domingo, 20 de julho de 2008

AS RAIZES HISTÓRICAS DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

O evangelicalismo brasileiro apresenta características apreciáveis e preocupantes. Entre estas últimas está o gosto por novidades. Líderes e fiéis sentem que, para manter o interesse pelas coisas de Deus, é preciso que de tempos em tempos surja um ensino novo, uma nova ênfase ou experiência. 

Geralmente tais inovações têm sua origem nos Estados Unidos. Assim como outros países, o Brasil é um importador e consumidor de bens materiais e culturais norte-americanos. Isso ocorre também na área religiosa. Um movimento de origem americana que tem tido enorme receptividade no meio evangélico brasileiro desde os anos 80 é a chamada teologia da prosperidade. Também é conhecida como “confissão positiva”, “palavra da fé”, “movimento da fé” e “evangelho da saúde e da prosperidade”. 

A história das origens desse ensino revela aspectos questionáveis que devem servir de alerta para os que estão fascinados com ele. Ao contrário do que muitos imaginam, as idéias básicas da confissão positiva não surgiram no pentecostalismo, e sim em algumas seitas sincréticas da Nova Inglaterra, no início do século 20. Todavia, por causa de algumas afinidades com a cosmovisão pentecostal, como a crença em profecias, revelações e visões, foi em círculos pentecostais e carismáticos que a confissão positiva teve maior acolhida, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.

 A história de seus dois grandes paladinos irá elucidar as raízes dessa teologia popular e mostrar por que ela é danosa para a integridade do evangelho. Embora os adeptos da teologia da prosperidade considerem Kenneth Hagin o pai desse movimento, pesquisas cuidadosas feitas por vários estudiosos, como D. R. McConnell, demonstraram conclusivamente que o verdadeiro originador da confissão positiva foi Essek William Kenyon (1867-1948). 

Esse evangelista de origem metodista nasceu no condado de Saratoga, Estado de Nova York, e se converteu na adolescência. Em 1892 mudou-se para Boston, onde estudou no Emerson College, conhecido por ser um centro do chamado movimento “transcendental” ou “metafísico”, que deu origem a várias seitas de orientação duvidosa. 

Uma das influências recebidas e reconhecidas por Kenyon nessa época foi a de Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. Kenyon iniciou o Instituto Bíblico Betel, que dirigiu até 1923. Transferiu-se então para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre Templo Angelus, em Los Angeles, da evangelista Aimee Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle e foi um pioneiro do evangelismo pelo rádio, com sua “Igreja do Ar”. As transcrições gravadas de seus programas serviram de base para muitos de seus escritos. Cunhou muitas expressões populares do movimento da fé, como “O que eu confesso, eu possuo”. Antes de morrer, em 1948, encarregou a filha Ruth de dar continuidade ao seu ministério e publicar seus escritos. 

Quais eram as crenças dos tais grupos metafísicos? Eles ensinavam que a verdadeira realidade está além do âmbito físico. A esfera do espírito não só é superior ao mundo físico, mas controla cada um dos seus aspectos. Mais ainda, a mente humana pode controlar a esfera espiritual. Portanto, o ser humano tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influência sobre o espiritual, principalmente no que diz respeito à cura de enfermidades. Kenyon acreditava que essas idéias não somente eram compatíveis com o cristianismo, mas podiam aperfeiçoar a espiritualidade cristã tradicional. Mediante o uso correto da mente, o crente poderia reivindicar os plenos benefícios da salvação.

O grande divulgador dos ensinos de Kenyon, a ponto de ser considerado o pai do movimento da fé, foi Kenneth Erwin Hagin (1917-2003). Ele nasceu em McKinney, Texas, com um sério problema cardíaco. Teve uma infância difícil, principalmente depois dos 6 anos, quando o pai abandonou a família. Pouco antes de completar 16 anos sua saúde piorou e ele ficou confinado a uma cama. Teve então algumas experiências marcantes. Após três visitas ao inferno e ao céu, converteu-se a Cristo. Refletindo sobre Marcos 11.23-24, chegou à conclusão de que era necessário crer, declarar verbalmente a fé e agir como se já tivesse recebido a bênção (“creia no seu coração, decrete com a boca e será seu”). Pouco depois, obteve a cura de sua enfermidade. 

