segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Aprendendo a chamar Deus de Pai em meio às decepções da vida

Ontem, enquanto estudava a Bíblia a fim de preparar uma pregação à noite na igreja para o dias dos pais, comecei a pensar: Que diferença Jesus faz para nossos sentimentos de decepção? Como nos ajuda o saber que ele também experimentou frustração e decepção?
Os teólogos, acompanhando o apóstolo Paulo, geralmente explicam a contribuição de Cristo em linguagem jurídica: justificação, reconciliação, propiciação. Mas essas palavras caracterizam somente uma pequena parte do que aconteceu. Para compreender que diferença Jesus faz para o problema da decepção, temos de ir além dessas palavras e examinar a história subjacente de Deus sair ardentemente em busca de seres humanos.

Reexamine as duas principais imagens nos Profetas: um pai ansioso lamentando pelo filho que fugiu, e um amante abandonado ardendo de raiva. As histórias de Jesus propiciam um final feliz para ambas. O pai à espera tem aguardado por muito tempo; ele recebe de volta, com braços abertos, o filho fugitivo. O amante ferido, recuperado de sua ira, escancara a porta da frente.

A Cortina Rasgada
Que diferença Jesus fez? Tanto para Deus como para nós, ele tornou possível uma intimidade que nunca antes havia existido. No Antigo Testamento, os israelitas que tocaram a arca sagrada da aliança caíram mortos; mas pessoas que tocaram em Jesus, o Filho de Deus em carne e osso, saíram curadas. A judeus que não pronunciavam nem mesmo soletravam as letras do nome de Deus, Jesus ensinou uma nova maneira de dirigir-se a Deus: Abba, ou "papai". Em Jesus Deus se aproximou do homem.

As Confissões de Agostinho descrevem como essa proximidade o afetou. Na filosofia grega ele havia aprendido acerca de um Deus perfeito, atemporal, incorruptível. Ele jamais conseguiu aquilatar como uma pessoa cheia de cobiça, obcecada por sexo, indisciplinada, tal como era o seu caso, podia se relacionar com um Deus assim. Tentou várias heresias da época e achou todas elas insatisfatórias, até que finalmente encontrou o Jesus dos evangelhos, uma ponte entre seres humanos comuns e um Deus perfeito.

O livro de Hebreus examina em detalhes esse surpreendente novo avanço na questão da intimidade. Primeiramente o autor trata detalhadamente do que era necessário apenas para chegar até Deus na época do Antigo Testamento. Só uma vez por ano, no Dia da Expiação — o Yom Kippur — uma única pessoa, o sumo sacerdote, podia entrar no Lugar Santíssimo. A cerimônia envolvia banhos rituais, vestes especiais e cinco sacrifícios de animais; e ainda assim o sacerdote entrava no Lugar Santíssimo temeroso. Ele usava sinos em seu manto e uma corda em volta do tornozelo, de modo que, caso morresse, e os sinos parassem de tocar, outros sacerdotes poderiam puxar seu corpo para fora. 

Hebreus apresenta um contraste marcante: agora podemos nos aproximar do "trono da graça'' sem receio, com intrepidez, "confiadamente". Avançar com intrepidez até o Lugar Santíssimo — nenhuma imagem podia ser mais chocante para os leitores judeus. Contudo, no momento da morte de Jesus, uma grossa cortina dentro do templo literalmente se rasgou em duas, de alto a baixo, deixando aberto o Lugar Santíssimo. Portanto, conclui Hebreus, devemos nos aproximar de Deus.

Jesus contribui com isto para o problema da decepção com Deus: por causa dele, podemos ir diretamente a Deus. Não necessitamos mediador humano, pois o próprio Deus se tornou mediador.

Um Rosto
Ninguém no Antigo Testamento podia dizer que conhecia o rosto de Deus. Na verdade, ninguém podia sobreviver a um olhar direto. Os poucos que tiveram um vislumbre da glória de Deus retornaram brilhando, e todos os que os viam escondiam-se de medo. Mas Jesus ofereceu uma longa e demorada olhada no rosto de Deus. "Quem me vê a mim, vê o Pai", disse Jesus. Tudo o que Jesus é, Deus é. Como Michael Ramsey se expressou, "Em Deus absolutamente nada é diferente de Cristo."

As pessoas crescem tendo toda espécie de idéias de como Deus é. Vêem Deus como um inimigo, ou um policial, ou até como um pai que maltrata. Ou talvez não façam concepção alguma de Deus; apenas ouvem seu silêncio. Devido a Jesus, entretanto, já não precisamos tentar imaginar como Deus se sente ou como ele é. Quando em dúvida, podemos olhar para Jesus para corrigir nossa visão obscurecida.

Se eu tento imaginar como Deus encara pessoas deformadas ou deficientes, posso observar Jesus entre aleijados, cegos e leprosos. Se eu tento imaginar em relação aos pobres e se Deus predestinou-os a viverem na miséria, posso ler as palavras de Jesus no Sermão do Monte. E, se eu tentar imaginar em relação à reação "espiritual" apropriada diante da dor e do sofrimento, posso observar como Jesus reagiu aos que ele próprio experimentou: com temor e tremor, com gritos e lágrimas.

Ainda Não
Não pude deixar de observar uma abrupta mudança de atitude na Bíblia, na altura do livro de Atos. Se você pesquisar o restante do Novo Testamento, nada encontrará da indignação de Jó nem do desespero de Eclesiastes, nem da angústia de Lamentações. Os escritores do Novo Testamento estavam claramente convencidos de que Jesus havia transformado o universo para sempre. Em fragmentos de frases, espalhados pela página, o apóstolo Paulo não poupou superlativos: "Nele tudo subsiste... por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus... fazendo-o sentar... acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro."

Entretanto, enquanto Paulo escrevia essas exatas palavras, o império romano estava-se alastrando com sua incansável sucessão de guerras e tiranos; as pessoas de todos os lugares ainda estavam mentindo, roubando e matando umas às outras; as enfermidades continuavam a se espalhar; e os próprios cristãos estavam sendo lacerados com açoites e atirados à prisão. Tais motivos corriqueiros para a dúvida e a decepção não pareciam perturbar Paulo ou os escritores do Novo Testamento. Os apóstolos estavam confiantes de que Jesus voltaria tal qual prometera, com poder e glória. Era só uma questão de tempo.

Referências bíblicas: Hebreus 4, 10; João 14; Colossenses 1; Efésios 1.
 
Observação: Essa mensagem é uma continuação de outras duas postagens que fiz aqui no blog alguns meses atrás, que você pode conferir abaixo:
 
*As tragédias humanas e os profetas:
*As tragédias humanas e os profetas - parte 02:
 

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