quarta-feira, 21 de julho de 2021

Uma análise sobre a crise espiritual da igreja evangélica nos Estados Unidos (Parte 1)

De 1990 para cá, enquanto o evangelho tem experimentado um verdadeiro “boom” de crescimento nas Américas Central e Sul, no continente africano e na Ásia, o que se vê nos Estados Unidos é uma queda vertiginosa. E essa queda, frise-se, não é só em relação aos evangélicos: é uma queda do cristianismo ali de forma geral, de 1990 para cá, e de forma impressionante. Vejamos primeiro o caso específico dos evangélicos, que é o que mais nos toca.

 
Em 1990, os evangélicos eram 60% da nação. Em 2007, eles eram 51%; em 2012, 48%; em 2014, 47%; em 2018, 43%; e em 2021, 40%. Veja: de 1990 a 2021, em apenas 31 anos, os evangélicos nos EUA caíram de 60% da população para, segundo o levantamento do Instituto Gallup publicado em março deste ano, apenas 40% (sic). Isso é uma queda de um terço em apenas três décadas! Isso é maior, por exemplo, do que a queda do catolicismo no Brasil.
 
Em 1970, os católicos eram 91,8% da população brasileira; e em 2010, 64,6% – ou seja, uma queda de 29,6% em quatro décadas, enquanto nos EUA os evangélicos caíram 33,3% em apenas três décadas. Outra coisa: os católicos no Brasil caíram percentualmente, mas continuam crescendo numericamente, enquanto os evangélicos nos EUA, nas três últimas décadas, caíram percentual e numericamente.
 
Em 1776, ano da independência dos EUA, os evangélicos eram 97,6% da população norte-americana; no ano de 1900, eram 90% – ou seja, após 124 anos, houve uma queda irrisória percentualmente falando, sem falar que, em contrapartida, houve enorme crescimento numérico dos evangélicos nesse período. É apenas durante o século 20 que haverá a primeira queda percentual realmente significativa dos evangélicos nos EUA, mas, mesmo nesse caso, há ainda ressalvas importantes. É verdade que de 1900 a 1990 os evangélicos nos EUA caíram de 90% para 60% da população, uma queda também de 33,3%; mas, além de essa queda ter se dado em 90 anos e não em 30 anos (ou seja, durou três vezes mais tempo), há sobretudo o fato de que, nesse período, os evangélicos continuaram crescendo numericamente de forma muito significativa, o que não ocorreria de 1990 em diante. A queda percentual de 1900 a 1990 se devia não a uma falta de crescimento dos evangélicos, mas ao crescimento exponencial da imigração para os EUA de latinos, italianos e irlandeses durante o século 20, o que fez aumentar imensamente o número de católicos no país.
 
Ou seja, em termos percentuais, a única diferença do cristianismo nos EUA no século 20 (pelo menos até 1990) em relação ao dos primeiros 124 anos da história daquele país é que, por questões meramente imigratórias, a massa geral de cristãos norte-americanos passou a ser mais heterogênea no século 20, com grande porcentagem de católicos. No mais, os cristãos em geral continuavam sendo a esmagadora maioria da população, permanecendo em torno dos 90%.
 
Por outro lado, quando olhamos para o período subsequente, de 1990 a 2021, vemos exatamente o contrário:
 
(1) Houve uma queda abrupta do número de evangélicos, da ordem de 33,3%, em apenas 31 anos!
 
(2) Essa queda não foi apenas percentual, mas numérica. A população dos EUA em 1990 era de 250 milhões de pessoas, o que significa dizer que, se 60% da população era evangélica nessa época, havia 150 milhões de evangélicos no país naquele tempo. Já em 2021, quando a população dos EUA é de 330 milhões de pessoas, apenas 40% da população é evangélica, o que significa que há atualmente 132 milhões de evangélicos naquele país – isto é, 18 milhões a menos do que 31 anos atrás. Isso é mais do que a população da Holanda, mais do que a população do estado do Rio de Janeiro. Em outras palavras, nem o crescimento vegetativo foi suficiente para cobrir o buraco crescente de evasão dos anos que se seguiram.
 
(3) Trata-se também de uma queda dos cristãos no país de forma geral, ou seja, os católicos inclusos. Estes caíram de 30% para 20% em 31 anos. Segundo o Gallup, se somarmos católicos e evangélicos hoje nos EUA, eles representam juntos 60% do país, a mesma porcentagem que os evangélicos representavam sozinhos naquele país até 1990, isto é, um dia desses. Se considerarmos de 2007 para cá, isto é, apenas os últimos 14 anos, a queda do número de cristãos nos EUA foi de incríveis 15% – de 75% de cristãos em 2007 para 60% em 2021. Em 2007, havia 225 milhões de cristãos nos EUA, enquanto em 2021 há apenas 198 milhões – 27 milhões a menos, ou seja, quase 2 milhões a menos por ano. Isso significa que não está ocorrendo nos EUA uma forte migração de cristãos de um segmento para outro do cristianismo (como ocorre no Brasil) sem afetar o número geral de cristãos no país, mas uma queda mesmo do número de cristãos de forma geral, sejam eles evangélicos ou católicos.
 
