"Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo". I Cor. 11:3. A palavra da moda hoje é, intimidade. Todos querem ser íntimos de Deus, do cônjuge, da namorada ou do amigo. Os programas de televisão e de rádio de maior audiência são aqueles que exploram a intimidade dos outros. As revistas de maior vendagem são aquelas que fofocam e comentam a intimidade de pessoas famosas. É comum ouvir nas ruas comentários sobre a vida íntima das celebridades, sobre suas casas, plásticas e relacionamentos, como se fossem velhas conhecidas. O sucesso do Big Brother está exatamente em expor a intimidade dos outros. Casais expõem-se na televisão. Todos querem mostrar o que são e o que pensam. Querem mostrar o corpo e a alma. Vivemos a era de Narciso.
Nas igrejas não é diferente. Boa parte das músicas que cantamos buscam promover uma adoração mais individual. É preciso “sentir” a presença de Deus, repetir estrofes até que provoquem algum tipo de êxtase. Nas orações predominam os pronomes da primeira pessoa: meu, para mim. Certa vez ouvi alguém dizer que quando louva a Deus é como se estivesse “dançando com o rosto coladinho em Jesus”.
Tenho me preocupado com o modelo de espiritualidade intimista que vem sendo proposto, que, de certa forma, é uma versão religiosa do individualismo narcisista da cultura pós-moderna, uma versão religiosa do “ficar”. Ela só existe naquele momento, com aquelas sensações. É um modelo de intimidade e espiritualidade que não contempla a riqueza dinâmica da vida da fé. Seguir a Cristo no caminho do discipulado nos envolve numa espiritualidade cuja intimidade se dá num processo dinâmico de relacionamento, em que a confissão “Aba-Pai” acontece ao lado da confissão “Kyrios-Cristo”. Ambas dão o equilíbrio necessário a uma espiritualidade que é integral e pessoal, pública e privada, missionária e contemplativa.
A intimidade que Cristo nos propõe acontece num caminho e envolve todas as estações da vida. Ele nos chama para orar, mas também para lavar os pés uns dos outros. Ele nos chama para viver numa comunhão amorosa e segura com o Pai, mas também para confrontar os poderes que aprisionam e oprimem o ser humano. Ele nos chama para o silêncio e solitude, mas também para a proclamação profética e libertadora. É uma espiritualidade que precisa estar presente na economia e na política, na igreja e no quarto. O intimismo intoxica, a intimidade liberta. O intimismo é narcisista e exclusivista, a intimidade é pessoal e comunitária. A imitação de Cristo é o caminho mais seguro para uma intimidade libertadora.
Talvez a maior crise do cristianismo ocidental contemporâneo seja a crise da integridade, a incapacidade de integrar aquilo que cremos com a realidade e a forma como vivemos. Parece que existe entre nós uma falsa premissa de que, se temos uma boa música, temos uma boa adoração; se temos uma boa doutrina, temos uma boa espiritualidade; se temos um bom programa eclesiástico, temos uma missão, e por aí vai. Porém uma coisa não implica necessariamente a outra.
Essa presunção tem nos levado a criar uma brutal distância entre o que afirmamos crer e a integração de nossas crenças à realidade; conscientemente ou não, temos dado à mera aparência uma forma de realidade. Muitos pensam que ser cristão é ter a doutrina certa, cantar as boas e animadas músicas nos cultos, de preferência com os olhos fechados e as mãos levantadas, e ter algum grau de compromisso e envolvimento com as atividades da igreja. Embora nada disso seja necessariamente errado, o chamado de Cristo é para que sejamos seus discípulos, seus seguidores, ou, como o apóstolo Paulo prefere, seus imitadores. E não é isso que acontece entre nós. Somos crentes, cremos nas doutrinas certas, cantamos nos cultos, participamos dos programas da igreja, mas não somos imitadores de Cristo. É raro encontrar entre nós verdadeiros discípulos de Cristo, que seguem seu caminho e são comprometidos em fazer outros seguidores de Cristo.
Se cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus, deveríamos deixar que ela, além de revelar as doutrinas certas, molde nossa cosmovisão, a forma como vemos e interpretamos a realidade. Mas não é isso que acontece. Não tem sido a Bíblia, mas a mídia e a cultura em geral que têm moldado nossa leitura da realidade. Se cremos que Jesus é o Filho de Deus encarnado, nossa humanidade deveria refletir a verdadeira humanidade de Cristo com sua compaixão, misericórdia, bondade e amor. Mas também não é isso que vemos entre nós. Se somos verdadeiros adoradores, deveríamos, além de cantar inspirados no domingo, também viver para agradar a Cristo e em obediência a ele durante toda a semana. Mas nem sempre é isso que acontece. Se cremos na ressurreição e na vida eterna, certamente seríamos menos materialistas e consumistas, menos apegados às coisas deste mundo, ansiando mais o reino de Deus do que o sucesso e a estabilidade neste mundo. Mas não é isso que vemos. Existe uma forte discrepância entre o que afirmamos crer e a forma como vivemos; não há uma integridade entre o conteúdo e a forma, entre a fé e a realidade.
