tornarem realidade. Mas
profecias precisam ser avaliadas. Sempre que possível, antes de irem a público.
E, quando necessário, depois.
Craig Keener é (F. M. e Ada Thompson) Professor de Estudos Bíblicos no
Asbury Theological Seminary. Ele é o autor de Christobiography: Memories, History, and the Reliability
of the Gospels, que ganhou em 2020 o prêmio do CT Book Award.
Fonte: https://www.christianitytoday.com/
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