Em 1934 Hagin começou seu ministério como pregador batista e três anos depois se associou aos pentecostais. Recebeu o batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. No mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembléias de Deus e pastoreou várias igrejas no Texas. Em 1949 começou a envolver-se com pregadores independentes de cura divina e em 1962 fundou seu próprio ministério. Finalmente, em 1966 fez da cidade de Tulsa, em Oklahoma, a sede de suas atividades. Ao longo dos anos, o Seminário Radiofônico da Fé, a Escola Bíblica por Correspondência Rhema, o Centro de Treinamento Bíblico Rhema e a revista “Word of Faith” (Palavra da Fé) alcançaram um imenso número de pessoas. 

Outros recursos utilizados foram fitas cassete e mais de cem livros e panfletos. Hagin dizia ter recebido a unção divina para ser mestre e profeta. Em seu fascínio pelo sobrenatural, alegou ter tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo. Segundo ele, seus ensinos lhe foram transmitidos diretamente pelo próprio Deus mediante revelações especiais. Todavia, ficou comprovado posteriormente que ele se inspirou grandemente em Kenyon, a ponto de copiar, quase palavra por palavra, livros inteiros desse antecessor. Em uma tese de mestrado na Universidade Oral Roberts, D. R. McConnell demonstrou que muito do que Hagin afirmou ter recebido de Deus não passava de plágio dos escritos de Kenyon.

A explicação bastante suspeita dada por Hagin é que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois. Reflexos no Brasil Os ensinos de Hagin influenciaram um grande número de pregadores norte-americanos, a começar de Kenneth Copeland, seu herdeiro presuntivo. Outros seguidores seus foram Benny Hinn, Frederick Price, John Avanzini, Robert Tilton, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jerry Savelle e Paul (David) Yonggi Cho, entre outros. Em 1979Doyle Harrison, genro de Hagin, fundou a Convenção Internacional de Igrejas e Ministros da Fé, uma virtual denominação. 

Nos anos 80, os ensinos da confissão positiva e do evangelho da prosperidade chegaram ao Brasil. Um dos primeiros a difundi-lo foi Rex Humbard. Marilyn Hickey, John Avanzini e Benny Hinn participaram de conferências promovidas pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno (Adhonep). Outros visitantes foram Robert Tilton e Dave Robertson. Entre as primeiras manifestações do movimento estavam a Igreja do Verbo da Vida e o Seminário Verbo da Vida (Guarulhos), a Comunidade Rema (Morro Grande) e a Igreja Verbo Vivo (Belo Horizonte). Alguns líderes que abraçaram essa teologia foram Jorge Tadeu, das Igrejas Maná (Portugal); Cássio Colombo (“tio Cássio”), do Ministério Cristo Salva, em São Paulo; o “apóstolo” Miguel Ângelo da Silva Ferreira, da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro, e R. R. Soares, responsável pela publicação da maior parte dos livros de Hagin no Brasil. Talvez a figura mais destacada dos primeiros tempos tenha sido a pastora Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé, que conheceu os ensinos da confissão positiva na África do Sul. 

As igrejas brasileiras sofreram o impacto de uma avalanche de livros, fitas e apostilas sobre confissão positiva. Ricardo Gondim observou em 1993: “Com livros extremamente simples, [Hagin] conseguiu influenciar os rumos da igreja no Brasil mais do que qualquer outro líder religioso nos últimos tempos”. 

Conclusão
Além de apresentar ensinos questionáveis sobre a fé, a oração e as prioridades da vida cristã, e de relativizar a importância das Escrituras por meio de novas revelações, a teologia da prosperidade, através dos escritos de seus expoentes, apresenta outras ênfases preocupantes no seu entendimento de Deus, de Jesus Cristo, do ser humano e da salvação. 

A partir dos anos 80, várias denominações pentecostais norte-americanas se posicionaram oficialmente contra os excessos desse movimento (Assembléias de Deus, Evangelho Quadrangular e Igreja de Deus). Autores como Charles Farah, Gordon Fee, D. R. McConnell e Hank Hanegraaff, todos simpatizantes do movimento carismático, escreveram obras contestando a confissão positiva e suas implicações. Eles destacaram como, embora essa teologia pareça uma maneira empolgante de encarar a Bíblia, ela se distancia em pontos cruciais da fé cristã histórica.