Aqui, um parênteses para uma curiosidade: segundo pesquisa Datafolha de 2016, 48% dos evangélicos no Brasil nasceram em lares evangélicos e sempre foram a vida toda de uma única denominação; 44% são católicos que se tornaram evangélicos; 4% são evangélicos que migraram de denominações tradicionais para igrejas pentecostais; 2% vieram do espiritismo para a igreja; 1% é de pentecostais que migraram para igrejas tradicionais; e o 1% restante veio da umbanda, do candomblé e de outras religiões para a igreja. Isso significa dizer que 48% é fruto de crescimento vegetativo, 47% é fruto de evangelização e 5% é de crentes que migraram entre denominações, com a migração sendo 4 vezes maior de tradicionais se tornando pentecostais e não o contrário. 
 
Mas, voltemos aos Estados Unidos.
 
A pesquisa nos EUA supracitada, de março deste ano, feita pelo Instituto Gallup, também revelou que, pela primeira vez na história, menos da metade dos norte-americanos – sejam eles católicos, evangélicos, ortodoxos, judeus ou islâmicos – pertencem a alguma igreja, sinagoga ou mesquita. Mais precisamente, apenas 47% dos norte-americanos se declaram membrados a alguma casa de culto, seja igreja, sinagoga ou mesquita. Desde 1937, o Gallup faz levantamentos sobre a religiosidade nos EUA e, segundo esses levantamentos, de 1937 a 2000, o número de norte-americanos que se declaravam filiados a alguma casa de culto oscilou de 76% a 68%, sendo que no ano 2000 era de 70%. Porém, de 2000 a 2020, foi só ladeira abaixo: em 2005, eram 64%; em 2010, 61%; em 2015, 55%; e em 2020, 47%. Isso significa uma queda de 23 pontos percentuais em 20 anos, enquanto de 1937 a 2000 – isto é, em 63 anos – foram apenas 6 pontos percentuais de queda.
 
Enquanto isso, o número de pessoas que se declaram sem nenhuma religião nos EUA chegou a 21% em 2021, segundo o Gallup, mas pode ser pior, já que, segundo outros censos divulgados também em março deste ano, esse número já seria de 30%. Os cristãos em geral (católicos, ortodoxos e protestantes) caíram para 63% em 2019, segundo o Pew Research, e para 60% em 2021, segundo o Gallup. Lembrando que apenas um terço dos evangélicos nos EUA frequentam a igreja toda semana – ou seja, a grande maioria não o faz.
 
Portanto, hoje temos 30% da população norte-americana de pessoas sem religião e apenas 40% de evangélicos, mas com só um terço deles indo à igreja; e cristãos ao todo são apenas 60% da população e caindo (há apenas 30 anos, eram cerca de 90%). Traduzindo: os sem-religião já são METADE do tamanho dos cristãos no país e só 25% menor que a quantidade de evangélicos nos EUA – e se você comparar apenas com os evangélicos praticantes, os sem-religião JÁ SÃO o maior grupo no país. Sem dúvida alguma, a igreja está perdendo terreno nos Estados Unidos.
 
Bem, há pelo menos algum sinal à vista hoje de que isso pode mudar? Infelizmente, não. Segundo outro levantamento feito, cresce a cada ano o número de crentes nos EUA que não compartilham a sua fé como deveriam – inclusive o número daqueles que nem fazem mais isso.
 
O Instituto Barna fez três levantamentos sobre isso nos EUA – um em 1993, outro em 2018 e um mais recente em 2019, os dois últimos com resultados assustadores. Na pesquisa de 1993, 89% dos crentes entrevistados afirmavam que todo cristão tem a responsabilidade de compartilhar a sua fé, o que nada mais é do que cumprir a Grande Comissão instituída pelo Senhor Jesus em Mateus 28.19,20 e Marcos 16.15. Porém, em 2018, apenas 64% afirmaram concordar com isso – uma queda de 25 pontos percentuais em 25 anos. Para piorar, uma pesquisa do Barna realizada ano passado revelaria ainda que 47% dos cristãos nos Estados Unidos situados na “Geração Y” ou “Millennial” (nascidos entre os anos de 1980 e 2000 – ou seja, pessoas com a idade hoje entre 39/40 e 19/20 anos) simplesmente afirmavam considerar errado evangelizar, numa demonstração de que a cultura pós-moderna do “politicamente correto” e do relativismo cultural, que absurdamente considera o evangelismo algo “ofensivo”, já contaminou praticamente metade da juventude evangélica norte-americana de nossos dias.
 
O esfriamento evangelístico tem afetado as igrejas evangélicas nos EUA de forma geral, de maneira que, se não se cuidarem, elas poderão ter o mesmo fim do protestantismo europeu. Em 2018, segundo pesquisa do Pew Research Center, não obstante 64% da população europeia ainda se dizer cristã, 70% destes eram não-praticantes. Isso significa dizer que somente 30% dos cristãos europeus (o equivalente a 18% da população da Europa) eram cristãos praticantes, que não apenas professavam a fé, mas também frequentavam suas igrejas.
 
Ora, com menos cristãos engajados, menos evangelização; e com menos evangelização, a igreja não cresce. Essa é a realidade da Europa já há algum tempo e é a dos EUA também hoje.
 
Como os EUA chegaram a isso? No próximo artigo, pretendo tratar das principais razões desse declínio.

Fonte: Silas Daniel. Link: http://www.cpadnews.com.br/

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