sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

As tragédias humanas e os profetas

Podemos algumas vezes ter lido erroneamente os profetas do Antigo Testamento, vendo-os como velhinhos chatos, dedo em riste. Porém para nossa surpresa, podemos descobrir que os escritos dos antigos profetas soam, na realidade, como a mais "moderna" dentre todas as partes da Bíblia. Tratam dos mesmíssimos temas que pairam como uma nuvem sobre nosso século: o silêncio de Deus, a aparente soberania do mal, o sofrimento constante do mundo.

As indagações dos profetas são, na realidade, as indagações deste livro: a injustiça, o   silêncio, o escondimento de Deus. Mais passionalmente do que qualquer outra pessoa na história, os profetas de Israel deram vazão aos sentimentos de decepção com Deus. Por que nações pagas prosperam? indagaram. Por que há um número tão grande de calamidades provocadas pela natureza? Por que há tanta pobreza e depravação no mundo? Por que tão poucos milagres? Onde estás, Deus? Por que não nos falas como costumavas fazer? Revela-te; rompe teu silêncio. Pelo amor de Deus, literalmente, faça aluma coisa! "Por que nos rejeitarias totalmente? Por que te enfurecerias sobremaneira contra nós outros?"

Isaías, um aristocrata e conselheiro de reis, falava: "Verdadeiramente tu és Deus misterioso", disse Isaías. "Oh! se fendesses os céus, e descesses! se os montes tremessem na tua presença!"

Jeremias em voz alta e solene declarou o fracasso da "teologia do sucesso". Em sua época os profetas estavam sendo lançados em calabouços e poços, e até mesmo serrados ao meio. Jeremias comparou Deus a um homem frágil, "surpreendido", um "valente que não pode salvar". Voltaire, o filósofo francês expressa a sua crítica: Como um Deus todo-poderoso e todo-amoroso pode permitir um mundo tão anarquizado?

Habacuque desafiou Deus a explicar por que, em suas próprias palavras, "a justiça nunca se manifesta".
Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás?
Por que me mostras a iniqüidade, e me fazes ver a opressão?

Como todos os israelitas, os profetas tinham sido criados ouvindo histórias de vitórias. Quando crianças, aprenderam como Deus libertara seu povo da escravidão, descera para habitar entre eles e conduzira-os à Terra Prometida. Mas agora, em visões do futuro, viam, detalhadamente como em câmara lenta, todas aquelas vitórias se desfazendo. Numa inversão total da cena inesquecível dos dias de Salomão, o profeta Ezequiel observou a glória de Deus surgir, pairar por um instante sobre o templo e então desaparecer.

O que Ezequiel viu somente numa visão, Jeremias viu numa dura realidade. Soldados babilônios entraram no templo — pagãos no Lugar Santíssimo! — saquearam-no e o queimaram até virar cinzas. (Os historiadores registram que, à medida que os soldados entravam no templo, cortavam o ar vazio com suas lanças, em busca do invisível Deus judeu.) Jeremias perambulou pelas ruas desertas de Jerusalém em estado de choque, como um sobrevivente de Hiroshima vagueando pelos escombros. O rei de Israel estava agora algemado e cegado; os príncipes da nação, mortos. No cerco final, mulheres de boa formação que moravam em Jerusalém tinham cozido e comido seus próprios filhos.

Como é que era ser um profeta naquela época? Jeremias nos conta:
Estou quebrantado pela ferida da filha do meu povo; estou de luto; o espanto se apoderou de mim....Oxalá a minha cabeça se tornasse em águas, e os meus olhos em fonte de lágrimas! Então choraria de dia e de noite os mortos da filha do meu povo....O meu coração está quebrantado dentro em mim; todos os meus ossos estremecem; sou como homem embriagado, e como homem vencido do vinho.

Entretanto, o aspecto mais surpreendente dos profetas não é sua aparência "moderna" ou seu pungente clamor de decepção. A razão por que esses dezessete livros merecem um exame cuidadoso é que incluem as próprias respostas de Deus às estimulantes indagações dos profetas.

Referências bíblicas: 1 Reis 17-19, 22; Lamentações 5; Isaías 45, 64; Jeremias 14;Habacuque 1; Jeremias 8-9, 23.

Continua...

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