Ontem, enquanto estudava a Bíblia a fim de preparar uma pregação à noite na igreja para o dias dos pais, comecei a pensar: Que
diferença Jesus faz para nossos sentimentos de decepção? Como nos
ajuda o saber que ele também experimentou frustração e decepção?
Os
teólogos, acompanhando o apóstolo Paulo, geralmente explicam a contribuição de
Cristo em linguagem jurídica: justificação, reconciliação, propiciação. Mas
essas palavras caracterizam somente uma pequena parte do que aconteceu. Para
compreender que diferença Jesus faz para o problema da decepção, temos de ir
além dessas palavras e examinar a história subjacente de Deus sair ardentemente
em busca de seres humanos.
Reexamine
as duas principais imagens nos Profetas: um pai ansioso lamentando pelo filho
que fugiu, e um amante abandonado ardendo de raiva. As histórias de Jesus
propiciam um final feliz para ambas. O pai à espera tem aguardado por muito
tempo; ele recebe de volta, com braços abertos, o filho fugitivo. O amante
ferido, recuperado de sua ira, escancara a porta da frente.
A
Cortina Rasgada
Que
diferença Jesus fez? Tanto para Deus como para nós, ele tornou possível uma intimidade
que nunca antes havia existido. No Antigo Testamento, os
israelitas que tocaram a arca sagrada da aliança caíram mortos; mas pessoas que
tocaram em Jesus, o Filho de Deus em carne e osso, saíram curadas. A judeus que
não pronunciavam nem mesmo soletravam as letras do nome de Deus, Jesus ensinou
uma nova maneira de dirigir-se a Deus: Abba, ou
"papai". Em Jesus Deus se aproximou do homem.
As
Confissões de Agostinho descrevem como essa
proximidade o afetou. Na filosofia grega ele havia aprendido acerca de um Deus
perfeito, atemporal, incorruptível. Ele jamais conseguiu aquilatar como uma
pessoa cheia de cobiça, obcecada por sexo, indisciplinada, tal como era o seu
caso, podia se relacionar com um Deus assim. Tentou várias heresias da época e
achou todas elas insatisfatórias, até que finalmente encontrou o Jesus dos
evangelhos, uma ponte entre seres humanos comuns e um Deus perfeito.
O
livro de Hebreus examina em detalhes esse surpreendente novo avanço na questão
da intimidade. Primeiramente o autor trata detalhadamente do que era necessário
apenas para chegar até Deus na época do Antigo Testamento. Só uma vez por ano,
no Dia da Expiação — o Yom Kippur —
uma única pessoa, o sumo sacerdote, podia entrar no Lugar Santíssimo. A
cerimônia envolvia banhos rituais, vestes especiais e cinco sacrifícios de
animais; e ainda assim o sacerdote entrava no Lugar Santíssimo temeroso. Ele
usava sinos em seu manto e uma corda em volta do tornozelo, de modo que, caso
morresse, e os sinos parassem de tocar, outros sacerdotes poderiam puxar seu
corpo para fora.
Hebreus
apresenta um contraste marcante: agora podemos nos aproximar do "trono da
graça'' sem receio, com intrepidez, "confiadamente". Avançar com intrepidez
até o Lugar Santíssimo — nenhuma imagem podia ser mais chocante para os
leitores judeus. Contudo, no momento da morte de Jesus, uma grossa cortina
dentro do templo literalmente se rasgou em duas, de alto a baixo, deixando aberto
o Lugar Santíssimo. Portanto, conclui Hebreus, devemos nos aproximar de Deus.
Jesus
contribui com isto para o problema da decepção com Deus: por causa dele,
podemos ir diretamente a Deus. Não necessitamos mediador humano, pois o próprio
Deus se tornou mediador.
Um
Rosto
Ninguém
no Antigo Testamento podia dizer que conhecia o rosto de Deus. Na verdade,
ninguém podia sobreviver a um olhar direto. Os poucos que tiveram um vislumbre
da glória de Deus retornaram brilhando, e todos os que os viam escondiam-se de
medo. Mas Jesus ofereceu uma longa e demorada olhada no rosto de Deus.
"Quem me vê a mim, vê o Pai", disse Jesus. Tudo o que Jesus é, Deus
é. Como Michael Ramsey se expressou, "Em Deus absolutamente nada é diferente
de Cristo."
As
pessoas crescem tendo toda espécie de idéias de como Deus é. Vêem Deus como um
inimigo, ou um policial, ou até como um pai que maltrata. Ou talvez não façam
concepção alguma de Deus; apenas ouvem seu silêncio. Devido a Jesus,
entretanto, já não precisamos tentar imaginar como Deus se sente ou como ele é.
Quando em dúvida, podemos olhar para Jesus para corrigir nossa visão
obscurecida.
Se
eu tento imaginar como Deus encara pessoas deformadas ou deficientes, posso
observar Jesus entre aleijados, cegos e leprosos. Se eu tento imaginar em relação
aos pobres e se Deus predestinou-os a viverem na miséria, posso ler as palavras
de Jesus no Sermão do Monte. E, se eu tentar imaginar em relação à reação
"espiritual" apropriada diante da dor e do sofrimento, posso observar
como Jesus reagiu aos que ele próprio experimentou: com temor e tremor, com
gritos e lágrimas.
Ainda
Não
Não
pude deixar de observar uma abrupta mudança de atitude na Bíblia, na altura do
livro de Atos. Se você pesquisar o restante do Novo Testamento, nada encontrará
da indignação de Jó nem do desespero de Eclesiastes, nem da angústia de
Lamentações. Os escritores do Novo Testamento estavam claramente convencidos de
que Jesus havia transformado o universo para sempre. Em fragmentos de frases,
espalhados pela página, o apóstolo Paulo não poupou superlativos: "Nele
tudo subsiste... por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as cousas,
quer sobre a terra, quer nos céus... fazendo-o sentar... acima de todo principado,
e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no
presente século, mas também no vindouro."
Entretanto,
enquanto Paulo escrevia essas exatas palavras, o império romano estava-se
alastrando com sua incansável sucessão de guerras e tiranos; as pessoas de
todos os lugares ainda estavam mentindo, roubando e matando umas às outras; as
enfermidades continuavam a se espalhar; e os próprios cristãos estavam sendo
lacerados com açoites e atirados à prisão. Tais motivos corriqueiros para a
dúvida e a decepção não pareciam perturbar Paulo ou os escritores do Novo
Testamento. Os apóstolos estavam confiantes de que Jesus voltaria tal qual
prometera, com poder e glória. Era só uma questão de tempo.
Referências bíblicas:
Hebreus 4, 10; João 14; Colossenses 1; Efésios 1.
Observação: Essa mensagem é uma continuação de outras duas postagens que fiz aqui no blog alguns meses atrás, que você pode conferir abaixo:
*As tragédias humanas e os profetas:
*As tragédias humanas e os profetas - parte 02:
Nenhum comentário:
Postar um comentário