Precisamos voltar a considerar o chamado de Cristo para segui-lo. É claro que crer nas doutrinas certas é fundamental, mas é igualmente fundamental que elas sejam integradas à realidade de nossas vidas e igrejas. Certa vez Jesus advertiu seus discípulos dizendo: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus”. Minha impressão é que alguns conhecem as Escrituras, mas não conhecem o poder de Deus; e outros conhecem o poder de Deus, mas não conhecem as Escrituras. Conhecer as Escrituras e o poder de Deus é integrar as verdades bíblicas e a vida de forma que o testemunho de Cristo seja poderosamente afirmado nos atos de misericórdia, compaixão, serviço e proclamação.
Precisamos buscar uma espiritualidade que encontre nos evangelhos, na pessoa de Cristo e na presença do reino de Deus sua forma e seu conteúdo. O convite corajoso e sincero de Paulo — “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo” — é um testemunho poderoso de uma vida e ministério integrados com a vida e o ministério de Cristo. Para Paulo, precisamos da sã doutrina para nos tornar sábios para a salvação, e não para simplesmente ter o discurso correto. Nosso chamado é para sermos seguidores, imitadores de Cristo, e não apenas ter convicções corretas sobre ele. O descrédito que o cristianismo vem sofrendo nos últimos anos tem a ver com a falta de integridade no meio cristão, com a necessidade de uma espiritualidade evangélica, encarnada, vivida no poder do Espírito Santo, que revele nas palavras e nos atos o testemunho de Cristo.
Majestosa e altivamente submissa
ResponderExcluirUma árvore curva-se à lagoa
Encontrei um arco-íris perdido na terra
Este canto não pára até que a alma doa
Convido-te a olhar os sentires que emanam do altar do Sol
Boa semana
Abraço
Caro Profeta,
ResponderExcluirDostoiévski disse certa vez:
"Não procures um prêmio, pois tens uma grande recompensa sobre a terra: a alegria espiritual que só o justo possui."
Obrigado pela visita.
Irmão, seu texto é muito bacana. Intimidade e integridade visto sob a ótica bíblica. Gostei de conhecer o seu blog, voltarei com mais tempo para ler as demais postagens.
ResponderExcluirPaz sobre você,
João Cláudio Rodrigues.
JUber,
ResponderExcluirfico emocionada ao ver como Deus te usa pra falar comigo !! aliás, estou a divulgá-lo para alguns amigos, pois sei que Deus tb falará com eles..
super abraço, em Cristo
João Cláudio,
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo comentário tão amável. Não consigo analisar, sem submeter a ótica bíblica.
Graça e Paz.
Alice,
ResponderExcluirFico grato a Deus, por ter me usado para falar com você, pois tudo é pela Graça Dele. O meu próximo texto será sobre aquele assunto do desabafo. Vou ampliá-lo aqui no blog, pois tenho notado que é a dor de muitos. Se quiser falar com seus amigos, desde já agradeço a gentileza.
Nele, que nos chama a esquecer as coisas que para trás ficam e correr para carreira que nos está proposta.
Juber
Juber,
ResponderExcluirJá estamos aqui em Ubatuba, todos esperando por tuas palavras..
abraços !!
Alice,
ResponderExcluirÉ uma honra saber disso, ao mesmo tempo, que dá um certo peso de responsabilidade. Sempre tive temor em falar a Palavra de Deus. Fico imaginando como certas pessoas tem a "cara de pau" de profetizar da carnona e dizer que Deus está mandanto ele/ela falar. Eu havia pensado em lançar a primeira série de estudos deste blog, no final de semana, que teria como tema, "Decepcionados com Igreja". Mas, vou antecipar a postagem para hoje.
Nele, que não nos decepciona.
Graça e Paz!
ResponderExcluirEis um bom exemplo sobre a proposta "radical"...
Obrigado por compartilhar essa preciosa reflexão, inclusive relendo a fala paulina sobre "imitação", distorcida por algumas leituras desatentas...
Um abraço fraterno, Juber!
Deus te abençoe.
Elias Aguiar
Elias,
ResponderExcluirObrigado pelo carinho. Eu fico pensando de que se Paulo vivesse nos nossos dias teria seu ensino considerado bem "radical" para alguns. Já pensou se ele visse as loucuras que acontecem no meio evangélico hoje? Por muito menos ele escreveu as cartas aos Gálatas e aos Coríntios. Que Deus nos ajude.
Abraço,
Juber