No Brasil, três obras significativas publicadas em 1993 -- “O Evangelho da Prosperidade”, de Alan B. Pieratt; “O Evangelho da Nova Era”, de Ricardo Gondim; e “Supercrentes”, de Paulo Romeiro -- alertaram solenemente as igrejas evangélicas para esses perigos. Tristemente, vários grupos, principalmente os que têm maior visibilidade na mídia, estão cada vez mais comprometidos com essa teologia desconhecida da maior parte da história da igreja. Ao defenderem e legitimarem os valores da sociedade secular (riqueza, poder e sucesso), e ao oferecerem às pessoas o que elas ambicionam, e não o que realmente necessitam aos olhos de Deus, tais igrejas crescem de maneira impressionante, mas perdem grande oportunidade de produzir um impacto salutar e transformador na sociedade brasileira. 

Fonte: Texto publicado na Revista Ultimato, Edição nº 313, Julho/Agosto de 2008, por Alderi Souza de Matos, doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

18 comentários:

  1. Fizemos uma homenagem ao seu blog edificante em nossas postagens, confira lá.
    Recebeste um Selo de Proximidade, que serve para amalgamar os blogueiros em cristo.
    Se quiseres copie e estenda a onda de indicações e homenagens aos seus amigos blogueiros.
    Nosso blog linkou o seu, só prá informar...
    A graça do Sangue seja sobre ti...
    Matheus

    ResponderExcluir
  2. Prezados Matheus, Jô e Sylvia,

    Muito obrigado pelo carinho de vocês e pela homenagem. Estou anexando em meus links o blog de vocês, no entanto no meu coração vocês já estão linkados.

    Que a Graça do Senhor esteja sobre vocês.

    ResponderExcluir
  3. Amado irmão, graça e paz.
    Parabéns pelo blog abençoado; é uma felicidade encontrar servos zelosos sa Obra, e amantes de Missões.
    Obrigado pela visita e por suas palavras.
    Caso queira trocar links, estou às ordens.

    Um fraterno abraço do irmão Sammis
    http://poesiaevanglica.blogspot.com
    http://veredasmissionarias.blogspot.com

    ResponderExcluir
  4. Eu já li o livro do Ricardo Gindim e 2 livros do Paulo Romeiro "Super crentes e Evangelicos em Crise"...para mim, a teologia da prosperidade é bastante parecida com a lei da atração que o mundo ensina...tudo o que vc chamar para vc, vai vim para vc...e que tudo a gente consegue com o poder da mente!
    Mas, eu sigo o que Jesus ensinou que "o homem comerá o fruto do próprio trabalho" muita gente está esquecendo que a graça de Deus nos basta. Uma vez um pastor de uma igreja que eu frequentava, falou com todas as letras que nós devíamos passar cheque sem fundo pois, quando forem depositar o cheque, Deus colocaria dinheiro no banco...um absurdo!! Além disso, a imagem dos evangelicos está cada vez pior, graças a teologia da prosperidade!!

    ResponderExcluir
  5. Prezado Sammis,

    Fico agradecido pelas palavras de incentivo e pela sua participação neste post. Vamos sim trocar links, será um prazer.

    Abraço

    ResponderExcluir
  6. Juliana,

    Concordo com você que Ricardo Gondim e Paulo Romeiro, já vinham à tempos alertando a comunidade evangélica quanto ao ensino da Teologia da Prosperidade. Sobre a falta de compreensão da Graça de Deus, realmente muitos não entendem ela, mas sobre isso vou depois fazer um artigo. Agora, maluquices como a que esse pastor, que disse poder dar, cheque sem fundo que Deus cobre, infelizmente tem muita gente fazendo por aí. É o famoso "os fins justificam os meios", um ensino mais para Maquiavel do para Cristo. Dizendo que para Deus vale tudo, cheque sem fundo, gol contra, desde que seja para fazer a "obra de Deus". Picaretagem das mais feias.

    Obrigado pela visita e participação.

    ResponderExcluir
  7. Texto muito equilibrado, sem ofenças, e muito esclarecedor. Estou visitando seu blog a primeira vez e gostei do vi. Vou voltar.

