O que está havendo nessa eleição no Brasil é algo horrível e que certamente vai haver consequências. Ataques, intimidações, ameaças, exclusões. Isso em igrejas. O voto é secreto é individual, e é livre pela nossa Constituição.
Está havendo nessa eleição o chamado "voto do silêncio" ou voto envergonhado". Porque as pessoas não podem nem mais manifestar e discutir no bom sentido, sua opção de voto. Não existe opção de voto para muitos, principalmente dentro das igrejas.
Se declarar voto em quem não é o que acham ou apoiam, a pessoa é criticada, é atacada, é por incrível que pareça - punida. Geralmente quem faz isso são os mesmos que dizem para votar no seu candidato para evitar a perseguição contra a igreja. Ela já existe e pior - está ocorrendo dela. Se alguém quer votar na direita ou esquerda ele é livre como cidadão para fazer sua escolha. Mas se uma pessoa quer votar em outra opção que não a indicada pelo líder religioso ou pela igreja ela é livre para isso. E não deve ficar dizendo que a pessoa não é cristã, não é salva, punir a pessoa na igreja, tirando cargos ou até forçando a pessoa pedir para sair.
O decálogo do voto evangélico publicado em 1994 pela AEVB - Associação Evangélica Brasileira, foi o mais perfeito guia de orientação do voto entre evangélicos nesse país. Naquele tempo ainda havia essa liberdade de dizer que o voto do pastor não era o voto de Deus, era o voto opcional dele, assim como o de cada membro da igreja.
Nas eleições de 1994, mantido o quadro da polarização entre evangélicos e a instrumentalização da religião na campanha eleitoral, a Conferência da AEVB aprovou o Decálogo do Voto Ético Cristão. Reproduzo aqui dado as circunstâncias que estamos vivendo:
I - O voto é intransferível e inegociável. Com ele o cristão expressa sua consciência como cidadão. Por isso, o voto precisa refletir a compreensão que o cristão tem de seu País, Estado e Município;
II. O cristão não deve violar a sua consciência política. Ele não deve negar sua maneira de ver a realidade social, mesmo que um líder da igreja tente conduzir o voto da comunidade noutra direção;
III. Os pastores e líderes têm obrigação de orientar os fiéis sobre como votar com ética e com discernimento. No entanto, a bem de sua credibilidade, o pastor evitará transformar o processo de elucidação política num projeto de manipulação e indução político-partidária;
IV. Os líderes evangélicos devem ser lúcidos e democráticos. Portanto, melhor do que indicar em quem a comunidade deve votar é organizar debates multipartidários, nos quais, simultânea ou alternadamente, representantes das correntes partidárias possam ser ouvidos sem preconceitos;
V. A diversidade social, econômica e ideológica que caracteriza a igreja evangélica no Brasil impõe que não sejam conduzidos processos de apoio a candidatos ou partidos dentro da igreja, sob pena de constranger os eleitores (o que é criminoso), e de dividir a comunidade;
VI. Nenhum cristão deve se sentir obrigado a votar em um candidato pelo simples fato de ele se confessar cristão evangélico. Antes disso, os evangélicos devem discernir se os candidatos ditos cristãos são pessoas lúcidas e comprometidos com as causas de justiça e da verdade. E mais: é fundamental que o candidato evangélico queira se eleger para propósitos maiores do que apenas defender os interesses imediatos de um grupo religioso ou de uma denominação evangélica. É óbvio que a igreja tem interesses que passam também pela dimensão político-institucional. Todavia, é mesquinho e pequeno demais pretender eleger alguém apenas para defender interesses restritos às causas temporais da igreja. Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um “despachante” de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja.
VII. Os fins não justificam os meios. Portanto, o eleitor cristão não deve jamais aceitar a desculpa de que um evangélico político votou de determinada maneira porque obteve a promessa de que, em assim fazendo, conseguiria alguns benefícios para a igreja, sejam rádios, concessões de TV, terrenos para templos, linhas de crédito bancário, propriedades, tratamento especial perante a lei ou outros “trocos”, ainda que menores. Conquanto todos assumamos que nos bastidores da política haja acordos e composições de interesse, não se pode, entretanto, admitir que tais “acertos” impliquem na prostituição da consciência cristã, mesmo que a “recompensa” seja, aparentemente, muito boa para a expansão da causa evangélica. Jesus Cristo não não aceitou ganhar os “reinos deste mundo” por quaisquer meios, Ele preferiu o caminho da cruz;
VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em não em função de “boatos” do tipo: “O candidato tal é ateu”; ou: “O fulano vai fechar as igrejas”; ou: “O sicrano não vai dar nada para os evangélicos”; ou ainda: “O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos”. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos:
IX. Sempre que um eleitor evangélico estiver diante de um impasse do tipo: “o candidato evangélico é ótimo, mas seu partido não é o que eu gosto”, é compreensível que dê um “voto de confiança” a esse irmão na fé, desde que ele tenha as qualificações para o cargo. Entretanto, é de bom alvitre considerar que ninguém atua sozinho, por melhor que seja o irmão, em questão, ele dificilmente transcenderá a agremiação política de que é membro, ou as forças políticas que o apoiem;
X. Nenhum eleitor evangélico deve se sentir culpado por ter opinião política diferente da de seu pastor ou líder espiritual. O pastor deve ser obedecido em tudo aquilo que ensina sobre a Palavra de Deus, de acordo com ela. No entanto, no âmbito político-partidário, a opinião do pastor deve ser ouvida apenas como a palavra de um cidadão, e não como uma profecia divina.
Quando lembro que nessa época (1994) grande parte das igrejas evangélicas haviam se filiado a AEVB, a liderança da AD, batistas, metodistas, presbiterianos, e tantas outras denominações. Ainda que não seguissem ao pé da letra o decálogo para o voto ético como a gente sabe, mas pelo menos só de terem concordado com a divulgação dele nas igrejas já era um alento de liberdade, democracia e bom senso, infelizmente estamos vendo o contrário nos dias atuais.
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