quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Os pentecostais estão descobrindo o calvinismo



Um grande número de jovens pentecostais está descobrindo o calvinismo. Eles estão fascinados com as pregações de John Piper e Paul Washer; estão devorando livros de Spurgeon e Jonathan Edwards; estão participando de seminários, cursos e palestras sobre teologia reformada. Essa é uma tendência significativa que já tem chamado a atenção de estudiosos do pentecostalismo, de pastores e líderes, de professores de Teologia. Há muita empolgação, mas também muita desconfiança. Estaríamos presenciando uma nova onda no movimento pentecostal brasileiro: a onda calvinista?

A distância entre a geração dos primórdios da Assembleia de Deus no Brasil, maior denominação pentecostal verde-e-amarela, e a geração que compõem esse segmento evangélico nos dias atuais é oceânica. Os desbravadores assembleianos encontraram aqui um solo fértil para a plantação de suas igrejas, especialmente entre as populações mais carentes e de baixa escolarização das periferias urbanas e dos rincões do país. A pregação da cura divina, a simplicidade litúrgica, a desburocratização organizacional, o papel central dos leigos na evangelização, o lugar especial dado ao pobre (durante a semana é apenas mais um funcionário subalterno da indústria, vestindo seu uniforme pesado e sujo, mas aos domingos é um pastor, tem direito a sentar-se em lugar de destaque e usar da palavra) são aspectos que ajudaram a determinar o crescimento impressionante alcançado por essa denominação. 

No entanto, muitos filhos e netos dessa vanguarda assembleiana, cresceram em uma realidade totalmente distinta, marcada por: um maior acesso à informação, à escolarização e às universidades; uma tendência forte ao questionamento mais contundente das tradições e costumes sem sentido; um interesse em conhecer as raízes históricas do cristianismo e dialogar com diferentes tradições teológicas dentro da cristandade; uma busca mais apaixonada por Teologia (que foi tão combatida pelos pentecostais da reserva). Além disso, uma evolução no perfil social da denominação foi acontecendo aos poucos: a aceitação crescente do pentecostalismo entre a classe média (ser pentecostal já não é coisa mais de pobre, negro e analfabeto apenas).

Hoje, não são poucos os pentecostais que já não aceitam mais uma postura antiintelectual, arbitrária, ingênua e fechada que caracterizou seus antepassados. O teólogo batista Luiz Sayão disse, em uma de suas palestras, que quando vai ministrar em conferências, congressos e seminários pentecostais vende muito mais de seus livros do que em eventos similares organizados por denominações históricas. 

Creio que isso seja positivo. Uma grande onda jovem pentecostal está consumindo boa literatura, está lendo diferentes pensadores cristãos sem medos, censuras e preconceitos, está aberta ao conhecimento e ao debate de ideias, está "desatanizando" João Calvino. E mais: está cansada da teologia da prosperidade, está enojada das pregações de pura gritaria e socos no ar, está saturada das canções antropocêntricas, está inquieta com a domesticação de Deus, está irritada com a mercantilização do sagrado e a comercialização da fé, está de "saco cheio" com líderes caudilhescos que não são pastores, mas dominadores da consciência do rebanho, está insatisfeita com esse papo interminável de usos e costumes sendo ensinados como "doutrinas centrais" da fé...

Não afirmo, com esse texto, que o calvinismo deva ser abraçado pelos jovens pentecostais como forma de se colocarem como cristãos evoluídos, inteligentes, de um status superior. Não. O que quero mostrar é que, o fato de muitos adeptos do pentecostalismo se interessarem pela teologia história reformada, pelo diálogo com as diferentes abordagens teológicas, pelo conhecimento bíblico profundo e por uma espiritualidade equilibrada, é sinal de avanço.

Não é preciso medo, nem repressão, alguns debates importantes estão surgindo e se ampliarão. É interessante, agora, aguardar a resposta das imperiosas instituições pentecostais do país. Como reagirão a esse processo? Criarão uma espécie de Contra-Reforma, um combate aos hereges calvinistas, um Index Proibitorium? Ou aproveitarão o momento para repensarem algumas posturas e ideias?

Alguns andam dizendo que os grupos pentecostais já não têm nada mais a contribuir com evangelicismo brasileiro. Penso diferente. É um tempo privilegiado de amadurecimento. O tempo de crescimento quantitativo já acabou. Os pentecostais precisam é aprimorar suas estruturas internas, investir na formação de lideranças bíblica e teologicamente capacitadas, abandonar velhas roupagens descontextualizadas, adequar a linguagem e a pregação aos desafios do nosso tempo, limitar o espaço para a introdução das bizarrices espiritualistas, enfatizar uma espiritualidade bíblica.

Esse processo é saudável. Porque o que me parece que se deseja não é um ataque demolidor das religiosidades pentecostais. Pelo menos, até os limites daquilo que tenho visto e ouvido, quando um pentecostal se interessa pela fé protestante reformada, ele não está querendo dizer apenas que se opõem ao pentecostalismo. Pode sim ter um viés de insatisfação com a mediocridade teológica e espiritual que se percebe em alguns segmentos. Mas não somente isso. Há, sobretudo, a fome de radicalidade, no sentido de "radix", voltar à raiz, conhecer e experienciar a fé cristã com mais profundidade nas Escrituras e na rica tradição teológica e doutrinária da Reforma Protestante.


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