Clint Eastwood produziu – e dirigiu – alguns filmes densos. Os que lidam com o abuso de crianças, especialmente, são inquietantes. Gostei da trama de A Troca - “Changeling”. O filme é baseado em fatos reais. Um garoto desapareceu enquanto a mãe, divorciada, trabalhava algumas horas extras em um dia de sábado. Para reencontrar o filho, Christine – Angelina Jolie – enfrenta sozinha a corrupta máquina policial de Los Angeles; ainda por cima tem de manter o emprego. Sua angústia contagia. A estrutura perversa de um departamento de polícia carcomido por politicagem parece monumental, intransponível.
O pastor presbiteriano, Gustav Briegleb – John Malkovich -, que já se vinha se manifestando contra a violência policial, une-se a Christine. A militância do reverendo Briegleb encanta por sua ética. Ao longo do filme, o pastor é destemido e persistente. A causa de mulher e do seu filho se tornam sua causa. Obviamente, no melhor estilo de Hollywood, o homem ajudar a recuperar o menino e a desmontar a farsa que dominava o gabinete do xerife. Quando apareceu o “The End”, e projetaram as explicações sobre os desdobramentos da cooperação entre o pastor e a mãe, falei quase em voz alta: Quando crescer, quero ser igual a esse pastor. A atuação do reverendo Briegleb havia desencadeado mudanças profundas nas leis da cidade – sua obstinação ainda salvaria pessoas que nem tinham nascido.
Ser pastor – católico romano ou protestante – tornou-se complicado. O clero, principalmente o associado ao movimento evangélico, passou a ser descrito como oportunista, incitador de ódio e aproveitador da ignorância popular. A generalização atinge muita gente que não tem nada a ver com os mega negócios que movimentam o neopentecostalismo. Não me vejo alvo da guerrilha verbal que os próprios neopentecostais começaram. Não quero precisar mostrar, o tempo todo, que nem todo os pastores merecem a vala comum dos patifes. A credibilidade de outros sofre com a mesma suspeita, e isso é ruim.
Nem todo o clero desempenha o papel de baby-sitter de crentes ávidos por uma “mãozinha” celestial. Ser ministro do evangelho não significa que alguém aceitou a função de carimbador de vistos para o céu. A quem não sabe, informo: é possível encontrar cristãos em movimentos populares. Conheço gente que marcha, não nos carnavais fora de época que se pretendem por Jesus, mas reivindicando reforma agrária. Há bons crentes – católicos e protestantes – enfronhados em militância social. Admito que muitos pastores – com certeza ocupados em azeitar a máquina religiosa – nunca abraçarão causas sociais. Fome e sede de justiça não dão fama e poucos vão dar a cara a bater na defesa de pessoas discriminadas e marginalizadas.
O momento vem sendo tomado por pastores famosos, especialistas em questiúnculas sobre doutrina, dogma. Eles se alastram e ganham espaço devido ao empenho de legislarem sobre moralismos e por suscitarem ódio e intolerância. O resultado trágico é que o testemunho cristão virou piada, deboche, escárnio.
Acredito que esse grupo conservador – poderosíssimo – tende a recrudescer em sua obstinação dogmática e obscurantista. Ele continuará a repetir fórmulas desgastadas, propagando que a fé cristã é única em resgatar as pessoas do inferno medieval e de garantir um céu de delícias. Como cristão proponho um caminho diverso. O tempo, os recursos financeiros e a mobilização de tanta gente crente não podem ser desperdiçados. É necessário que progressistas se manifestem e afirmem que a função da igreja consiste em resgatar a vida, protegendo os indefesos, seja na opressão do mercado, no preconceito de gênero e até na frieza eclesiástica. Espero que chegamos ao fundo do poço logo. E daí, mais evangélicos comecem a repensar suas premissas teológicas fundamentalistas. O ônus de mostrar relevância está com a igreja. Talvez o atual desgaste não sufoque, mas ajude a termos mais ícones como Martin Luther King e Dorothy Stang.
Como pastor pentecostal, procuro o caminho estreito. Desde sempre denunciei que a teologia da prosperidade não é desvio da mensagem de Jesus mas uma perversidade teológica. Em nome de uma divindade “que funciona” líderes ficaram ricos – alguns milionários e pelo menos um, bilionário. Jamais calei diante da instrumentalização do que considero cristão para fins políticos. Parei de aceitar o avivamento de uma agenda pretensamente conservadora, mas que é em sua essência, demagógico e hipócrita.
Como cuidei basicamente de igrejas urbanas, também preciso fazer um mea culpa. Confesso: perdi tempo com a máquina eclesiástica. Me deixei absorver por programações irrelevantes devido à vaidade de falar em determinadas conferências. Em nome da verdade, defendi teologias desconexas da existência. Fiz promessas irreais sem levar em conta a aspereza da história. Discuti ideias estéreis. Corri em busca de uma glória diminuta. Entreguei-me de corpo e alma à oração, fiz vigílias, jejuei. Ralei os joelhos em busca de uma espiritualidade eficiente. Acreditei que a maturidade humana aconteceria pelo caminho do pieguismo. (Ledo engano; foram meus companheiros de oração que se levantaram contra mim). Conto os anos e constato que o meu futuro ficou mais curto que o meu passado. Indago a mim mesmo: Qual a pertinência do meu esforço? O meu legado terá fôlego? Se só agora noto que o tempo é uma riqueza não renovável, me resta lamentar.
Com o achincalhe que vários líderes religiosos passam, aconselho aos pastores que abram mão de egolatrias tolas. O fascínio por títulos, riqueza, ostentação e poder político terão consequências ruins sobre vocês mesmos. Não é apenas tolice brincar de importante em nome de Deus mas, trágico. O caminho estreito continua possível. Por mais que pareça incrível, alguns já optaram por ele. Basta assistir mais uma vez ao filme do Clint Eastwood e ler a biografia de Francisco de Assis.
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