    Fica na Paz,

    Felipe Moacir da Silveira

    ResponderExcluir
  8. Felipe,

    Municio este espaço com um ou dois posts por semana. Aqui, procuro falar de assuntos variados, mas sempre contextualizando com a Palavra.
    Tomei a decisão, desde o início, de não desperdiçar o blog só com questões que preocupam os religiosos, pois para isso, já há muitos blogs e sites. Paulo escrevendo a Timóteo, o instruiu a não "preocupar-se com fábulas e genealogias. Essas coisas, em vez de promoverem a obra de Deus, que se baseia na fé, só servem para ocasionar disputas. Esta recomendação só visa a estabelecer a caridade, nascida de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Apartando-se desta norma, alguns se entregaram a discursos vãos. Pretensos doutores da lei, que não compreendem nem o que dizem nem o que afirmam". I Timóteo 1:4-7.

    Fico grato pela visita, e espero tê-lo por aqui, outras vezes.

    Graça e Paz.

    ResponderExcluir
  9. Olá!

    É uma honra ser citado entre os links dos seus blogs indicados. Porém, notei que a indicação não leva à minha página.

    Conto com sua compreensão. E avisoo que está indicado por mim também.

    Abraço.

    Eliseu antonio Gomes
    http://belverede.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  10. Amado irmão, graça e paz.
    Obrigado pelas palavras e pelo link - já estou linkando teu blog também.

    Deus lhe abençoe!

    ResponderExcluir
  11. Irmão Eliseu,

    Fico grato por sua participação nesse espaço. Obrigado por ter me endicado no seu blog. Quanto ao erro no link, já providenciei a correção.

    Abraço.

    ResponderExcluir
  12. Irmão Sammis,

    Fico feliz com a nossa parceria de links. Gostei e me identifiquei muito com os seus blogs.

    Abraço.

    ResponderExcluir
  13. Muito bom compartilhar esse belo texto conosco... gostei bastante do teu blog...

    É impressionante como a confissão positiva encontra cada vez mais espaço na sociedade atual...

    ResponderExcluir
  14. Raphael,

    A confissão positiva tem se alastrado muito no meio evangélico. Em vez do homem ser servo de Deus, ela faz de Deus o servo do homem, com suas determinações e decretos.

    Obrigado pela sua participação.

    ResponderExcluir
  15. Pastor Juber, a paz!

    Esse texto do Rev. Aderir Sousa de Matos resume bem a perniciosa doutrina do Movimento da Fé. Como diz o pastor Claudionor de Andrade, esse movimento não promove nada positivo ao Evangelho nem próspera as Boas-Novas de Cristo.
    O que me deixa mais feliz nessa história é que os pentecostais produziram obras de combate a essas heresias, obras essas que se tornaram referenciais. Além do livro “Evangelho da Nova Era” de Ricardo Gondim e “Super-Crentes” de Paulo Romeiro, temos diversos artigos e outros livros de pentecostais combatendo essas aberrações.

    Gutierres Siqueira
    www.teologiapentecostal.blogspot.com

    ResponderExcluir
  16. Obrigado pelavisita em meu blog!

    Gostei muito desta matéria sobre a história da teologia da prosperidade.

    Grande abraço!

    Amenidades da Cristandade

    Filmes que Edificam

    ResponderExcluir
  17. Gutierres,

    Sim os escritores pentecostais também tem dado sua contribuição contra o ensino da confição positiva, seja no Brasil ou nos Estados Unidos. Este ensino tem proliferado porque nossa cultura racional, funcional e pragmática não admite conflitos e angústias. Basta olharmos as livrarias para vermos a quantidade livros com receitas e fórmulas para casamentos felizes, filhos contentes e educados, ministérios eficazes e os infalíveis passos para o sucesso pessoal. A verdade é que, a vida da fé envolve tensões e angústias. A distância entre nossas convicções e nossas emoções é o espaço onde a crise e as tensões da fé acontecem, e que é também parte integrante do processo de amadurecimento da fé.

    Obrigado pela valiosa contribuição.

    ResponderExcluir
  18. Meu irmão cristão cinéfilo,

    Fico feliz que esta matéria tenha trazido alguma contribuição à sua vida. Para você que gosta de filmes, sugiro caso ainda não tenha assistido dois filmes: "Fé demais não cheira bem" com Steve Martin e "O Apóstolo" com Robert Duvall. Ambos os filmes mostram o perigo de uma religiosidade onde a Palavra não é o centro da espiritualidade, mas antes a usam como base para práticas nada recomendáveis.

    Obrigado pela visita.

    ResponderExcluir